Economia

Acelera, juiz

A morosidade, o pior dos males dos tribunais para os cidadãos e empresas do país, começa a ser atacada pelo Conselho Nacional de Justiça

Rodrigues: mais de quatro anos à espera de solução na Justiça do Ceará (--- [])

Rodrigues: mais de quatro anos à espera de solução na Justiça do Ceará (--- [])

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Da Redação

Publicado em 22 de outubro de 2009 às 11h07.

Ao longo de cinco anos, o cearense Cláudio Ferreira Rodrigues, de 46 anos, peregrinou de um lado para o outro no Tribunal de Justiça de Fortaleza em busca de informações sobre um processo que abriu em 2004. A ação movida por Rodrigues é uma apelação contra a sentença do assassino de seu filho, morto em 2001, aos 19 anos, pelo ex-namorado da garota com quem ele se relacionava na época. O autor do crime ficou detido apenas 81 dias, não voltando mais à cadeia, mesmo depois de julgado e condenado a nove anos de prisão. Atualmente, continua em liberdade enquanto briga contra a sentença. Rodrigues também apelou por considerar a pena branda demais. Mas não é só a impunidade que espanta nesse caso. A maneira como o processo foi conduzido inclui passagens estarrecedoras. Um exemplo: no Ministério Público -- órgão do Executivo, não do Judiciário, mas que é peça fundamental na engrenagem da Justiça --, o processo permaneceu por 11 meses. O problema? A rinite alérgica da procuradora, que se negou a analisar os processos empoeirados, armazenados em caixas de papelão. "A secretária da procuradora me disse que ela ia esperar a licitação de compra de um armário. Só então, provavelmente depois que um funcionário espanasse a papelada, analisaria os processos", diz Rodrigues.

Nas últimas semanas, o andamento do processo de Rodrigues teve uma reviravolta. Primeiro, ele foi surpreendido por um telefonema do Tribunal, convidando-o para uma audiência com o desembargador responsável por seu caso. "Foi uma surpresa, porque nunca fui recebido, mesmo tendo pedido várias vezes", diz. Depois, em mais duas semanas, a ação foi julgada. A razão da mudança parece ter sido a inspeção realizada no tribunal de Fortaleza por um órgão sobre o qual Rodrigues nunca ouvira falar antes, o Conselho Nacional de Justiça. "Soube por uma reportagem de TV que o CNJ viria ao Ceará, e que recolheria reclamações e sugestões da população", diz ele. Criado há pouco mais de quatro anos pela Secretaria de Reforma do Judiciário, o CNJ funciona como uma espécie de controle de qualidade da Justiça. "O CNJ está revirando o sistema judiciário. Está abrindo a caixa-preta da Justiça", afirma Maria Teresa Sadek, professora de Ciência Política da Universidade de São Paulo e diretora do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais.

Em inspeções como a que ocorreu no Ceará e em outros 11 estados até agora, um grupo de juízes e técnicos do CNJ visita o tribunal de justiça local, as varas de primeira instância e os cartórios judiciais e extrajudiciais. O objetivo é identificar gargalos de gestão que comprometem o serviço. Para isso, são levantados número e tipo de ações abertas, o tempo de tramitação e o nível de informatização, além do perfil dos funcionários e das despesas dos tribunais. A coleta de dados durante a inspeção inclui outras duas etapas: uma audiência pública (com dezenas de entidades locais convidadas previamente) e o atendimento jurídico gratuito, prestado à população em salas cedidas pelo tribunal inspecionado. (Continua)


Nessas ocasiões, o CNJ levanta críticas, sugestões e denúncias sobre a Justiça local. Foi num atendimento gratuito que Rodrigues reclamou da morosidade de seu processo. As inspeções também miram a conduta dos magistrados. No Amazonas, a visita ocorrida em fevereiro resultou no afastamento do corregedor Jovaldo dos Santos Aguiar, responsável por julgar magistrados estaduais acusados de irregularidades. A decisão é um marco. Nunca um corregedor havia sido afastado no Judiciário brasileiro. Os inspetores constataram que Aguiar mantinha 16 ações contra juízes e desembargadores na gaveta havia quase um ano. Em menos de três meses ele foi afastado, e permanecerá fora da corte até o final da investigação, ainda em andamento. Em quatro anos, o CNJ afastou nove magistrados e abriu investigação contra 107.

