Economia

Atraso na vacinação deve retirar R$ 150 bilhões do PIB do Brasil neste ano

Caso 70% dos brasileiros fossem vacinados até agosto, a economia cresceria 5 5% neste ano, segundo cálculos do economista Bráulio Borges

 (Michael Ciaglo/Getty Images)

(Michael Ciaglo/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 31 de janeiro de 2021 às 13h33.

Última atualização em 31 de janeiro de 2021 às 13h37.

A lentidão e a desorganização no programa nacional de vacinação contra a covid-19 vão retirar pelo menos dois pontos porcentuais do Produto Interno Bruto (PIB) do País em 2021. Segundo cálculos do economista Bráulio Borges, da consultoria LCA, caso 70% dos brasileiros fossem vacinados até agosto, a economia cresceria 5 5% neste ano. Se a vacinação atingir esse patamar apenas em dezembro - hipótese que hoje já é considerada otimista -, o crescimento do PIB deve ficar entre 3% e 3,5%. Nesse cenário, o País deixará de movimentar R$ 150 bilhões.

Borges também traçou uma hipótese otimista: estimando o impacto de uma vacinação mais ágil na economia, em um ritmo semelhante ao de Israel - país mais avançado na imunização. Nesse cenário, 70% seriam vacinados até junho, permitindo que as medidas de distanciamento social fossem relaxadas e garantindo o retorno de atividades em que há aglomeração. O PIB poderia, nesse caso, avançar 7,5%, um incremento de R$ 260 bilhões.

O crescimento de 3% a 3,5% esperado para a economia no pior dos cenários (com a maior parte da população vacinada até o fim do ano) pode parecer positivo, dado que a última vez que o País avançou 3% foi em 2013. Na prática, porém, significará que a economia passou o ano todo estagnada. Isso decorre do que os economistas chamam de “carrego estatístico” - quando a base de comparação é baixa (o resultado médio do PIB em 2020), mas o ponto de partida é elevado por conta da recuperação ao longo do último semestre do ano.

A alta de 3,5% também significará que o País terá, no fim de 2021, um PIB 1% abaixo do registrado em 2019. A economia per capita terá um resultado ainda mais negativo: 2,5% inferior ao de 2019. “Esses cálculos são um exercício simplificado que mostra como podemos ter um crescimento econômico se andarmos mais rápido com a vacinação, o que hoje parece uma realidade bem distante”, afirma Borges.

Por enquanto, a LCA projeta que o PIB ficará nos 3,5% neste ano. Mas Borges reconhece que talvez a realidade “seja ainda pior que esse cenário ruim”.

A Tendências Consultoria é mais pessimista e estima um PIB de 2 9%. “Nossa projeção é cautelosa porque já tínhamos uma preocupação com o quadro pandêmico e não tínhamos a perspectiva de que haveria um movimento de vacinação afetando parte relevante da população no primeiro semestre. Outra preocupação é com a situação fiscal”, diz a economistachefe da consultoria, Alessandra Ribeiro.

O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, afirma que há inclusive um risco de o Brasil ter sua classificação de risco novamente rebaixada por causa do atraso na imunização. “Há um risco indireto porque, à medida que não temos uma vacinação em massa, a confiança dos agentes econômicos cai. As pessoas também ficam mais em casa e isso afeta um componente que é analisado para determinar o risco, que é o PIB.”

A economista Zeina Latif alerta que a perda de doses de vacinas, como tem sido verificado em algumas cidades por problemas técnicos, e a eficácia de 50% da Coronavac fazem com que seja mais difícil atingir a imunidade de rebanho. “Esse fator de incerteza vai pesar em 2021. Ainda vamos passar um bom tempo com limitações para a atividade econômica. E o setor de serviços é o mais impactado pela pandemia, além de ser o que tem maior peso no PIB. Acho difícil a gente não ter decepções com a economia.”

Segundo estimativa do Ministério da Saúde, a vacinação deve levar “até 12 meses após a fase inicial”. Isso, no entanto, dependerá “do quantitativo de vacinas disponibilizadas para uso”.

A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imunizações por oito anos, lembra, porém, que já houve atrasos no recebimento das primeiras doses de imunizante e que não é possível ter certeza de que o prazo será cumprido. “Mesmo quem comprou as vacinas antecipadamente está com problema (para recebê-las). Imagina quem não comprou. Esse vai para o fim da fila, porque a demanda mundial é muito grande.”

