HONG KONG: há algumas semanas, manifestantes chegaram a ocupar o parlamento do país. / REUTERS/Tyrone Siu
Da Redação
Publicado em 7 de agosto de 2019 às 13h41.
Última atualização em 7 de agosto de 2019 às 15h31.
Hong Kong – Os aluguéis de apartamentos minúsculos são mais altos que os de Nova York, Londres ou San Francisco. Quase uma em cada cinco pessoas vive na pobreza. O salário mínimo é de US$ 4,82 por hora.
Hong Kong, a cidade chinesa semiautônoma de 7,4 milhões de pessoas que recentemente foi palco de enormes protestos, pode ser o lugar mais desigual do mundo para viver. A revolta sobre o poder crescente da China continental na vida cotidiana foi o motivo dos protestos, assim como o desejo dos habitantes de escolher seus próprios líderes. Mas, por trás dessa revolta política, há uma ansiedade profunda em relação à sua própria economia – e o temor de que ela só vá piorar.
“Pensamos que, talvez, se você tiver uma melhor educação, poderá conseguir uma renda melhor”, disse Kenneth Leung, de 55 anos, que tem nível universitário e participava do protesto. “Só que, em Hong Kong, nas últimas duas décadas, as pessoas têm acesso à educação universitária, mas não estão ganhando mais dinheiro.”
Leung se juntou aos protestos contra o plano de Hong Kong de permitir extradições de suspeitos de crimes para a China continental, onde o Partido Comunista controla os tribunais e as confissões forçadas são comuns. Mas ele também está revoltado com sua própria situação: trabalha 12 horas por dia, seis dias por semana, como guarda de segurança, ganhando US$ 5,75 por hora.
Ele é um dos 210 mil moradores de Hong Kong que vivem em um dos milhares de apartamentos ilegalmente subdivididos da cidade. Alguns são tão pequenos que são chamados de gaiolas ou caixões.
Seu quarto, em comparação, é relativamente espaçoso, com nove metros quadrados para dormir, cozinhar e viver. Ele às vezes se esforça para reservar os US$ 512 do aluguel mensal depois de pagar por comida e outros gastos.
Os números são impressionantes. A diferença entre os ricos e os pobres em Hong Kong atingiu um ápice em quase meio século e é uma das mais brutais do mundo. A cidade tem as mais longas horas de trabalho do mundo e os aluguéis mais altos. Os salários não acompanharam o aluguel, que aumentou quase 25 por cento no mesmo período. O custo da habitação mais que triplicou na última década. O preço mediano de uma casa é mais de 20 vezes a renda média anual de uma família.
Essas questões foram centrais há cinco anos, quando os protestos conhecidos como Occupy Central ou o Movimento dos Guarda-chuvas fecharam partes da cidade durante semanas. Protestos semelhantes, como o movimento dos coletes amarelos na França, ecoam a preocupação de que a economia global em expansão tenha deixado muitas pessoas para trás.
Hoje, os manifestantes estão se concentrando no projeto de lei de extradição, que os líderes de Hong Kong acabaram arquivando, mas não extinguindo, e a busca por eleições diretas em um sistema político influenciado por Pequim. Hong Kong, antiga colônia britânica, tem suas próprias leis, mas os manifestantes dizem que o governo chinês está minando essa independência e que os líderes de Hong Kong trabalham para Pequim, para corporações imobiliárias e para as grandes empresas, não para o povo.
Os apoiadores de Carrie Lam, a maior autoridade de Hong Kong, dizem que ela está tentando consertar os problemas da cidade, embora reconheçam que ela cometeu erros.
A solução em longo prazo, dizem autoridades pró-Pequim, é uma integração maior, e não menor, com o continente. Os jovens podem tirar proveito de um programa em que o governo de Hong Kong ajuda os empresários a estabelecer um negócio na Área da Baía, uma nova zona econômica que liga Hong Kong ao continente, disse Felix Chung, que lidera o Partido Liberal, pró-Pequim, no Conselho Legislativo da cidade.
“Qual o problema de viajar de Zhuhai para Hong Kong?”, disse Chung, referindo-se a uma cidade chinesa vizinha que faz parte do programa. “A população de Hong Kong é mimada”, acrescentou.
Para Philip Chan, essas respostas mostram como os líderes de Hong Kong se desatualizaram. Manifestante e enfermeiro de um hospital público, Chan, de 27 anos, ainda vive com seus pais e compartilha um beliche com sua irmã de 30.
