Atraso no parque industrial de Manaus preocupa
Modelo de zona franca, que impulsionou indústria no Amazonas a partir dos anos 1960, precisa ser repensado, dizem especialistas no EXAME Fórum Amazônia
Renata Vieira
Publicado em 26 de junho de 2018 às 21h32.
Última atualização em 25 de julho de 2018 às 10h46.
Manaus — É da Zona Franca de Manaus que sai uma parcela relevante dos eletroeletrônicos consumidos no Brasil, como televisores, celulares e computadores. Foi nessa região que, durante o governo JK e, mais tarde, ao longo da ditadura militar, se estabeleceu um dos maiores polos industriais do país, baseado numa política de incentivos fiscais. O objetivo era levar desenvolvimento à parte ocidental da Amazônia e gerar emprego no coração da floresta. Passados mais de 50 anos, porém, o modelo vem sendo repensado por especialistas e pelas próprias indústrias, já que o amplo processo de digitalização de produtos e serviços – a exemplo dos populares smartphones – pode tornar obsoletos muitos dos produtos fabricados nessa região. Além disso, o modelo de subsídio público do setor também já dá sinais de esgotamento.
Maneiras de alavancar o crescimento da região a partir da modernização da indústria estão sendo discutidas no Exame Fórum Amazônia, que aconteceu nessa terça-feira, 26 de junho, em Manaus. Com abertura de Arthur Virgílio Neto, prefeito da cidade, o evento debateu ao longo da manhã a importância da digitalização na indústria como fator fundamental de competitividade. Ferramentas como big data, internet das coisas, aprendizado de máquina, robótica e inteligência artificial estão revolucionando processos industriais no mundo inteiro, mas ainda têm baixa adesão no Brasil.
Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que 42% das empresas desconhecem a importância de tecnologias digitais para o avanço da competitividade do setor – e 52% delas sequer utilizam ao menos uma tecnologia do tipo. Outros dados mostram que a indústria alemã adota tecnologias do tipo numa proporção 20 vezes maior. “A automação traz uma visibilidade melhor dos processos na indústria, e isso possibilita prever situações futuras com base em dados bem coletados no passado”, afirma Gustavo Leal, diretor de operações do Senai nacional, Gustavo Leal e um dos palestrantes do Exame Fórum. Por aqui, o horizonte de transformações profundas da indústria atinge com ainda mais força o estado do Amazonas, cujo PIB depende fortemente da Zona Franca de Manaus.
A perda de competitividade do polo diz respeito não apenas a problemas nacionais, como o fator produtividade (o trabalho de um americano é feito por 4 brasileiros), mas também a um processo vagaroso de inovação. “Com aparelhos celulares que reúnem quase tudo e jogam muitos outros aparelhos em desuso, a indústria precisa se renovar de maneira mais ágil”, afirma o empresário Jaime Benchimol, presidente do grupo Fogás e da rede de lojas Bemol. Para os especialistas presentes no debate, o modelo da zona franca tem prazo de validade: pode durar mais dez, vinte ou trinta anos, mas não sobrevive mais que isso. Será preciso, então, estratégia. Uma delas é a velha conhecida educação. Conhecimentos básicos de matemática e o domínio do inglês ainda são raridades entre os trabalhadores de base da indústria. Para o diretor de planejamento da empresa brasileira de pesquisa e inovação industrial, a Embrapii, José Luiz Gordon, “não há saída senão preparar melhor quem chega ao mercado de trabalho”.
Os nós logísticos que travam o desenvolvimento da região também permearam as discussões. Na região norte, o cenário é dramático. Cerca de 80% das estradas dos estados da Amazônia são regulares ou ruins. Há ainda o potencial hidroviário, pouquíssimo explorado – e o ferroviário, destinado basicamente ao transporte de minério de ferro – e que depende de investimento público, cada vez mais escasso, para avançar. “O que dá para fazer de imediato é garantir a pavimentação da BR163, que atravessa a região”, afirma Olivier Gerard, sócio da consultoria Macrologística e palestrante da manhã.