Economia

Acredite ou não, Tombini é um falcão contra a inflação

Apesar da instabilidade de preços, quem conhece afirma que o presidente do BC é mais conservador em termos de política monetária do que as pessoas acham


	Presidente do Banco Central, Alexandre Tombini: os mais próximos afirmam que ele fará o que acreditar necessário para recuperar a confiança dos consumidores e investidores
 (Ueslei Marcelino/Reuters)

Presidente do Banco Central, Alexandre Tombini: os mais próximos afirmam que ele fará o que acreditar necessário para recuperar a confiança dos consumidores e investidores (Ueslei Marcelino/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 23 de agosto de 2013 às 17h07.

Rio de Janeiro - Levando em conta o desempenho de Alexandre Tombini à frente do Banco Central, investidores podem ser perdoados por achar que ele é excessivamente tolerante à inflação.

Desde que Tombini assumiu a presidência do BC no início de 2011, a inflação em 12 meses tem ultrapassado com frequência a casa de 6 por cento, perigosamente perto do teto da meta do governo. Um salto inesperado dos preços este ano assustou os consumidores, sufocou a economia e contribuiu para uma onda de protestos contra o governo de Dilma Rousseff.

A instabilidade dos preços, tema que causa arrepios em um país ainda assombrado pela hiperinflação de décadas atrás, alimentou rumores de que Tombini talvez seja fraco demais para controlar o problema. Ou, pior, que ele tenha permitido que Dilma o pressionasse a derrubar os juros para as mínimas históricas, em uma campanha de afrouxamento monetário que muitos afirmam ter afetado a credibilidade do BC.

Mas aqueles que conhecem bem Tombini --um grupo pequeno, dado sua natureza reservada-- disseram à Reuters que vêem a história de forma diferente.

Eles dizem que Tombini é mais conservador em termos de política monetária do que as pessoas acham --um "hawk", ou falcão, na linguagem do mercado financeiro-- e que ele fará o que acreditar necessário nos próximos meses para recuperar a confiança dos consumidores e dos investidores.

Os problemas recentes de inflação, segundo essas pessoas, não foram resultado de fraqueza por parte de Tombini, mas de uma certa traição de outras áreas do governo, incluindo o Ministério da Fazenda, que haviam tacitamente concordado em controlar os gastos públicos para que Tombini pudesse manter os juros baixos.


Quando Tombini percebeu que o pacto tinha sido rompido --tarde demais, dizem alguns críticos-- o tecnocrata de 49 anos voltou-se ao treinamento ortodoxo que aprendeu há duas décadas na Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. Tombini começou a elevar a taxa de juros em um ritmo rápido em abril, embora a economia brasileira continue patinando por mais de dois anos.

"Tombini é um profissional de altíssima qualidade que, durante dois anos e meio, submeteu-se a uma espécie de dominação fiscal. Eu acho que ele decidiu o seguinte: eu não tenho nenhuma ajuda do setor fiscal, portanto vou cumprir minha missão", disse Antonio Delfim Netto, ex-ministro das Finanças nas décadas de 1960 e 1970.

"Não tenho dúvidas de que ele elevará a taxa tanto o quanto considerar apropriado para reduzir as expectativas de inflação para 4,5 por cento", centro da meta do governo, completou o ex-ministro, que continua a ter sua voz ouvida por Dilma e membros da equipe econômica.

Trata-se de uma tarefa gigantesca. Os preços ao consumidor subiram 6,27 por cento no período de 12 meses até julho. Embora a pesquisa Focus do BC mostre que economistas esperam que a inflação anual recue para 5,74 por cento no final de 2013, eles veem pouco alívio para o próximo ano, com uma inflação estimada em 5,8 por cento.

A reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) na próxima semana, quando será decidida a nova meta da taxa Selic, deve revelar bastante sobre a estratégia de Tombini para reconquistar a confiança do mercado.