“O governo chinês não pode nos garantir nada. Veja por exemplo a liberdade de expressão”, disse Chan, citando o bloqueio de Pequim aos aplicativos da internet, como Facebook e WhatsApp. “Como podemos viver?”
A habitação está na raiz de muitas das frustrações. Tantas pessoas são excluídas do mercado imobiliário que não é raro encontrar um adulto jovem que ainda viva com os pais ou membros da família.
“Muitas pessoas em Hong Kong enfrentam problemas financeiros sérios, como o preço elevado da moradia. Elas tentam trabalhar duro, mas não conseguem ganhar dinheiro suficiente para ter uma condição de vida melhor. Não conseguem ver um futuro mais promissor, por isso se sentem frustradas”, disse Chan.
Localizada em uma série de ilhas e uma faixa de montanhas que vem da China continental, Hong Kong tem relativamente poucos lugares para construir.
Os críticos dizem que as políticas governamentais que favorecem as construtoras pioram a situação. O governo ganha dinheiro com a venda da terra aos desenvolvedores, por isso controla o ritmo das vendas para maximizar a receita e favorece desenvolvimentos luxuosos em detrimento de moradias populares, dizem.
Eles citam o período no ano passado em que ativistas pediram a autoridades da cidade que considerassem transformar um campo de golfe em habitação pública. O campo de 54 buracos, a âncora de um clube de golfe de 2.600 membros localizado no meio da paisagem de concreto de Hong Kong, poderia abrigar apartamentos para 37 mil pessoas. No fim, o governo optou por vender menos de um quinto da terra.
“Todo o sistema é totalmente controlado pelos interesses da elite”, disse Cheuk-Yan Lee, secretário geral da Confederação de Sindicatos de Hong Kong, um dos apoiadores do movimento de protesto.
O governo favoreceu também os ricos do continente, acreditando que os compradores chineses poderiam elevar o preço das propriedades e dar um ar de riqueza às residências de Hong Kong. Autoridades da cidade afrouxaram os limites do investimento no continente após os protestos de 2003 contra uma proposta polêmica que teria proibido revoltas, subversão e traição contra a China. Embora o projeto de lei proposto tenha sido derrotado, o resultado geral foi um aumento no preço das propriedades, o que enriqueceu os proprietários, mas excluiu uma geração de pessoas do mercado.
“Muitos jovens veem que quase não há saída econômica e política, e é aí que está seu desespero e revolta com o status quo”, disse Ho-Fung Hung, professor de economia política na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore.
O programa de habitação acessível da cidade não se manteve.
Atualmente, mais de 250 mil pessoas estão à espera de acesso à habitação pública. O número poderia ser ainda mais elevado, mas as autoridades de Hong Kong estipularam a eliminação para aqueles com renda menor que US$ 12 mil por ano. Os críticos dizem que há uma recusa em mudar o limite, porque isso significaria que Hong Kong teria de construir ainda mais habitações públicas.
“O requisito do governo para a elegibilidade não é realista em relação às pessoas que estão vivendo na pobreza”, disse Brian Wong, da Liber Research Community, um grupo de defesa.
Os salários também não aumentaram, particularmente para as camadas de renda mais baixas. O salário mínimo de Hong Kong é o equivalente a US$ 4,82 por hora, valor que o governo atualiza a cada dois anos. Várias organizações apelaram ao governo para aumentar o valor para US$ 7, o que a instituição de caridade britânica Oxfam calculou ser um salário “viável” para a cidade, com base no custo médio dos imóveis.
Os legisladores afirmam que o mais recente aumento do salário mínimo no início deste ano foi o maior desde sua instituição. Mas também enfatizam a importância de manter Hong Kong competitiva para empresas estrangeiras. O imposto corporativo aqui está entre os mais baixos das grandes cidades globais.
Muitos dos manifestantes dizem que as eleições diretas lhes dariam uma influência maior nessas questões econômicas cruciais.
Um deles, Roger Cheng, vendedor de 52 anos, marchava pacificamente em primeiro de julho, quando outro grupo próximo começou a bater com hastes de metal nas portas de vidro do Conselho Legislativo. Como outros ao seu redor, ele não estava disposto a se opor à violência.
“Preferimos uma maneira mais pacífica de protestar, mas não nos opomos à maneira mais radical, porque o governo de Hong Kong não nos ouve”, disse Cheng.