Estudo mostra que eliminar o vírus zika nas cidades pode não zerar o risco
Cientistas descobriram que o vírus zika pode sobreviver em matas, mesmo depois de erradicado nas cidades, e reinfectar humanos
Ariane Alves
Publicado em 2 de novembro de 2018 às 05h55.
Última atualização em 2 de novembro de 2018 às 05h55.
São Paulo — Responsável por uma grave epidemia no Brasil em meados de 2015, o vírus da zika volta a ser alvo de preocupações na área de saúde pública. Pesquisadores brasileiros sugerem que o vírus pode ter um ciclo silvestre , estando presente em macacos que vivem em regiões próximas às cidades. A descoberta põe a comunidade em alerta porque indica que o vírus poderia resistir no ambiente silvestre mesmo estando controlado nos centros urbanos.
Até agora, acreditava-se que o zika circulava somente em humanos desde que se instalou nas Américas – o vírus tem origem africana, e acredita-se que chegou ao Brasil em 2013 –, mantendo um ciclo de vida semelhante ao do vírus da dengue. Porém, as novas descobertas indicam que o vírus pode ter um ciclo mais parecido ao da febre amarela, o que sugere que as medidas de combate deverão ser mais trabalhosas. O estudo foi publicado na última terça-feira (30) no periódico Scientific Reports, do grupo Nature, e conduzido pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) em parceria com outros centros de pesquisa.
Embora este seja um dos primeiros passos no estabelecimento de um ciclo de transmissão entre primatas não humanos no Novo Mundo e mosquitos arbóreos, as implicações são enormes, pois é impossível erradicar esse ciclo de transmissão”, disse Nikos Vasilakis, professor no Centro de Doenças Tropicais da Universidade do Texas e um dos autores do estudo, em entrevista à Agência FAPESP.
Macacos mortos por humanos já estavam vulneráveis
A pesquisa investigou 82 carcaças de macacos encontrados nas regiões de matas de São José do Rio Preto (SP) e de Belo Horizonte (MG) e abatidos a tiros ou a pauladas por humanos que suspeitavam que os animais carregavam o vírus da febre amarela. Primatas como saguis (Callithrix sp.) e micos (Sapajus sp.) não costumam ser fáceis de capturar, e a vulnerabilidade que vinham apresentando intrigou os pesquisadores.
O reforço da hipótese veio com o experimento conduzido pela equipe que consistia na inoculação proposital do vírus em macacos vivos, o que provocou uma alteração de comportamento suficiente para tornar os macacos vulneráveis à captura humana. Além disso, nas regiões investigadas foram encontrados mosquitos infectados pelo vírus da zika, fortalecendo a suspeita.
Confirmação aumenta necessidade de vacina
“A descoberta indica que existe o potencial de um ciclo silvestre para a zika no Brasil – a exemplo do que ocorre com a febre amarela. Se o ciclo silvestre for confirmado, isso muda completamente a epidemiologia da zika, porque passa a existir um reservatório natural a partir do qual o vírus pode reinfectar muito mais frequentemente a população humana”, disse Maurício Lacerda Nogueira, professor da Famerp e coordenador do estudo.
Os pesquisadores agora buscarão entender melhor o papel dos macacos na manutenção do ciclo urbano do vírus, como o de se tornar um canal do ciclo de transmissão para animais não humanos na América Latina. Segundo Nogueira, se a hipótese se confirmar, o cenário se complica porque a presença do vírus nos ambientes silvestres foge ao controle dos especialistas em saúde, tornando a necessidade de uma vacina eficaz contra o Zika ainda mais necessária.