Falta de sincronia na imunização afetará economia global

Se os países emergentes não tiverem acesso às vacinas contra covid-19, o mundo todo pode perder US$ 9,2 trilhões em decorrência do desaquecimento do comércio internacional e de rupturas nas cadeias de produção, de acordo com levantamento da Câmara Internacional do Comércio (ICC), principal organização privada do mundo a promover o comércio internacional. Países ricos com economias mais abertas e muito conectadas com outros mercados, como Bélgica e França, estariam entre os mais afetados.

“Existe uma corrida para conseguir se vacinar e não há preocupação para olhar a vacinação de forma coordenada no mundo. Isso vai custar também para os países ricos. É importante para a retomada global que a vacinação ocorra de forma mais equilibrada entre os países”, diz a diretora executiva do ICC Brasil, Gabriella Dorlhiac.

Um projeto liderado pela Organização Mundial da Saúde, pela Comissão Europeia, pela França e pela Fundação Bill & Melinda Gates aponta que são necessários US$ 38 bilhões para prevenir e tratar de pacientes com covid globalmente. “Falta levantar US$ 27 bilhões para conseguir as doses de vacinas necessárias para os países menos desenvolvidos. Isso não é nada em comparação ao custo que os países mais ricos terão em perdas de comércio”, acrescenta Gabriella.

Perda local. O Brasil também sofrerá com a falta de coordenação internacional nos programas de imunização. Segundo o estudo do ICC, o País pode perder até 12% do Produto Interno Bruto (PIB) caso outros emergentes vacinem suas populações de forma muito gradual e suas atividades não possam ser completamente retomadas neste ano.

A pesquisa considera um cenário em que apenas 50% da população dos emergentes será vacinada até o fim de 2021, enquanto, nos países ricos, todos serão imunizados no começo deste ano. Também parte do pressuposto de que as economias são conectadas e de que no caso em que o Brasil pode perder até 12% do PIB, o País não conseguiria substituir importações ou exportações.

O ICC Brasil estimou ainda um cenário mais delicado, em que os emergentes não conseguem vacinar nem 50% de suas populações e que, para controlar a pandemia, precisam manter as medidas de distanciamento social durante todo o ano. Nesse caso, a perda no PIB chegaria a 18,3%.

Para o economista Bráulio Borges, da consultoria LCA, além de o País perder com essas eventuais rupturas nas cadeias produtivas e no comércio internacional, também pode ter prejuízo porque os investidores devem correr para os mercados ricos, onde a vacinação avança mais rapidamente.

“Ajudaria o Brasil se a vacinação global fosse sincronizada. Com essa falta de sincronia, os EUA podem crescer muito e atrair mais capital. Isso mantém nosso câmbio depreciado, o que leva o Banco Central a subir a taxa básica de juros. Os investimentos ficam mais caros”, diz Borges.

Mendonça de Barros: ‘Não há recuperação sem vacinação’

O aumento de casos de covid19 e a perspectiva de que a oferta de doses de vacina será intermitente são sinais de que a economia não se fortalecerá neste primeiro semestre. Na avaliação do economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da consultoria MB Associados, a economia está mais debilitada do que se esperava e, diante desse cenário, a falta de imunizantes é ainda mais preocupante. “Não tem como ter recuperação sustentada se não for precedida de vacinação em massa que permita reduzir o distanciamento social para sempre”, diz.

A MB projeta um crescimento de 2,6% para o PIB - “um resultado muito fraco depois do que passamos no ano passado”, diz Mendonça de Barros.

Por enquanto, porém, nem esse desempenho pífio está garantido. “Olha a situação limite de Manaus. Mesmo não querendo, foi preciso um lockdown. São Paulo também voltou com restrições maiores.”

Acompanhe tudo sobre:CoronavírusPandemiaPIBPIB do Brasilvacina contra coronavírusVacinas

Mais de Economia

Oi recebe proposta de empresa de tecnologia para venda de ativos de TV por assinatura

Em discurso de despedida, Pacheco diz não ter planos de ser ministro de Lula em 2025

Economia com pacote fiscal caiu até R$ 20 bilhões, estima Maílson da Nóbrega

Reforma tributária beneficia indústria, mas exceções e Custo Brasil limitam impacto, avalia o setor