Economia

Análise: Reversão firme da alta do câmbio depende de sinais críveis do governo

OPINIÃO | Além da alta expressiva de 17% do dólar frente ao real no acumulado do ano até aqui, chama a atenção o avanço próximo a 8% observado apenas desde o final de maio

Dólar e real: desenfreado avanço da taxa de câmbio nas últimas semanas tem razões externas e internas, ainda que a comparação do desempenho do real com outras moedas pares indique o predomínio de fatores domésticos na deterioração, diz Silvio Campos Neto (Nelson A Ishikawa/Getty Images)

Dólar e real: desenfreado avanço da taxa de câmbio nas últimas semanas tem razões externas e internas, ainda que a comparação do desempenho do real com outras moedas pares indique o predomínio de fatores domésticos na deterioração, diz Silvio Campos Neto (Nelson A Ishikawa/Getty Images)

Silvio Campos Neto
Silvio Campos Neto

Sócio da Tendências Consultoria

Publicado em 3 de julho de 2024 às 15h47.

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O desenfreado avanço da taxa de câmbio nas últimas semanas é o tema de maior destaque nos mercados financeiros neste momento no Brasil. De fato, além da alta expressiva de 17% do dólar frente ao real no acumulado do ano até aqui, considerando o fechamento de 2023 em R$ 4,84/US$ e a PTAX em 2 de julho de R$ 5,66/US$, chama a atenção o avanço próximo a 8% observado apenas desde o final de maio.

Essa dinâmica tem razões externas e internas, ainda que a comparação do desempenho do real com outras moedas pares indique o predomínio de fatores domésticos na deterioração. Embora persista a expectativa de algum alívio global do dólar à frente, à medida que se aproxime o momento de redução dos juros por parte do Federal Reserve, diversos outros elementos mantêm o quadro nebuloso para a variável, sugerindo que parte das pressões recentes tende a ser mais duradoura.

O dólar passa por um novo período de valorização global em 2024, que decorre da incerteza quanto ao processo de redução dos juros pelo Federal Reserve, seja com relação ao início e mesmo ao ritmo do ciclo. Declarações cautelosas de dirigentes da instituição têm contribuído para a cautela nos mercados mais recentemente. Porém, há outras dinâmicas em curso, envolvendo persistentes tensões geopolíticas e preocupações fiscais nos Estados Unidos, estas reforçadas pela aproximação das eleições presidenciais de novembro e ligeiro favoritismo de vitória de Donald Trump. Neste contexto, o índice do dólar contra uma cesta de moedas de emergentes subiu cerca de 5% no ano até junho.

No entanto, a mera comparação desse avanço com a alta de 17% do dólar frente ao real ilustra a importância de temas locais neste movimento. Aqui, as crescentes preocupações com os rumos da política econômica ao longo do semestre, em particular no mês de junho, podem ser apontadas como gatilhos para a deterioração específica do real.

Nas últimas semanas, declarações recorrentes do presidente Lula enfraqueceram as apostas na direção de medidas estruturais pelo lado das despesas, em momento de dificuldade política para encaminhamento da agenda de aumento da arrecadação e elevaram os temores com a transição no comando do Banco Central, com a retomada dos ataques ao atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto. Sem surpresas, os mercados incorporaram maior prêmio de risco aos ativos, em particular aos juros de mercado e à taxa de câmbio.

De olho no FED

Ainda há elementos capazes de atenuar as pressões à frente, embora reversão mais substancial dependa de sinais críveis para a agenda fiscal e de evidências de continuidade de operação independente do Banco Central após a transição de comando. Do ponto de vista externo, a aproximação do corte dos juros pelo Federal Reserve representa uma fonte de alívio ao dólar.

Nossa expectativa é de que a primeira redução ocorra em dezembro, mas sem descartar alguma antecipação. A possibilidade de retorno de Donald Trump à Casa Branca surge como um contraponto capaz de alimentar pressões no dólar, diante da antecipação de políticas mais agressivas no front fiscal e no comércio internacional.

No Brasil, espera-se uma resposta do governo à maior percepção de risco fiscal, com o anúncio de um contingenciamento de despesas no próximo relatório bimestral de receitas e despesas do Tesouro, no próximo dia 22. A medida, no entanto, não mudará a percepção adversa com a dinâmica dos gastos nos próximos anos, tendo em vista as atuais vinculações e indexações. A lei orçamentária de 2025, a ser encaminhada até o final de agosto, será outra oportunidade para o governo reduzir as tensões.

Uma transição sem sobressaltos do Banco Central seria outro atenuante, embora isso só deva ficar claro a partir de janeiro de 2025. Mantemos a avaliação de que a política monetária seguirá conduzida de forma técnica, embora as declarações de Lula coloquem grande pressão sobre o futuro novo presidente do BC – que terá que provar independência em relação ao Planalto. Por fim, eventuais intervenções do Banco Central no mercado de câmbio podem apenas conter pressões pontuais, mas sem a capacidade de alterar a dinâmica da variável.

Importante ressaltar que a taxa de câmbio permanece como um importante alarme disparado pelos mercados, que tende a forçar governos a mudarem de postura. Adicionalmente, pode haver certo exagero na atual cotação do dólar.

Se o real tivesse evoluído neste ano com base na trajetória média das moedas de emergentes, a atual taxa de câmbio estaria ao redor de R$ 5,10/US$. Modelos que levam em conta os principais condicionantes da variável apontam um “nível justo” também próximo a esse patamar. Apesar disso, é preciso reconhecer riscos substanciais à nossa expectativa de final de ano em R$ 5,15/US$, que deverá passar por uma reavaliação em breve, ainda que uma redução moderada das pressões em relação aos níveis atuais seja viável.

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