As mudanças promovidas pelo CNJ fazem parte de um plano estratégico definido em fevereiro deste ano. "Ele foi concebido para vencermos o maior desafio da nossa Justiça, a morosidade, que é o problema que mais atrapalha a população", diz Gilmar Mendes, presidente do CNJ -- o órgão é sempre presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. "Avançamos em relação a um modelo que era correcional puro, onde apenas identificávamos irregularidades e determinávamos mudanças, para tratar do sistema como um todo." Nos primeiros anos de existência, as decisões do CNJ tinham como prioridade as ações moralizantes. As mais destacadas foram a proibição do nepotismo nos tribunais e a criação de regras para a aplicação de teto salarial em cargos do Judiciário, balizados pelos vencimentos dos ministros do Supremo, de 24 500 reais.

Uma das metas do plano atual estabelece que, até o final deste ano, todos os tribunais do país julguem os processos recebidos até 31 de dezembro de 2005. Ou seja, não poderá mais haver casos que tenham passado mais de quatro anos sem julgamento. Um primeiro levantamento contabilizou a surrealista cifra de 23 milhões de processos nessa condição. Em seguida, os tribunais descobriram que muitos processos já haviam sido julgados, mas não tinham sido lançados no sistema de informações da Justiça. Refeitas as contas, chegou-se ao número ainda inacreditável de 5 milhões de processos. Desde então, 1,6 milhão já foram julgados, segundo o "processômetro", um contador que fica no site do CNJ. Ou seja, faltam 3,5 milhões para zerar os processos com mais de quatro anos. (Continua)


Várias metas do plano estratégico visam a modernização tecnológica, vital para a melhoria da gestão. Neste ano, mais de 73 milhões de reais, ou 60% do orçamento do órgão, foram destinados à atualização da informática. O Projudi, um sistema de tramitação eletrônica de processos, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, foi aperfeiçoado pelo Conselho e instalado em 18 estados. Hoje, mais de 410 000 processos tramitam eletronicamente no âmbito das justiças estaduais. Em alguns tribunais, a automação diminuiu o tempo médio de julgamento de 12 para 3 meses. A informatização vai ajudar na padronização da qualidade nas cortes estaduais. "O estabelecimento de um padrão mínimo para o serviço jurídico confere segurança para as empresas que têm negócios em diferentes estados", afirma Celso Mori, advogado empresarial do escritório Pinheiro Neto.

Uma das mudanças mais radicais promovidas pelo CNJ vem ocorrendo na rotina dos servidores. Para dar conta das novas metas, juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça de Pernambuco estão impedidos de tirar férias até as vésperas do ano novo. Nos tribunais do Pará e do Mato Grosso, as folgas dos servidores em julho foram suspensas. No TJ do Amapá, com um regime de expedientes especiais, a carga de trabalho dos juízes dobrou. No tribunal de São Paulo -- considerado o maior do mundo em número de magistrados e um dos mais caóticos do país --, o trabalho foi multiplicado. O CNJ quer saber todo mês quantos processos os desembargadores receberam, quantos cada um julgou e como foram as decisões. A assistente de um desembargador do TJ de São Paulo, que pede para não ser identificada, diz ter levado dias para preencher o relatório. Para descobrir que o desembargador com quem trabalha tem mais de 3 300 processos sob sua responsabilidade, ela teve de pedir o levantamento não só no cartório, mas também em um arquivo do tribunal que fica em outro bairro da capital paulista. Lá, localizou 800 processos anteriores a 31 de dezembro de 2005 que terão de ser julgados até o final do ano. "Achei estranho que o tribunal não tivesse esse tipo de informação", diz a funcionária. Segundo ela, a maioria de seus colegas está mal humorada com a trabalheira. Muitos não podem nem ouvir falar na sigla CNJ. "O magistrado brasileiro não está acostumado a dar satisfação a ninguém", afirma o ministro Gilson Dipp, corregedor nacional do CNJ e responsável pelas inspeções. Ainda segundo a funcionária do tribunal paulista, ninguém revela quantos processos cada desembargador tem sob sua responsabilidade. "É um assunto meio proibido por aqui." Espera-se que deixe de ser.


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