Economia

A revolução em meio às revoluções

Historiador Daniel Aarão dos Reis reconstrói os diversos conflitos internos que levaram a Rússia a se tornar a União Soviética

Livro: analisa toda a série de embates sociais e políticos por trás da famosa insurreição bolchevique

Livro: analisa toda a série de embates sociais e políticos por trás da famosa insurreição bolchevique

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Da Redação

Publicado em 4 de novembro de 2017 às 07h52.

Última atualização em 4 de novembro de 2017 às 14h10.

A revolução que mudou o mudou o mundo – Rússia, 1917

Autor: Daniel Aarão dos Reis

Editora: Companhia das Letras

R$ 49,90; ebook R$ 34,90

264 páginas

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Em 2017, a Revolução Russa completa 100 anos. Os eventos de 1917 se tornaram referência do potencial de revolução em sociedades autoritárias. E mostraram que as massas podem ter papel determinante nos rumos de um país continental como a Rússia.

A Revolução de Outubro, que colocou Lênin e o Partido Bolchevique no poder, porém, foi apenas uma das etapas da desagregação da autocracia czarista. Durante 300 anos, a Rússia viveu sob os grilhões da dinastia Romanov, um regime centralizador, violento e pouco afeito a liberdades civis e políticas.

A Primeira Guerra Mundial havia fragilizado a Rússia. O exército do país se viu desabastecido e atrasado, com armamentos e técnicas pouco eficazes frente à Alemanha. Desde o fim da guerra com o Japão, em 1905, o regime czarista teve dificuldades para manter suas forças armadas abastecidas e satisfeitas. Mesmo em regimentos de elite, como o dos marinheiros altamente capacitados do navio Kronstad, os superiores maltratavam e humilhavam os subordinados, gerando uma insatisfação generalizada.

No campo, o fim da servidão, no final do século 19, criou uma tensão permanente. Os camponeses não aceitavam mais o modelo de exploração feudal que foi dominante ao longo de séculos, faziam exigências em relação à propriedade das terras e também ousavam falar sobre política de uma maneira mais geral.

Em A revolução que mudou o mundo, Daniel Aarão dos Reis, professor e pesquisador da Universidade Federal Fluminense, não apenas reconta os eventos que levaram à chamada Revolução Russa, mas analisa toda a série de embates sociais e políticos por trás da famosa insurreição bolchevique.

Diversos movimentos sociais eclodiram ao mesmo tempo em que a autocracia czarista definhava. O que era antes uma sociedade considerada “amorfa e passiva”, segundo Aarão dos Reis, deu lugar a um país com grupos de soldados, operários, mulheres organizados politicamente. Havia ainda os sovietes, organizações autônomas que, por certo tempo, eram independentes de partidos políticos.

A semente do movimento foi a primeira das “revoluções russas”, a ocorrida em 1905, que “deixou um terreno fértil de experiências sociais marcantes, que ficaram gravadas na memória social, além de um roteiro para eventuais revisões conceituais a respeito dos rumos da luta revolucionária no contexto da autocracia russa”, relata o historiador.

Os contextos de 1905 e 1917 eram muito parecidos. Uma guerra causava forte retração econômica, desabastecimento geral das cidades, disputas a respeito da distribuição desigual de terras, problemas nos transportes e insatisfação com uma autoridade que não conseguia mais se impor.

Em embate com o Japão desde o ataque dos nipônicos à base naval russa em Port Arthur, na China, o Império czarista encarou sua primeira grande provação da série de dificuldades que estavam por vir. A debilidade econômica foi mais forte do que o chamado nacionalismo russo e o país teve o primeiro gosto de um movimento de massas. A chamada “Primeira Revolução” – com protestos massivos de operários e camponeses – acabou esmagada pela repressão da autocracia. A vitória do czarismo foi parcial, já que o regime foi obrigado a fazer concessões, como a criação de um Parlamento, chamado Duma.

A “primeira etapa” da Revolução Russa começou de fato em fevereiro de 1917 com protestos das mulheres de Petrogrado (hoje São Petesburgo), então a capital do império russo. A partir daquele 23 de fevereiro, não haveria mais como evitar a derrocada dos Romanov. Em 2 de março, o imperador Nicolau II abdica do trono e forma-se o Governo Provisório. Este governo, embora reformador, ficou marcado como uma autoridade recalcitrante, apostando todas as suas fichas numa futura Assembleia Constituinte – que nunca chegou a acontecer.

O Governo Provisório, aponta Aarão dos Reis, não foi capaz de compreender as demandas sociais que se tornavam cada vez mais urgentes. “A descrença do povo das cidades na capacidade do Governo Provisório de resolver os problemas e a perspectiva de um inverno mais duro em 1917-1918 explicam, em larga medida, a popularidade crescente da proposta de transferir todo o poder aos sovietes”, afirma o historiador.

A princípio, nem mesmo Lênin estava plenamente convencido de que era necessário entregar o poder aos comitês populares. A conjuntura política e uma avaliação das demandas sociais levaram o líder bolchevique a combinar o processo decisório descentralizado com uma estrutura de poder hierárquica e disciplinada, característica marcante do regime comunista russo em suas primeiras décadas.

Era impossível prever o desfecho daqueles movimentos. Aarão dos Reis identifica um “processo triplo”: “A desintegração do poder central e a multiplicação dos centros de autoridade; a intensa polarização das lutas sociais e políticas; e o desgaste e a fadiga extremos da população, apanhada num turbilhão revolucionário que, iniciado em fevereiro, parecia não ter fim”. O mérito do Partido Bolchevique foi ter atendido às demandas cacofônicas dos russos e oferecer a eles “pão, paz e terra”.

O livro de Daniel Aarão dos Reis presta um serviço valioso à história da Revolução Russa ao apresentar as diversas nuances dos processos sociais e políticos em operação entre o fim do czarismo e o começo do comunismo soviético. Sem simplificar demais os acontecimentos, Aarão dos Reis apresenta uma análise equilibrada e incisiva deste complexo processo histórico no início do século 20.

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