Gado: países do Mercosul poderão exportar cerca de um terço do que precisam para sustentar os mercados de carne bovina, reclama executivo (Mohssen Assanimoghaddam/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 4 de julho de 2019 às 06h00.
Última atualização em 4 de julho de 2019 às 06h00.
O histórico acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia foi celebrado por líderes na América do Sul. Mas o seu impacto na agricultura, considerado um dos setores mais beneficiados, deve ser limitado para os exportadores sul-americanos.
A agricultura foi um dos entraves ao longo de 20 anos de negociações de livre comércio entre a União Europeia e os quatro membros do Mercosul - Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. No final, o acordo prevê que o bloco sul-americano removerá as tarifas de produtos que correspondem a 95% dos embarques agrícolas da Europa, que fará o mesmo com 82% das exportações do Mercosul para os europeus.
Mesmo assim, as exportações do Mercosul dos chamados produtos sensíveis, incluindo açúcar e carnes, terão acesso limitado ao bloco europeu por meio de cotas tarifárias, de acordo com os termos do acordo publicados no site da Comissão Europeia.
Veja qual será o impacto em diferentes setores da indústria agrícola sul-americana:
Os membros do Mercosul poderão exportar 99 mil toneladas de carne bovina para a Europa a uma tarifa de 7,5%. Essa tonelagem é medida em peso equivalente de carcaça, que inclui gordura e ossos. Considerando apenas carne, são cerca de 67 mil toneladas em peso líquido.
O volume é apenas cerca de um terço do que o bloco sul-americano precisava para ajudar a sustentar os mercados, de acordo com Miguel Schiariti, diretor da indústria de carne bovina e do grupo comercial Ciccra. "É uma cota miserável", disse ele.
Um ponto positivo: uma tarifa de 20% hoje incidente nas importações de cortes premium, a chamada cota Hilton, será eliminada. A medida pode gerar ganhos de US$ 70 milhões aos frigoríficos argentinos por ano, disse Schiariti.
Em 1999, quando as negociações de livre comércio começaram, a Europa era o principal destino da carne bovina brasileira, respondendo por mais de 55% dos embarques. Mas as exportações na última década se expandiram rapidamente para países em desenvolvimento, com a China emergindo como o principal destino, enquanto a Europa se tornou menos significativa, recebendo cerca de 7% dos embarques de carne bovina do Brasil atualmente.
O acordo de comércio UE-Mercosul foi bem recebido por Antonio Camardelli, chefe do grupo de exportadores do Brasil Abiec. “Um acordo de bloco bilateral é uma excelente iniciativa, que reafirma a importância do Brasil como exportador de alimentos”, afirmou ele.
A UE importou 300 mil toneladas de carne bovina no ano passado e o Mercosul foi a origem de 90% do total.
Os produtores de frango do Brasil têm uma visão semelhante.
"O acordo é positivo independente dos números", disse Ricardo Santin, diretor da ABPA, grupo que representa os exportadores de frango e suínos do Brasil. "A conquista política se sobressai à importância econômica".
A Europa comprometeu-se com uma cota de importação a tarifa zero de 180 mil toneladas de carne de frango, a ser compartilhada entre os membros do Mercosul. A divisão provavelmente seguirá a participação de cada país nas importações da UE em um período histórico, de uma forma que possibilite a ascensão de novos exportadores, disse Santin. Esse mecanismo provavelmente beneficiará o Brasil, que respondeu por 37% das importações de frango da UE no ano passado. A Argentina, o segundo maior produtor de frango do bloco, forneceu menos de 1% dos embarques, segundo dados da Comissão Europeia.
O acordo é visto como positivo pelo setor, ainda que represente uma parcela ínfima das exportações brasileiras de açúcar. Enquanto o País embarca mais de 28 milhões de toneladas de açúcar por ano, a UE abriu uma cota anual de apenas 180 mil toneladas livres de impostos. Para o Paraguai, uma cota de importação de 10 mil toneladas foi disponibilizada.
As exportações brasileiras de café solúvel enfrentam atualmente uma taxa de 9% para entrar no mercado europeu. Com o novo acordo, a tarifa será gradualmente reduzida até que seja completamente eliminada em quatro anos.
Mesmo com as taxas, a UE já é o segundo maior mercado para o Brasil, com uma participação de 12% nas exportações de café solúvel no ano passado. Com o acordo, há potencial para os embarques aumentarem em 33% em cinco anos, segundo Aguinaldo José de Lima, diretor da associação que representa as indústrias de café solúvel do Brasil.
Pode levar uma década até que os principais benefícios para a indústria de suco de laranja do Brasil sejam alcançados, mas o acordo foi celebrado pelo setor. As tarifas incidentes sobre a importação de suco do Brasil serão gradualmente reduzidas até que sejam completamente eliminadas em sete a 10 anos, disse Ibiapaba Netto, diretor executivo do grupo industrial brasileiro CitrusBr. Atualmente, as tarifas médias variam de 12,2% a 15%.
O acordo vai possibilitar ao Brasil recuperar alguma competitividade, que foi perdida para concorrentes no mercado internacional como o México, disse Netto. A UE é o principal destino das exportações brasileiras de suco de laranja.
(Com a colaboração de Fabiana Batista e Jonathan Gilbert)