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Até onde vai a paciência, autonomia e poder de fogo de Paulo Guedes?

"Se por qualquer motivo ele deixar o governo, haverá um terremoto nos mercados", disse Ricardo Lacerda, presidente do banco de investimento BR Partners

Economista Paulo Guedes concede entrevista ao chegar para reunião com presidente eleito Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro 30/10/2018 REUTERS/Sergio Moraes (Sergio Moraes/Reuters)

João Pedro Caleiro

Publicado em 30 de outubro de 2018 às 11h23.

Última atualização em 30 de outubro de 2018 às 14h18.

Paulo Guedes disse certa vez em um encontro da elite financeira global que o Federal Reserve era um “fabricante de bolhas em série” e que Alan Greenspan estava "colocando em risco a civilização ocidental".

Relembrando o evento anos depois, ele classificou seus comentários sobre o ex-presidente do Fed, que estava sentando na platéia na época, como “incisivos e objetivos".

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É esse tipo de autoconfiança inabalável que Guedes levará consigo ao assumir o cargo em 1º de janeiro como "super ministro" e principal assessor financeiro do presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro , que conquistou uma vitória decisiva no domingo.

Mas também é essa característica, que seus críticos dizem que beira a arrogância, que poderia ser um obstáculo para a implementação de uma agenda econômica que depende principalmente dele.

A impaciência de Guedes com outros pontos de vista veio à tona no domingo após a vitória, em seu primeiro embate cara-a-cara com repórteres. Pressionado repetidamente por uma jornalista argentina sobre os planos para o Mercosul, um bloco comercial regional, ele perdeu a compostura e não se desculpou:

"Você está vendo que tem um estilo que combina com o do presidente, né? Porque a gente fala a verdade", disse Guedes. "A gente não está preocupado em te agradar."

Dois dias depois, ele se desculpou, dizendo que estava exausto depois de uma longa noite e foi cercado por repórteres.

Mais longas noites estão à frente. A recuperação recente do Brasil da pior recessão na história depende de seu sucesso, e o índice de ações referência do país subiu 13 porcento desde meados de setembro - próximo do seu recorde - com o otimismo de que Bolsonaro venceria, dando a Guedes a chance de implementar políticas favoráveis ​​aos negócios.

Elas incluem dezenas de privatizações, uma reforma maciça da previdência social e uma reformulação do sistema tributário do país.

Bolsonaro, que admitiu ter apenas uma "compreensão superficial" da economia, disse que está colocando o controle total sobre as finanças do país nas mãos de Guedes, que fez pós-graduação na Universidade de Chicago e fundou uma empresa de private equity e um think tank para defender teorias econômicas liberais. No entanto, apesar de todo esse sucesso, ele não tem experiência na implementação de políticas públicas.

"Uma coisa é certa: Guedes é o fiador da suposta conversão de Bolsonaro ao liberalismo, e se por qualquer motivo ele deixar o governo, haverá um terremoto nos mercados", disse Ricardo Lacerda, presidente do banco de investimento BR Partners, com sede em São Paulo.

Quão grande é um terremoto? Um analista disse que o índice de ações do Brasil pode cair até 40 por cento, atingindo níveis não vistos desde o impeachment de 2016 da ex-presidente Dilma Rousseff.

Embora isso seja provavelmente um exagero, é o tipo de hipérbole que caracterizou a retórica eleitoral do Brasil desde que as pesquisas deixaram claro nos últimos meses que Bolsonaro estava indo para a vitória.

Think Tank

Guedes, um dos fundadores da Bozano Investimentos, uma empresa de private equity do Rio de Janeiro, fez campanha por mercados livres e eficientes na América Latina durante décadas, e criou o think tank Instituto Millenium para promover teorias econômicas liberais que defendem menos interferência do governo.

É uma ideologia que vai contra as posições que Bolsonaro defendeu até recentemente e que ainda são apoiadas por alguns de seus aliados mais próximos.

Lacerda, que geriu um fundo proprietário junto com Guedes por dois anos, disse que ele é "um economista brilhante, muito bem preparado, e considero corretas suas opiniões liberais sobre o que deve ser feito no Brasil".

Guedes nem sempre foi um campeão do livre mercado. Ele considerava John Maynard Keynes seu herói quando deixou o Brasil para Chicago. Lá, ele estudou com pensadores econômicos como Milton Friedman, se converteu ao liberalismo e voltou ao Brasil para fazer proselitismo. Estudantes ávidos, incluindo um que se tornou o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, aprenderam com ele.

“O Paulo tinha chegado de Chicago super afiado e foi bom, pois eram visões muito complementares às que nós tínhamos na época, que eram de inspiração de um lado mais keynesiano”, disse Fraga em uma entrevista. “O Paulo me estimulou, em conjunto com outros da PUC do Rio, a investir também na técnica que eu sempre encarei como sendo uma ferramente essencial até para os jovens pesquisadores como eu na época."

Susto com terremoto

Guedes aceitou um emprego lecionando na Universidade do Chile ao mesmo tempo em que os chamados Chicago Boys, do general Augusto Pinochet, testavam suas prescrições liberais na economia chilena.

Um dia, ao retornar ao seu hotel, Guedes descobriu que agentes de inteligência haviam vasculhado seu quarto. Ele disse que isso lhe deu um susto, depois um terremoto deu à sua esposa outro, e eles voltaram para o Brasil. Ele passou as décadas seguintes construindo sua fortuna silenciosamente, primeiro com a fundação do Banco Pactual e depois ajudando a criar a empresa de gestão de ativos JGP Gestão de Recursos.