A maioria dos analistas espera que o BC eleve a taxa básica, hoje em 8,5 por cento, em 0,5 ponto percentual. Entretanto, a recente agitação nos mercados financeiros brasileiros --incluindo a desvalorização de mais de 5 por cento do real na semana passada-- levou alguns investidores a apostar que Tombini e seu conselho podem ser ainda mais agressivos, elevando a Selic em 0,75 ponto percentual.

Grande parte dessas apostas recuava nesta sexta-feira depois que o BC anunciou um programa agressivo, equivalente ao valor de 60 bilhões de dólares, de intervenção no mercado de câmbio.


Tombini recusou repetidos pedidos para ser entrevistado para essa reportagem. O Ministério da Fazenda também se recusou a comentar.

O Boom Acabou

A desventura de Tombini reflete, de certa maneira, a abrupta perda do encanto que o Brasil exercia entre investidores estrangeiros nos últimos anos.

Quando Dilma o indicou para o cargo em 2010, a maior economia da América Latina estava no meio de um boom econômico que se traduziu em crescimento de 7,5 por cento naquele ano, consolidando a fama do país como uma economia dinâmica nos moldes da Índia e da China.

Tombini era visto como um discreto tecnocrata de carreira do banco central que seria um guardião da estabilidade financeira do Brasil, forjada a duras penas desde o caos das décadas de 1980 e 1990.

Embora pouco se soubesse sobre a vida pessoal de Tombini, além do fato de que ele adora futebol, sua relativa introspecção também foi vista como um elemento positivo em um país com longa história de figuras públicas apelativas, porém inefetivas.

Mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, uma das vozes mais proeminentes da oposição brasileira, elogiou a escolha de Dilma e lembrou que Tombini havia tido participação decisiva na criação do sistema de metas de inflação implementado em seu próprio governo em 1999. "Lembro que ele nos ajudou com um monte de problemas", disse Fernando Henrique na época.

Nos últimos anos, no entanto, a economia brasileira tem ido ladeira abaixo. O país não cresce mais do que 3 por cento desde 2010, e a expectativa agora é de expansão de apenas 2,2 por cento neste ano e 2,5 por cento em 2014.


Por outro lado, as expectativas de inflação teimam em permanecer acima de 5,5 por cento no futuro próximo, de acordo com o Focus.

"Eles fizeram um trabalho muito, muito ruim desde 2011 e deixaram as expectativas de inflação ficar desancoradas. Acho que isso teve um impacto bastante negativo na inflação real", disse Tony Volpon, diretor de pesquisa para mercados emergentes do Nomura Securities.

Embora a fraqueza da economia global tenha prejudicado o Brasil, economistas concordam que muitos dos problemas do país são auto-infligidos. E talvez nenhuma das decisões tenha sido tão controversa, ou envolta em mistério, como o gerenciamento da taxa de juros nos últimos dois anos.

O Acordo

O que se sabe com certeza é o seguinte: a partir de agosto de 2011, Tombini começou a cortar a Selic inesperadamente, levando-a de 12,5 por cento à mínima recorde de 7,25 por cento em outubro de 2012.

O corte foi comemorado pela maioria dos brasileiros, que, apesar do sucesso econômico na década de 2000, continuavam a ter uma das taxas de juros mais altas do mundo devido ao legado de anos de hiperinflação.

Em discursos, Dilma comemorou a Selic mais baixa como um de seus principais feitos, prometendo que a taxa nunca voltaria aos patamares antigos.

A história se torna mais obscura, no entanto, quando se pergunta como a decisão de cortar a Selic foi tomada, e quais garantias Tombini recebeu do governo para derrubar os juros.


Muitos analistas do mercado estão convencidos de que Dilma ordenou Tombini a cortar a Selic para as mínimas recordes. Dilma, que também é economista, gosta de tomar decisões de política econômica desde que se tornou presidente, dizem assessores. Ela tem o poder de substituir o presidente do BC, se assim desejar.

Autoridades brasileiras, incluindo o porta-voz da Presidência, Thomas Traumann, negam rigorosamente que a presidente tenha ordenado o corte de juros. Tombini, segundo elas, tem autoridade para determinar a Selic conforme achar apropriado.

