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A cidade pede água

Os conflitos que põem em risco o abastecimento e o futuro da metrópole

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h26.

O futuro de São Paulo está ameaçado pela displicência pública e pelo desperdício de um bem básico: a água. A cada dia, mais de 5 bilhões de litros são produzidos em oito sistemas para atender a região metropolitana. No sistema Cantareira, responsável por 50% do abastecimento da região, a água é captada na bacia do rio Piracicaba, fora dos limites da metrópole. O Guarapiranga, que responde por 20% do fornecimento, está comprometido pela poluição, por causa da ocupação irregular do solo.

O modelo atual de saneamento data de 1973. Nele, o BNH, por meio do FGTS, deveria exercer papel fundamental. O objetivo era obter maior eficiência e ampliar o atendimento. Com o forte processo de urbanização e a má gestão, o que há hoje são empresas endividadas e ineficientes. A Sabesp é uma das poucas a apresentar indicadores satisfatórios: atende 100% dos domicílios da cidade de São Paulo em água e 80% na coleta de esgoto. Mesmo assim, perde cerca de 30% do volume de água e trata apenas 65% do esgoto.

A Lei de Proteção de Mananciais, de 1976, restringiu o uso e a densidade demográfica nas áreas de produção de água na região metropolitana. A geógrafa Violeta Kubrusly, estudiosa do assunto, afirma: "É inegável o caráter moderno e progressista dessa legislação, que já apresentava o conceito de limites de cargas poluidoras admissíveis, mas não contava com os efeitos da desvalorização imobiliária dos terrenos, que levou seus proprietários a incentivar loteamentos clandestinos, iludindo a população trabalhadora, que, excluída do mercado formal, seguia rumo às águas, buscando o sonho da posse de terra".

A Lei Trípoli, de julho de 2002, propõe que nas regiões de mananciais a regularização do imóvel seja feita por compensação de área numa mesma bacia hidrográfica. A proposta tem sido criticada, pois essas áreas são ocupadas, na grande maioria, por famílias de baixa renda, que não têm como assumir esse ônus. Além disso, não há um plano de transferência desses moradores.

Hoje, o negócio da água é objeto de grande interesse e disputa. Há uma visão municipalizada (projeto de lei Adolfo Marinho) defendida pelas prefeituras, que pretendem ter o direito de concessão e distribuição da água. Para os estados ficaria reservada a sua produção e o tratamento do esgoto. Em outra visão, estadual, há o irrefutável argumento de que as bacias hidrográficas e os limites dos municípios não obedecem à mesma geografia.

No caso de São Paulo, a prefeitura reaveria do estado o direito de concessão de uma malha que atende 3 milhões de domicílios. Ficaria com a parte que gera receita (a distribuição) e deixaria para o estado o que necessita de altos investimentos (a produção). O interesse maior das prefeituras é gerar caixa por meio da privatização. A gigante francesa Ondeo já atua em cidades como Manaus e Limeira. Será que nesse processo a iniciativa privada levaria o sistema para áreas longínquas e investiria na coleta e no tratamento de esgotos?

Somente ações conjugadas, como saneamento e habitação, gerenciadas de forma integrada pelos poderes constituídos -- orientando e fiscalizando --, com o apoio das ONGs e da iniciativa privada para recuperação de áreas, financiamento e transferência digna dos moradores das áreas de mananciais, podem dar água a esta cidade cansada de maus-tratos.

Tadeu Masano, doutor em planejamento urbano pela FAU/USP, é professor na Fundação Getulio Vargas de São Paulo e presidente da consultoria Geografia de Mercado.

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