A MP do bem é só um bom começo
O governo marcou um gol com o pacote de incentivos fiscais às empresas exportadoras. Mas ainda falta muito para ganhar o jogo da competitividade
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h38.
Não se sabe se é por maquiavelismo ou por hesitação, mas o fato é que a cada dia o governo fala um pouquinho da MP do Bem -- um conjunto de medidas para desonerar investimentos em alguns setores, especialmente o exportador. Se for por maquiavelismo, o governo está aplicando aquela lição de que o bem se faz aos poucos. Mas, se for por hesitação, então o pessoal do Ministério da Fazenda está fazendo contas: quanto o governo perde ou deixa de ganhar com a redução e/ou eliminação de impostos. Na primeira hipótese, a MP do Bem se amplia. Na segunda, encolhe.
Segundo o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, que batizou a medida provisória antes de seu nascimento, está descartada a possibilidade de "penduricalhos", ou seja, do acréscimo de maldades ao estilo da falecida MP 232 -- aquela que, para compensar a correção da alíquota do IR da pessoa física, contrabandeava um aumento de imposto para as empresas prestadoras de serviço. Assim, a MP do Bem será pura, mas de alcance não totalmente definido.
Na origem, havia um objetivo bem preciso: salvar alguns investimentos que o Brasil estava perdendo para outros países, em especial uma mega-side rúrgica a ser construída no Maranhão pela coreana Posco em associação com a Vale do Rio Doce. O investimento chegou a ser anunciado como firme um ano atrás, mas depois os coreanos informaram que estavam mudando para a Índia por causa da excessiva carga tributária brasileira e, claro, dos incentivos fiscais oferecidos pelo governo concorrente. Estava-se nesse ponto em meados de maio, véspera da visita do presidente Lula à Coréia do Sul, onde se encontraria com os dirigentes da Posco. Ora, por que não antecipar as bondades de modo que a delegação brasileira chegasse lá com novos argumentos?
Na verdade, Furlan gostaria de ter viajado com a MP já editada, mas não foi possível. Teve de contentar-se com um anúncio feito inicialmente por ele e em seguida confirmado pelo decisivo ministro da Fazenda, Antonio Palocci. O governo brasileiro comunicou que iria suspender a cobrança de PIS e Cofins na compra de bens de capital, nacionais ou importados, desde que o empreendimento assim formado destinasse à exportação 80% de sua produção. Rapidamente, o presidente da Vale, Roger Agnelli, informou que a tal usina que ia para a Índia teria uma redução de 150 milhões de dólares no custo do investimento no Maranhão, com a nova regra. Agnelli juntou-se à comitiva de Lula na viagem à Coréia do Sul. Lá, todos, Lula, Furlan e Agnelli, encontraram-se com o presidente da Posco, Ku Taek Lee, quando foi assinado um memorando de entendimento pelo qual a companhia coreana comprometeu-se a reestudar a viabilidade do negócio no Maranhão. Alguns diriam que, por isso, a MP do Bem poderia, na verdade, chamar-se "MP da Posco".
Mas poderia também se chamar "MP do Furlan", pois o ministro não apenas a defendeu como tratou de oficializá-la. No site do ministério (www.desenvolvimento.gov.br), no item "medidas anunciadas pelo ministro em 19/05", está escrito que o governo "lançou o Recap, Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras". O mesmo texto, aliás, comunica outras decisões, a saber: o Regime Especial de Tributação para Plataformas de Exportação de Serviços de Tecnologia, também com a suspensão de Cofins e PIS/Pasep na aquisição de serviços e bens para empresas habilitadas no programa de exportação de software; o PC Conectado, com eliminação de PIS e Cofins na compra de qualquer computador no valor de até 2 500 reais; incentivos à inovação tecnológica, tornando mais rápida sua obtenção; e prazos e condições melhores para desconto de créditos tributários. Tudo isso depois da curta expressão o "governo lançou".
Dinheiro de fora | ||
O quadro mostra o ranking dos investimentos estrangeiros diretos feitos no Brasil em 2004 | ||
1 | Holanda | 7,7 bilhões de dólares |
2 | Estados Unidos | 4 bilhões de dólares |
3 | Espanha | 1 bilhão de dólares |
4 | Alemanha | 795 bilhões de dólares |
5 | Portugal | 517 milhões de dólares |
Fonte: Banco Central do Brasil |
Mas até o final de maio não havia lançado. Fontes consultadas por EXAME, tanto no Ministério do Desenvolvimento quanto na Fazenda, informaram que a MP estava programada para sair na primeira quinzena de junho. Disseram que sairia tudo o que estava relacionado no texto do Desenvolvimento e mais alguns itens, todos na mesma direção, a desoneração do custo do investimento e o estímulo à inovação tecnológica. Essas outras bondades seriam a ampliação do prazo de recolhimento de vários tributos, os incentivos tributários ao setor imobiliário, a ampliação de prazo para recolhimento de diversos tributos e facilidades para o retorno de empresas ao Simples. Como provável, se examinava a redução de impostos para aquisição de bens de capital por parte de empresas voltadas ao mercado doméstico.
Como se vê, há itens ainda pouco especificados e a explicação para essa indefinição é a mesma de sempre: as contas da Receita Federal, tendo em vista as necessidades do governo na obtenção do superávit primário para pagar juros. De modo que caímos em um estranho mundo: o governo taxa em excesso e depois faz a bondade de devolver... o nosso dinheiro. E sempre fica o problema da escolha -- quais os setores a ser beneficiados? Aí entram lobbies e pressões políticas que raramente levam à eficiência econômica. Isso demonstra, mais uma vez, a necessidade de uma reforma tributária que reduza e simplifique a carga para todos.