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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h16.
A política externa do governo Lula, na sua parte mais visível e que mais agrada às esquerdas, baseia-se em um equívoco ideológico e em um enorme erro de conta, este no que se refere à diplomacia econômica e comercial. O equívoco está na frase do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, incluída no discurso de encerramento da Cúpula América do Sul-Países Árabes: "Eu acredito que, mais que as perspectivas comerciais imediatas (...), o importante foi que nós nos conhecemos, que nós pudemos perceber o quanto somos parecidos, o quanto temos interesses comuns e o quanto poderemos construir juntos, num mundo onde o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre".
Não é verdade que os países pobres estejam condenados a um eterno empobrecimento. Muitos deles, ao contrário, estão enriquecendo rapidamente, como é o caso de nações asiáticas, em especial a Coréia do Sul, já industrializada, e a China, aceleradamente nesse caminho. Aliás, esses países desenvolveram uma estratégia idêntica -- crescer via comércio externo e, sobretudo, exportar pesadamente para os Estados Unidos, o maior e mais rico mercado. Jamais passou pela cabeça dos dirigentes desses dois países que eles poderiam mudar a geografia comercial do mundo por meio de uma diplomacia política que buscasse unir os pobres do mundo, o pessoal do Sul, contra os ricos do Norte. É que eles sabem fazer conta e não cometem o erro enunciado pelo próprio Lula em diversos de seus discursos.
A importância dos EUA | |
O quadro mostra quanto movimentou o comércio entre o Brasil e seus dois principais parceiros comerciais, em bilhões de dólares | |
Exportações brasileiras | |
Estados Unidos |
20,0
|
Argentina |
7,3
|
Importações brasileiras | |
Estados Unidos |
11,3
|
Argentina |
5,6
|
Soma das transações | |
Estados Unidos |
31,3
|
Argentina |
12,9
|
Fonte: Secex/2004 |
Diz o presidente: "Nós respeitamos profundamente a nossa relação com os Estados Unidos, respeitamos profundamente a nossa relação com a União Européia, respeitamos de forma extraordinária a nossa relação com o Japão, a nossa relação com a França, mas o dado concreto e objetivo é que o mundo é muito maior que esses mercados". Não é maior. É muito menor. Dados do Banco Mundial mostram que as nações já desenvolvidas respondem por 75% da economia global. É isso que explica as limitações comerciais da diplomacia Sul-Sul.
Lula tem dito que, graças à política externa e a suas viagens, o comércio brasileiro com África, América Latina e mundo árabe aumentou em torno de 50%. Mas é 50% em cima de valores muito baixos. A África, por exemplo, não recebe nem 5% das exportações brasileiras, que, além disso, estão concentradas em poucos países, os mais desenvolvidos. Além disso, parte da expansão do comércio externo brasileiro decorre do forte crescimento da economia global.
O ano passado, por exemplo, foi o melhor em 30 anos para todo o mundo. Neste momento, há uma desaceleração, mas o ritmo é ainda bom em boa parte dos países. Os Estados Unidos, por sinal, estão crescendo 3%, o que é forte para um país com produto interno bruto de 11,7 trilhões de dólares. Nesse ritmo, eles crescem mais que meio Brasil por ano. E os Estados Unidos ficam com 22% das exportações brasileiras. Em outras palavras, um bom contrato com a rede de supermercados Wal-Mart pode render mais negócios do que, por exemplo, o complicado e confuso acordo do Mercosul com a Comunidade Andina de Nações, firmado no ano passado.
Ranking das exportações | |
O quadro mostra a participação de cada exportador no comércio mundial | |
União Européia |
18,2%
|
Estados Unidos |
12,4%
|
China |
9%
|
Japão |
8,5%
|
Canadá |
4,9%
|
Brasil |
1,5%
|
Argentina |
0,5%
|
Outros |
45%
|
Fonte: Organização Mundial do Comércio/2004 |
Pode-se argumentar, por outro lado, que esses números confirmam a injusta concentração de renda mundial, o que justificaria, politicamente, a diplomacia Sul-Sul. É verdade que há concentração de renda e que riqueza atrai riqueza. Mas não é verdade que o capitalismo e a globalização tenham criado a pobreza. O mundo hoje é muito mais rico, e mesmo os pobres, em geral, são menos pobres. O que ocorre é um crescimento planetário, com alguns países se adiantando, outros se atrasando. E há ricos que ficam estagnados, como o Japão. Quando se observa a trajetória dos que se adiantam, a conclusão é inequívoca: andam mais depressa aqueles que mais se integram ao capitalismo global.
A proposta Sul-Sul não funciona -- nem nunca funcionou -- porque é falso que todos os países em desenvolvimento e pobres tenham interesses essenciais comuns. Ao contrário, freqüentemente há competição pelos mesmos mercados. E todos, em geral, têm tendência a proteger seus mercados. Tome-se o caso da China. O presidente Lula gosta de citar as relações econômicas e políticas com o gigante da Ásia como um bom exemplo de sucesso de sua diplomacia. Haveria convergências comerciais e diplomáticas, entendimento que fez com o que presidente rejeitasse queixas de empresários brasileiros contra a forte importação de produtos industriais chineses.
Ao mesmo tempo, Lula tirou da pauta a Alca por entender que a economia bra sileira não resistiria à competição com a americana. Na verdade, os manufaturados chineses, feitos com mão-de-obra barata e exportados com câmbio desvalorizado, podem causar muito mais estrago à indústria brasileira do que a competição dos países desenvolvidos. A China quer comprar commodities do Brasil e vender manufaturados. Faz o papel de rico do Norte, não de companheiro do Sul.
Ou seja, se o objetivo da diplomacia brasileira é melhorar a posição do país na geografia mundial, então deveria concentrar-se na Alca e no acordo com a União Européia, pois estaria aí envolvendo quase 70% das exportações brasileiras. Isso significa concentrar-se também no Mercosul e muito especialmente na Argentina, compradora de manufaturados brasileiros com valor agregado. Aliás, que os argentinos não nos ouçam, mas o Brasil tem com eles a relação Norte-Sul: exporta manufaturas e compra commodities. No fundo, é disso que o presidente Néstor Kirchner está se queixando. E também, no importante campo psicológico, das seguidas declarações de Lula de que considera "natural" a liderança do Brasil. O risco aí está numa eventual decisão da Argentina de buscar parceiros e alianças em outra parte, assim como os países da América Central estão preparando seu acordo de livre-comércio com os Estados Unidos.
Em resumo, vários pontos da diplomacia econômica de Lula estão corretos, como a busca de integração regional, a ampliação dos mercados e o fortalecimento do Mercosul -- pontos tradicionais da política externa brasileira. Os métodos e a propaganda é que não correspondem. Mesmo porque liderança depende de dinheiro para investir nos países mais pobres. Daí a dificuldade, por exemplo, da integração sul-americana -- faltam-nos capitais para fazer isso. Mas, certamente, o Brasil tem mais recursos que os demais sul-americanos, e daí a presença de companhias brasileiras liderando setores em diversos países. Curiosamente, entretanto, quando exerce esse papel, o Brasil parece, aos olhos locais, o grande explorador. Eis aí, política externa não é para amadores nem para ideólogos do Sul. Estes partem de um equívoco central: acham que, reunindo um pobre, dois pobres, três pobres, isso forma um rico.