TEMER E MEIRELLES: o governo fará tudo que estiver a seu alcance para não descumprir a regra do teto, que ele mesmo implementou / Adriano Machado/ Reuters (Adriano Machado/Agência Brasil)
Letícia Toledo
Publicado em 28 de outubro de 2017 às 07h09.
Última atualização em 30 de outubro de 2017 às 18h06.
O cobertor curto do orçamento federal ficou evidente na semana que passou. Na quarta-feira, foi divulgado que o governo gastou 32 bilhões de reais para manter o presidente Michel Temer. Na quinta-feira, saiu o dado do rombo orçamentário recorde 108,5 bilhões de reais nos nove primeiros meses do ano. O governo garante que a situação, apesar de dramática, está sob controle, e melhorando.
Como exemplo, o presidente comemorou no Twitter o leilão de blocos do pré-sal, realizado na sexta-feira, e que rendeu 6,15 bilhões de reais. Mas o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, foi bem menos enfático e ressaltou que o leilão ficou “um pouco abaixo do esperado”, mas que trata-se de um “processo normal”. A previsão de arrecadação do governo era de 7,75 bilhões de reais.
EXAME ouviu economistas para mapear a situação fiscal do país e identificar onde estão os principais riscos pela frente. Uma coisa é certa. Mesmo que aprove reformas cada dia menos prováveis, como a da Previdência, o governo ficará longe de cumprir o que prometeu: arrumar a casa com medidas impopulares e, assim, deixar o país preparado para um novo ciclo de crescimento. Quem quer que assuma em 2019 terá que concluir algumas medidas e iniciar um novo ciclo de ajustes.
Como chegamos até aqui? A economia demorou mais do que o esperado para reagir e a arrecadação não veio como o esperado. Ao invés de apertar as despesas, o governo continuou se apoiando em receitas adicionais com leilões e concessões. Em entrevista a EXAME em agosto, a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics em Washington, ressaltou que o governo contou com um grande valor em receitas extraordinárias, que viriam de medidas como a repatriação, o refis, os leilões e as concessões. “As projeções embutidas para alcançar a meta, tanto do lado do crescimento quanto da arrecadação, estavam muito além do possível”, disse.
A bomba-relógio não deve explodir já. Economistas acreditam que as receitas adicionais devem salvar o cumprimento da meta fiscal deste ano, de 159 bilhões de reais. “O não cumprimento da meta era o principal risco fiscal do ano. A conta vai ser apertada, mas vai fechar”, diz Fábio Klein, economista da consultoria Tendências. O Tesouro Nacional estima a entrada de 12,3 bilhões de reais de concessões das usinas pertencentes à companhia elétrica Cemig ajudarão nas contas de novembro. As usinas foram leiloadas no fim de setembro. Em dezembro, o que vai ajudar é o ingresso de 15,3 bilhões de reais dos recursos dos leilões de petróleo e aeroportos realizados neste ano.
A meta fiscal do ano que vem, também de 159 bilhões de reais, deve contar com o impacto positivo de novas concessões e também de um crescimento econômico mais robusto. O orçamento deve ser levado à Câmara na segunda-feira, mas o antigo previa 20 bilhões de reais em concessões em 2018.
Para que a conta feche, o governo prevê medidas como o adiamento do reajuste de servidores, previsto para janeiro, e o aumento da contribuição previdenciária do funcionalismo federal de 11% para 14%, além de outras ações para reduzir gastos com a folha de pagamentos e a taxação de fundos exclusivos de investimento. Essas medidas têm impacto previsto de 14 bilhões de reais nas contas públicas de 2018.
Ainda há dúvidas se o governo editará essas ações como medida provisória ou projeto de lei. O mais provável é que ele opte por medidas provisórias, sem necessidade de aprovação do Congresso, que entrariam em vigor imediatamente e dariam mais tempo para convencer parlamentares a transformá-las em lei.
No orçamento que será enviado na segunda-feira o Governo também deve prever a arrecadação de 7,7 bilhões de reais com o processo de privatização da Eletrobras. O problema é que a venda da empresa ainda enfrenta forte oposição de centrais sindicais e ainda há dúvidas de como ela será feita. “A privatização da Eletrobras foi uma proposta simplesmente jogada pelo governo e que até agora não teve detalhes. Não é algo que vai ser feito de ontem pra hoje, é improvável que saia até o ano que vem”, diz Sandro Cabral, professor de estratégia do Insper.
