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Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.
Brasília - A elevação da renda dos brasileiros e o real valorizado tem levado a uma explosão das importações de produtos de bens de consumo, um processo que tende a contribuir para o controle inflacionário, mas que também levanta preocupações em segmentos do governo e da indústria nacional.
O temor é que, diante de um eventual desaquecimento da demanda interna, empresas instaladas no país percam mercado para concorrentes estrangeiros, com impacto sobre a produção e o emprego domésticos.
No primeiro semestre do ano, as importações dos bens de consumo cresceram 49 por cento frente ao mesmo período do ano passado, e os dados mostram que a tendência é de aceleração.
Em junho apenas, o crescimento foi de 56,1 por cento ante 2009, acima da elevação das importações totais, que ficou em 50,2 por cento. Considerando só os bens de consumo duráveis, que incluem produtos como automóveis, eletrodomésticos, partes e peças, a alta foi de 69,5 por cento no mês.
O secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, afirma que no atual momento da economia essas importações têm sido "fundamentais" para evitar a inflação por demanda.
"Agora, com uma eventual redução do consumo interno, isso levanta um problema", afirmou Barral. "Se a indústria nacional não tiver escala, ela não vai conseguir competir (com as importações)."
Ao contrário das máquinas e equipamentos (bens de capital) e das matérias-primas importadas pelo país, os bens de consumo não entram na composição de produtos nacionais, mas vão direto para as prateleiras concorrer com os similares domésticos.
Apesar do crescimento das importações dos bens de consumo, sua participação na pauta brasileira, de 16,9 por cento, ainda é bem inferior a de bens de capital (21,8 por cento) e matérias-primas (46,8 por cento).
A elevação total das importações brasileiras em ritmo superior ao das exportações tem sido determinante para o aumento do déficit em transações correntes do Brasil. Em maio, o déficit acumulado em 12 meses somou 1,94 por cento do PIB, ante um déficit de 1,41 por cento em 12 meses até maio de 2009.
Automóveis são o maior peso
Os dados da importação de bens de consumo são fortemente influenciados pelo comércio de automóveis. No primeiro semestre, os carros representaram 26 por cento do total importado em bens de consumo.
Mais de um terço desses automóveis vieram da Argentina, com isenção do imposto de importação.
O segundo maior fornecedor de carros para o Brasil atualmente é Coreia do Sul, pátria das marcas Hyundai e Kia. Neste caso, a tarifa de importação aplicada é de 35 por cento --a mais elevada permitida pela Organização Mundial do Comércio.
"A Coreia tem tido uma atuação de marketing muito agressiva no Brasil", afirmou Barral. Com o desaquecimento de grandes mercados globais, como o dos EUA, o Brasil virou alvo de "desova" de produção, acrescentou.
O item cujas importações mais crescem, ainda que com peso relativo menor na pauta, é o de aparelhos de uso doméstico, que explodiram 137 por cento no primeiro semestre, para 1,7 bilhão de dólares.
A importação de micro-ondas, por exemplo, aumentou para 30,2 milhões de dólares no primeiro semestre, ante 11,4 milhões de dólares no mesmo período de 2009.
No mesmo período, a importação de máquinas de lavar louça passou para 6,2 milhões de dólares, de um patamar de 1,3 milhão de dólares.
Na fase atual de consumo doméstico elevado, as importações robustas não parecem, de fato, ameaçar a produção nacional.
Sondagem da Fundação Getúlio Vargas feita em abril e maio mostrou que 56 por cento das indústrias de duráveis pretendem ampliar seus investimentos este ano, um recorde da série, iniciada em 1998. Esse movimento é ancorado pelos setores automobilístico e de material elétrico e de comunicação.
"Enquanto o mercado está crescendo, tem lugar para todo o mundo; quando isso mudar é que vai chegar a hora da verdade", afirmou o diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Julio Gomes de Almeida.
Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda do governo Lula, disse temer que a exuberância atual da demanda esteja acobertando um gap de competitividade por parte da indústria nacional --consequência de questões como câmbio valorizado, infraestrutura ruim e estrutura tributária desfavorável.
Barral afirma que o governo tem atuado para enfrentar muitas dessas questões e garantiu que o aumento de tarifas de importação não está no cardápio.