Agora com 69 anos, seu lado professoral ainda está presente. Ele desenha gráficos enquanto fala, citando os economistas Joseph Schumpeter e Robert Lucas, ou a comparação feita por Friedman da teoria monetária com um jardim japonês. Sua mente oscila da antiga democracia grega para a revolução francesa, arrancando exemplos para reforçar os argumentos prolixos.

Ainda recentemente, há um ano, seu nome raramente aparecia em qualquer lugar que não fosse sua coluna semanal em um jornal. Em março de 2017, ele usou esse espaço para prever que um “outsider” provocaria uma revolução nas eleições de 2018 e logo começou a procurar um candidato do qual ele pudesse se tornar mentor.

Se aliou a Bolsonaro, e agora o nome de Guedes está na boca de dezenas de milhões de brasileiros que sofrem com o desemprego de dois dígitos na esteira da recessão. A economia de US$ 2 trilhões do Brasil, que historicamente se recuperou de forma robusta depois de desacelerações, cresceu apenas 1% no ano passado e espera-se que atinja crescimento de 1,5% em 2018.

Guedes abordou esse problema no domingo com um remédio específico: criar 10 milhões de empregos nos próximos dois a três anos com a redução e eliminação de impostos para atrair investimento privado, que ele chamou de motor de crescimento econômico e “a maior máquina de inclusão social”.

Mas ele divulgou pouco sobre a estratégia que ele usaria para esquentar a economia, particularmente depois que Bolsonaro amordaçou seu time durante a etapa final da corrida.

"Há poucos detalhes em praticamente todas as áreas", disse Fraga, que pretende apresentar a Guedes uma proposta de reforma da Previdência que ele elaborou, mas disse que não assumirá um cargo no governo.

A reforma do sistema de seguridade social insustentável será a principal tarefa de Guedes para reduzir despesas. Ele costuma dizer que a maior economia da América Latina sacrifica o equivalente a um Plano Marshall a cada ano, atendendo a dívida do governo, que ele pretende reduzir drasticamente. Ele disse que vai zerar o déficit fiscal em seu primeiro ano através de privatizações de empresas estatais brasileiras, e que ele venderia todo o lote se pudesse. Mas já Bolsonaro disse que o governo vai se reservar o direito de escolher quais empresas estatais permanecem ativos estratégicos.

Alguns duvidam que Guedes terá autonomia de verdade. Monica de Bolle, economista que é diretora de estudos latino-americanos da escola de estudos internacionais da Universidade Johns Hopkins, disse que Bolsonaro será pressionado por vários grupos que lutam por influência, incluindo os generais em seu gabinete que têm instintos estatistas. Isso vai diminuir o poder de Guedes, disse de Bolle, que se manifestou contra Bolsonaro e pediu que outros votassem contra ele.

Lacerda disse que Guedes também não tem experiência em negociar com o Congresso, "e isso será outro desafio para ele, considerando-se todos os interesses e contradições envolvidos".

O “temperamento explosivo" de Guedes não ajuda, disse o banqueiro, “e ele vai ter de aprender a controlá-lo."

Elena Landau, economista que supervisionou as privatizações da década de 1990, disse em uma entrevista que as únicas vendas de ativos que podem gerar receitas significativas são as jóias da coroa, como a Petrobras, a Eletrobras e os bancos como o Banco do Brasil.

"Eu acho que Guedes em sua equipe é apenas uma maneira oportunista de sinalizar para mercados ingênuos e outras pessoas do setor privado que vamos consertar a economia, e, quando chegar a hora, isso não vai acontecer", disse de Bolle. “Tenho dúvidas reais se Guedes é realmente capaz de desenhar as reformas que o Brasil precisa.”

De fato, a formulação de políticas dependerá da equipe que Guedes criar. Ele está realizando reuniões no Ministério da Fazenda, do Planejamento e no Tesouro, sondando quais funcionários podem permanecer.

Alguns que se encontraram com ele, mas pediram para não serem identificados porque não estão autorizados a falar publicamente, disseram que ele falou mais do que ouviu nas primeiras reuniões, citando suas realizações acadêmicas e opiniões na última década.

Desde então, a conversa “normalizou-se”, segundo essas pessoas, embora suas perguntas geralmente centrem-se em identificar gastos fáceis de cortar - o que eles disseram ser a visão típica de alguém não familiarizado com os desafios de reduzir os orçamentos do governo. Um dos assessores de Guedes perguntou a uma jornalista financeira se ela poderia recomendar um secretário de orçamento.

“Não ter experiência no setor público é um desafio, porque a capacidade de executar políticas envolve várias pessoas, e saber como funciona a burocracia federal”, disse Christopher Garman, diretor executivo para Américas na consultoria política Eurasia.

“É importante ter uma boa equipe ao redor dele, e o veredicto sobre isso ainda não é possível. Ele está fazendo as propostas certas, encontrando-se com muitas pessoas, recebendo sugestões, então os primeiros sinais são promissores.”

Também há dúvidas sobre por quanto tempo duas personalidades fortes como Guedes e Bolsonaro podem coexistir, disse Garman. O fato de Guedes ter procurado um candidato para se aliar logo cedo sugere que esse é um processo ao qual ele pretende dedicar um longo tempo.

Da mesma forma, Landau, que foi aluna de Guedes e tem sido crítica ao economista na mídia local, disse que não acha que ele deixará o governo em breve, em grande parte porque sua reputação agora está voltada para a obtenção de resultados. Os mercados permanecem otimistas, acreditando que ele fará exatamente isso.

"Se há alguém qualificado para ajudar a colocar alguma ordem nessa economia, é Paulo Guedes", disse James Gulbrandsen, que ajuda a supervisionar US$ 3,5 bilhões na NCH Capital, a poucos quarteirões da firma de Guedes, no Rio. “Quando olhamos para o Paulo Guedes, reconhecemos que isso é a panaceia, a cura, o remédio para o que aflige o Brasil.”

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