Banco Central: autoridade monetária reduz os juros no Brasil em meio a um processo de desinflação (Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 11 de novembro de 2023 às 06h09.
A economia global, desde a pandemia do coronavírus, está fora dos padrões históricos. Países que tradicionalmente mantinham a inflação controlada e cresciam de maneira sustentável - como Estados Unidos e a Zona do Euro - agora convivem com preços pressionados, juros altos e assombrados pelo risco de recessão global.
Acostumado com o bicho papão que decorre da alta de preços, o Banco Central do Brasil subiu a Selic antes dos pares e está, neste momento, em processo de redução da taxa e de desinflação.
Curiosamente, esses movimentos globais levaram os núcleos de inflação do Brasil, segundo o economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IFF, na sigla me inglês), Robin Brooks, para os níveis do G10, da zona do Euro e dos Estados Unidos.“O Banco Central do Brasil merece todo o crédito por isso. Ele caminhou bem antes dos outros. O Bacen é um dos ativos mais fortes do Brasil”, escreveu Brooks, em uma rede social.
Brazil's core inflation (purple) has now officially fallen to G10 levels and is indistinguishable from the Euro zone (orange) or the US (blue). Brazil's central bank deserves all the credit for this. It hiked well before others did. BACEN is one of Brazil's strongest assets... pic.twitter.com/IermKM5oRB
— Robin Brooks (@robin_j_brooks) November 10, 2023
O leitor que chegou até aqui já deve ter esbravejado que a inflação no Brasil é historicamente alta, que esse resultado é um desvio na curva diante de um choque profundo na economia global ou que essa matéria poderia ser uma piada.
O fato é que os dados são reais.
Dito isso, a dúvida parece estar se essa mudança é estrutural na inflação global ou um vento passageiro.
Na prática, ninguém sabe o que ocorrerá nos próximos meses. A cantada recessão nos Estados Unidos, que derrubaria os preços, não se materializou. No Brasil, no fim de 2022, o debate era se viveríamos uma estagflação profunda neste ano. Nada disso se materializou, mas os temores continuam altos.
Economistas e analistas têm procurado semanalmente dados para sustentar novas teses que brotam no mercado. Os erros têm sido constantes. Fato é: nunca antes na história desse país os núcleos de inflação do Brasil estiveram no mesmo patamar dos registados na Zona do Euro e dos Estados Unidos.
Mas o processo de desinflação no Brasil corre riscos. Historicamente, governos petistas defenderam a tese de que um pouco mais de inflação não é ruim para a economia. As sinalizações de aumento de gastos e abandono da meta fiscal preocupam o mercado, com razão. Roberto Campos Neto encerra o mandato no fim de 2024,o que abre brecha para especulações sobre um sucessor e seu comprometimento com o combate ao aumento de preços.
Como mostrou a EXAME em julho, o governo Lula 3 pode conquistar a menor inflação acumulada em quatro anos desde o início do Plano Real, em 1994, se as projeções do Boletim Focus do Banco Central (BC) se confirmarem.
Com o processo de desinflação em curso, a robustez da atividade econômica e o avanço do arcabouço fiscal e da reforma tributária no Congresso, o mercado espera que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) termine 2023 em 4,63%, dentro do teto da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), 4,75%.
Para 2024, a estimativa é de 3,91%. Para 2025 e 2026, a expectativa é de 3,5%.
Em fevereiro, por exemplo, o mercado esperava que o IPCA fecharia este ano em 5,90% e em 4,02% em 2024. Para 2025, a estimativa era de 3,80% e de 3,75% em 2026.
As perspectivas parecem positivas para a economia brasileira, mas os riscos existem e têm sido sinalizados pelo BC.
Como mostrou a EXAME, o Comitê de Política Monetária (Copom) mandou um recado claro para o governo sobre o aumento da incerteza fiscal com o debate sobre a mudança da meta de zerar o déficit público. Os membros do colegiado afirmaram que o objetivo a ser perseguido pelo Ministério da Fazenda é importante para ancoragem das expectativas de inflação e para a queda de juros.
"O Comitê vinha avaliando que a incerteza fiscal se detinha sobre a execução das metas que haviam sido apresentadas, mas nota que, no período mais recente, cresceu a incerteza em torno da própria meta estabelecida para o resultado fiscal, o que levou a um aumento do prêmio de risco. Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária, o Comitê reafirma a importância da firme persecução dessas metas", informou o BC, na ata.
Apesar do alerta, um experiente economista ouvido pela reportagem, que acompanha com lupa a comunicação da autoridade monetária, afirmou que, mesmo com os apontamentos, o Copom não sinalizou mudança de rota e reafirmou que reduzirá os juros em 0,5 ponto percentual nas próximas reuniões.
“Me parece que a diretoria do BC deu um voto de confiança ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e que serão reativos. A reação sinalizada seria uma paralisação do processo de queda de juros se as expectativas de inflação desancorarem e o ambiente externo piorar ainda mais”, diz a fonte.
Nas reuniões privadas que teve na quinta-feira, 9, e nesta sexta-feira, 10, com investidores estrangeiros nos Estados Unidos, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, mostrou preocupação com juros altos na maior economia do mundo e sinalizou que não enxerga como se dará o processo de desinflação no país.
Enquanto isso, no Brasil, os núcleos de inflação continuam comportados e os juros caindo. Para o país que já conviveu com a hiperinflação, é algo a se comemorar.