Werner Baer, professor de economia de Tombini na Universidade de Illinois e um dos mais respeitados especialistas estrangeiros em economia brasileira, concorda com a versão de Delfim sobre como a Selic foi reduzida.

A história seria a seguinte: pouco depois de Tombini assumir o cargo, um pacto foi fechado entre o banco central e outras áreas do governo para que todos trabalhassem juntos visando a reduzir os juros brasileiros para níveis "civilizados".

Como parte do acordo, o Ministério da Fazenda reduziria os gastos para diminuir o peso imposto sobre a política monetária, o governo como um todo buscaria reformas para impulsionar investimentos, e o banco central cortaria a taxa de juros.

Infelizmente, apenas o BC conseguiu fazer sua parte do acordo.

Assustado com a magnitude da desaceleração econômica, Mantega concedeu uma série de isenções fiscais e empréstimos baratos para estimular o consumo doméstico.

Como resultado, o superávit primário do Brasil, ou a receita excedente do governo antes do pagamento de juros, caiu para 2 por cento do Produto Interno Bruto nos 12 meses até junho. Isso é bem menos do que os 2,71 por cento registrados durante o mesmo período do ano passado, a também abaixo da meta de 2,3 por cento para o ano.

Por sua vez, o investimento permaneceu estagnado em torno de 18 por cento do PIB --uma das taxas mais baixas na América Latina e bem atrás dos 46 por cento vistos na China.

O resultado tem sido gargalos severos no lado da oferta, com pressão adicional do lado fiscal --uma receita para inflação alta.

Uma fonte no Ministério da Fazenda argumentou que é injusto culpar a política fiscal pelos problemas da política monetária.


Embora a fonte tenha dito desconhecer qualquer pacto firmado em 2011 entre o Ministério da Fazenda e o banco central, ela afirmou que houve coordenação de políticas em 2011. Naquele ano, a Fazenda congelou 10 bilhões de reais adicionais do orçamento, em um esforço fiscal extra para dar segurança à política de corte de juros.

A fonte também disse que a deterioração do superávit primário em 2012 e 2013 não foi causada por "gastança do governo", mas de uma série de isenções fiscais, "que têm impacto positivo na economia e na inflação, além de tornar as empresas mais competitivas".

Reação Tardia

Com pouca ajuda de outras partes do governo, Baer, da Universidade de Illinois, disse que "a única coisa que Tombini pode fazer agora é elevar a taxa de juros." "Ele tem se saído muito bem", disse Baer em entrevista concedida em uma de suas viagens ao Brasil. "Ele é muito esperto, muito discreto, e está em uma situação bastante difícil." A Selic já subiu 1,25 ponto percentual desde abril. Economistas esperam que ela chegue a 9,25 por cento até o final de 2013, embora alguns como a Bradesco Asset Management e o Bank of Tokyo Mitsubishi apostem em 10 por cento até o final do ano.

Mesmo alguns dos mais duros críticos do governo parecem colocar Tombini em uma categoria à parte, afirmando que ele parece determinado a colocar a inflação sob controle.

Volpon, do Nomura, que regularmente envia emails severos sobre os erros de política no Brasil, afirmou: "Eu vejo agora o BC disposto a levar as expectativas (de inflação) com seriedade".

A principal crítica de Volpon a Tombini é que ele demorou demais para reagir a uma clara deterioração nas políticas fiscais do Brasil. "O pacto fiscal foi quebrado e o BC continuou cortando os juros. Esse foi o erro." Marcelo Kfoury, que ajudou Tombini a arquitetar o regime de meta de inflação do BC antes de se tornar diretor do departamento de pesquisa econômica do Citi Brazil, afirmou que seu ex-colega não vai hesitar a fazer o que for necessário para controlar os preços, mantendo-os dentro da meta, que inclui uma faixa de tolerância de 2 pontos percentuais, para cima ou para baixo.

"Se houver ameaça de a inflação romper o teto da meta, ele está 100 por cento focado em inflação", disse Kfoury.

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