A retirada do aeroporto de Congonhas do pacote de concessões é outra baixa no orçamento governo, que previa a arrecadação de no mínimo 4 bilhões de reais com o ativo. Nas contas da consultoria Tendências, as receitas adicionais (concessões, leilões e Refis) precisam ser de 47,5 bilhões de reais neste ano para fechar as contas. Deste total, a estimativa é de que falte apenas 3 bilhões de reais. Para o ano que vem a consultoria projeta receitas adicionais 12,5 bilhões de reais. “O crescimento econômico vai ajudar na parte da arrecadação em 2018. Por isso a necessidade de receitas adicionais será bem menor”, afirma Klein.
Para 2019 e além
Economistas ressaltam que o principal risco deste governo não está no cumprimento da meta fiscal, mas na chamada regra de ouro. A norma proíbe o governo de captar recursos em empréstimos no mercado acima do que gastará com investimentos. O descumprimento da regra implica em crime de responsabilidade fiscal.
Criada em 1988, a regra tem como objetivo garantir que o país não se endivide para bancar despesas correntes. O risco de descumprimento ocorre com a sequência de déficit fiscais, que aumentam a necessidade de emitir dívida pública para financiar os resultados negativos e a capacidade de investir.
Na última quinta-feira a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, informou que o órgão precisa de 184 bilhões de reais para cumprir essa regra no ano que vem. Parte importante viria do pagamento antecipado de 130 bilhões de reais em empréstimos pelo banco de fomento BNDES. O presidente do banco, Paulo Rabello de Castro, disse na quinta-feira ao jornal Valor Econômico que não há condições para devolver os 130 bilhões solicitados, apesar de O BNDES ter em caixa cerca de 200 bilhões de reais, segundo o seu último balanço, divulgado em agosto.
“Mesmo que o BNDES devolva os 130 bilhões de reais em 2018, o governo vai deixar um problema enorme para o próximos anos. Em 2019 o BNDES não vai ter mais dinheiro para devolver e, por mais que a economia melhore, a regra de ouro vai ter que ser revista”, diz Manoel Pires, pesquisador de economia aplicada do FGV IBRE. Para este ano a situação está sob controle. A devolução de 50 bilhões de reais do BNDES realizada em setembro e outubro deve garantir o cumprimento da regra. Segundo o Tesouro Nacional, no acumulado até setembro há folga de 26,7 bilhões de reais.
O governo estuda repassar essa folga para ajudar a fechar as contas de 2018. Outra iniciativa estudada pelo Tesouro é a classificação de recursos captados por meio de pagamentos ao Refis, no valor de 30 bilhões de reais, e que hoje estão parados, no caixa, segundo o Tesouro, por questões contábeis. “Nenhum outro tipo de medida vai render os 130 bilhões de reais do BNDES. Eles precisam desse montante para cumprir a regra”, diz Klein, da consultoria Tendências.
O teto de gastos viraria um dos grandes abacaxis deixados para o governo seguinte. Pela regra, o teto poderá ter um crescimento de 3% em 2018, uma expansão de apenas 39 bilhões de reais, mas parte de seus gastos obrigatórios crescem acima da inflação – como a Previdência.
A consultoria Tendências estima que os gastos previdenciários subirão em torno de 5% ao ano acima da inflação nas próximas duas décadas, consumindo parcela cada vez maior do orçamento federal. Com esses gastos, a dívida bruta do país deve chegar a 83,5% do Produto Interno Bruto em 2021. Só no próximo ano, sem a reforma, o Governo estima um aumento de 50 bilhões de reais nos gastos com a Previdência – ou seja, 11 bilhões a mais do que a expansão de todas as despesas estabelecidas pela regra do teto de gastos.
O governo manifestou nesta semana a intenção de retomar a reforma, mas a votação da denúncia contra Temer mostrou que o Planalto pode não ter força parlamentar para aprovar uma mudança que exige dois terços do Congresso.
No fim das contas, o governo fará tudo que estiver a seu alcance para não descumprir a regra do teto, que ele mesmo implementou. O problema é o que acontece a partir de 2019.