Economia

2017: o ano do zero a zero?

Letícia Toledo O ano de 2016 era para ser o fundo do poço. Seriam quatro trimestres para encerrar uma das piores recessões do país e preparar o caminho para um período de crescimento sustentado. A dúvida não era mais se o Brasil cresceria em 2017, mas o quanto cresceria.  A virada, previa a maioria dos […]

MONTADORAS:  As asiáticas Hyundai, Honda e Toyota, por sua vez, ganharam 17 pontos na década, enquanto fatia da GM, Fiat e Volkswagen decresceu de 70,2% para 43.6% / Germano Lüders (Germano Lüders/Exame)

MONTADORAS: As asiáticas Hyundai, Honda e Toyota, por sua vez, ganharam 17 pontos na década, enquanto fatia da GM, Fiat e Volkswagen decresceu de 70,2% para 43.6% / Germano Lüders (Germano Lüders/Exame)

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Letícia Toledo

Publicado em 25 de novembro de 2016 às 19h55.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h40.

Letícia Toledo

O ano de 2016 era para ser o fundo do poço. Seriam quatro trimestres para encerrar uma das piores recessões do país e preparar o caminho para um período de crescimento sustentado. A dúvida não era mais se o Brasil cresceria em 2017, mas o quanto cresceria.  A virada, previa a maioria dos analistas, viria no quarto trimestre deste ano, ou até no terceiro, na visão dos mais otimistas. Mas o terceiro trimestre chegou, o quarto está com meio caminho andado, e nada. A situação econômica continua frágil. Em consequência, os economistas voltaram às suas calculadoras.

E um número cada vez maior deles chega à conclusão que 2017 pode ser o ano do zero a zero. A previsão do banco Fator é que a economia não deve crescer; o banco Safra prevê um crescimento de 0,5%; no Boletim Focus, a previsão de crescimento que estava em 1,3% em outubro, agora está em 1% — e deve continuar caindo. “Por mais que a inflação tenha desacelerado, a taxa de juro ainda é muito alta. Nem as empresas nem as famílias estão tomando dinheiro emprestado. O ritmo atual da queda de juros não vai ser suficiente para as empresas voltarem a investir”, diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. Ele projeta que o país não crescerá no ano que vem.

“A gente vê a retomada de alguns projetos neste fim de ano. Mas o primeiro semestre de 2017 ainda deve ser de estabilidade”, diz Cleber Morais, presidente da fabricante de produtos industriais Schneider Electric no Brasil. “A retomada só virá no segundo semestre.”

O que mudou? Em meados deste ano, a melhora da confiança dos empresários e do consumidor foi vista como o primeiro sinal de reação da economia. Mas os últimos dados da Fundação Getulio Vargas mostram que a confiança está passando por altos e baixos. Após um recuo em outubro, a prévia do índice de confiança da indústria cresceu 1,1 ponto em novembro, para 87,7 pontos – voltou, portanto, para o patamar de julho. O índice de confiança do consumidor, também calculado pela FGV, caiu 3,3 pontos entre outubro e novembro, chegando a 79,1 pontos, o seu menor nível desde julho deste ano.

“Quando veio a troca de governo, recebemos demanda por muitos orçamentos, muita gente parecia disposta a voltar a investir. Mas nos últimos meses foram poucas as empresas que realmente fecharam contratos. Todo mundo está com medo porque o cenário ainda é muito instável”, diz o diretor de uma das maiores fabricantes de softwares do país.

A produção industrial também permanece instável. Outubro é, historicamente, um mês de bons resultados devido às encomendas de Natal, mas neste ano a produção manteve o mesmo ritmo de queda de setembro, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria. A utilização da capacidade instalada ficou em 65% em outubro, 1 ponto percentual abaixo do registrado em setembro deste ano e em outubro do ano passado. Em 2011, longe da crise, a utilização da capacidade industrial estava em 82%.

A queda na produção continua a causar desemprego. No trimestre encerrado em setembro, a população desocupada somou 12 milhões de pessoas – 11,8% da população economicamente ativa no país. Com o desemprego alto e o crédito restrito, as vendas no varejo seguem em queda. Em setembro, as vendas tiveram o pior resultado para o mês em 14 anos, um recuo de 1%. Entre julho e setembro as vendas no varejo recuaram 2,4% na comparação com o trimestre anterior. Com números assim, 2017 já começa comprometido.

Instabilidade à vista

Até mesmo o governo admitiu que a economia brasileira deve crescer menos em 2017. A estimativa para o crescimento do Produto Interno Bruto do próximo ano passou de 1,6% para 1%, em anúncio feito na segunda-feira 21.

“O que realmente causou essa recessão foi uma queda de confiança causada por questões fiscais. O empresário retrai investimento. O mais importante que a gente tem de resolver é a questão fiscal. É o âmago de tudo”, disse o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Fabio Kanczuk, durante o anúncio.

De fato, as reformas política, da previdência e trabalhista, em 2017, são fatores vistos como necessários à retomada da confiança do empresariado e, assim, decisivos para a recuperação do ritmo da atividade econômica.

