VÊNUS AO ESPELHO: obra de Diego Velázquez, pintada entre 1647 e 1651, está exposta na Galeria Nacional de Londres / Reprodução
Da Redação
Publicado em 9 de dezembro de 2016 às 18h36.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h00.
Spain: the Centre of the World 1519-1682
Autor: Robert Goodwin
Editora: Bloomsbury Press
609 páginas
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Eduardo Salgado
O que faz você se motivar para ler um livro? Listas ou indicações feitas por publicações renomadas ou pessoas famosas certamente estão entre as razões para um grupo grande de pessoas. Ciente disso, o Instituto Norueguês Nobel, que ajuda o comitê do famoso prêmio internacional a selecionar seus ganhadores, pediu a 100 renomados escritores que escolhessem o melhor livro de ficção de todos os tempos. Isso foi em 2002. Entre os escritores com direito a voto estavam alguns ganhadores do Nobel de Literatura, como a sul-africana Nadine Gordimer, e outros que ganhariam o prêmio mais tarde, como Doris Lessing. Computados todos os votos, o indicado foi Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, com 50% a mais de votos do que qualquer outra obra.
O livro “Espanha: o Centro do Mundo 1519-1682” não foi escolhido por nenhum grupo de notáveis, mas uma das motivações para lê-lo é a maneira como o historiador Robert Goodwin descreve o país e o tempo que viram surgir não apenas o gênio de Cervantes, mas também o dos pintores Diego Velázquez, El Greco e Esteban Murillo.
Goodwin escreve sobre a Espanha dominada pelos reis da Casa de Habsburgo, uma época marcada pelos tesouros enviados por Hernán Cortés a partir do México e por novas rotas marítimas que interligaram todos os cantos do mundo. Não é por nada que Goodwin chama a Espanha de o primeiro império global da história. Foi durante o que ficou conhecido como o “século de ouro espanhol” que também surgiram inovações como os tribunais presididos por juízes, em boa parte, bem versados nas leis e nomeados pelo mérito.
As diferenças, que antes eram decididas na base da força, passaram, cada vez mais, a ir parar nos tribunais. Famílias ricas acabaram trocando seus exércitos de mercenários por batalhões de advogados. Nem tudo era perfeito, claro. Os descendentes de Cristóvão Colombo entraram com um processo contra a Coroa Espanhola sobre uma disputa de terras na América em 1504, mas o caso só foi encerrado no século 18. Atrasos, no entanto, não impediram que Juan de Cervantes, avô do escritor famoso, ganhasse um processo contra o poderoso Duque de Infantado por causa de um calote.
“Espanha – o Centro do Mundo 1519-1682” conta com 75 páginas somente dedicadas às notas de rodapé e às referências bibliográficas, mas não tem um texto acadêmico e chato. Goodwin mistura detalhes sobre a política europeia dos séculos 16 e 17 com relatos divertidos, como a origem do croissant. No século 16, o rei espanhol Carlos V reuniu um exército de mais de 200 000 homens perto de Viena e conseguiu afugentar as tropas turcas invasoras.
Para festejar, os padeiros locais inventaram o pão no formato da lua crescente, imagem presente na bandeira otomana. Goodwin também descreve Sevilha, a porta de entrada das Américas na Europa, um lugar mais cosmopolita do que tudo o que se tinha visto antes. “Algo equivalente a Nova York e a Londres de hoje, só que relativamente mais rica”, escreve Goodwin. Foi justamente lá que o pintor Velázquez nasceu e morou até se mudar para a Corte.
Velázquez, um dos maiores artistas de todos os tempos, pintou quadros do rei Felipe IV e de sua família, já num momento que o poder espanhol começava a enfraquecer. O quadro mais famoso de Velázquez, Las Meninas, que mais tarde iria influenciar de Goya a Picasso, é justamente com a infanta Margarida, filha de Felipe IV.
O livro de Goodwin começa com a chegada do navio Santa Maria a Sevilha em 1519, o primeiro vindo do México, e termina em 1682, com a morte de Murillo, outro grande pintor do século de ouro. Ao final da leitura, fica claro que, nesses 163 anos, surgiu todo um novo mundo – do ponto de vista geográfico, humano, político, econômico, da pintura e, sem dúvida, também da literatura.