Um problema pode ser a demora nessas reformas. A expectativa é que já entrássemos em 2017 com as pautas encaminhadas, o que não aconteceu, já que o governo continua às voltas com seus próprios problemas internos. Em evento no início da semana, o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto de Almeida Júnior, afirmou que a proposta de reforma da Previdência pode ser entregue ao Congresso apenas em 2017, devido à necessidade de discutir a proposta com empresas e com a sociedade. O temor do mercado é que a reforma não seja aprovada no ano que vem.

“Adiar a agenda de reformas envolve riscos elevados, pois contamina o ambiente econômico. Postergar a reforma da Previdência pode significar aprovar algo muito tímido, que não estabilize a dívida pública tão cedo, ou até não aprová-la”, diz a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, em relatório.

A demora nas reformas pode provocar uma queda ainda maior na confiança do empresário. Como consequência, a retomada dos investimentos – vista como um dos pilares para o crescimento em 2017 – fica mais distante.

Enquanto a retomada de investimentos não vier, a esperança de uma melhora estará na capacidade ociosa da indústria. “Os investimentos e a produção industrial sempre são os primeiros a sofrer na crise e é natural que a retomada venha daí. No primeiro momento não será necessária uma retomada tão grande em investimentos porque a capacidade ociosa é muito grande”, diz Celso Toledo, economista-chefe da LCA Consultores e colunista de EXAME Hoje.

A recuperação na indústria deve vir de alguns setores que têm estoques baixos. É o caso da produção nos setores têxtil e de calçados, de alimentos, de químicos, de madeira e de celulose. O problema é que outros setores importantes, que experimentaram um crescimento grande em anos passados e estão entre os mais afetados pela crise, devem continuar sem melhora. No varejo, esse é o caso de bens mais caros como imóveis e automóveis. Para voltar a crescer, esses setores dependem da oferta de crédito, que só deve mostrar uma retomada mais vigorosa em 2018. “Nós conversamos com concessionárias todos os dias e sabemos que 2017 não será um ano de crescimento e sim de estabilidade no setor automotivo”, diz Vitor Klizas, presidente da consultoria Jato Dynamics.

A consultoria projeta uma venda de 2,08 milhões de automóveis em 2017, ante 2 milhões de unidades estimadas para este ano. No auge, em 2012, as vendas chegaram a 3,8 milhões de automóveis. O volume esperado não chega à metade da capacidade que as montadoras instaladas do Brasil têm de produção: 5 milhões de veículos por ano.

O setor de automóveis é um dos que estão em pior situação neste ano. Em outubro, as montadoras usaram 56% da capacidade das fábricas, menor nível mensal de ocupação em 16 anos. A baixa produção industrial dificulta novas contratações e a queda no desemprego. Para os analistas, a melhora no emprego deve começar a acontecer apenas em meados de 2017.

Uma retomada dos empregos facilitaria a compra de eletrodomésticos e eletroeletrônicos. O problema, neste caso, está na alta taxa de juros. Na reunião de novembro, o Comitê de Política Monetária Nacional (Copom) iniciou a redução dos juros no país, cortando a taxa básica anual de 14,25% para 14%. “O problema é que a taxa precisa cair para algo em torno de 9% para refletir no bolso do consumidor. A Selic em 11% não vai se traduzir em taxas melhores ao consumidor”, diz Mauro Rochlin, professor dos MBAs da FGV. O Boletim Focus projeta a taxa Selic em 10,75% no fim de 2017.

A queda de juros também é tida como essencial para que as empresas voltem a investir. O dinheiro mais barato também pode contribuir para a retomada de empréstimos para destravar o investimento de companhias em novas concessões de projetos de infraestrutura. A lista do governo federal tem 34 projetos de áreas como energia, aeroportos, rodovias, portos, ferrovias e mineração para ser desenvolvidos ao longo dos próximos dois anos. Mas é bom não esperar um rápido impacto na economia. “Esses processos são lentos. A regulamentação é demorada e os investimentos de fato só devem começar em 2018”, diz Gonçalves, do banco Fator.

Outro fator de risco para o interesse de investidores pelas concessões é o conturbado cenário político. “Para mais investimentos, é preciso ter mais acesso a capital, e também estabilidade política. O risco Brasil é um ponto que os investidores acabam ponderando”, diz Cristopher Vlavianos, presidente da empresa de comercialização de energia Comerc. Ainda assim, ele acredita que o país está no caminho certo, a questão é a velocidade da recuperação.

Fora os desafios conjunturais, o problema de muitas companhias brasileiras é o alto endividamento. Entre as grandes empresas do país, metade não está gerando receita suficiente para pagar as dívidas, segundo a consultoria Tendências. Para essas, a solução foi cortar os projetos de 2017. É o caso da estatal Petrobras, que reduziu seu plano de investimentos nos próximos cinco anos em 25%, para 74,1 bilhões de dólares. Um levantamento feio em julho pela consultoria Roland Berger com os balanços de 133 das maiores empresas em receita listadas na Bovespa mostra que 40% têm dívidas muito elevadas (34 delas chegaram a um estado crítico), que somam 420 bilhões de reais. Mesmo que o governo ajude, elas terão um 2017 pra lá de desafiador. Se Temer e Geddel e cia. continuarem jogando contra, nem se fala.

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