Exame Logo

Sustentabilidade da Amazônia é fator-chave para frear mudanças climáticas

Área desmatada equivale a duas vezes o tamanho da Alemanha –cerca de 74 milhões de hectares

. (iStock/Getty Images)

Lucas Agrela

Publicado em 10 de junho de 2018 às 05h55.

Última atualização em 10 de junho de 2018 às 05h55.

O combate ao desmatamento da Amazônia e a promoção de iniciativas de reflorestamento em larga escala visando aumentar o armazenamento de carbono na biosfera terrestre são estratégias essenciais para evitar o agravamento das mudanças climáticas, segundo avaliação feita pelos participantes da 5ª Conferência Regional sobre Mudanças Climáticas Globais na tarde da última terça-feira (05/06).

Realizado pelo Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Mudanças Climáticas (NapMC-Incline), em parceria com o Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP) e o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP), o evento tem o objetivo de celebrar o aniversário de 90 anos do físico José Goldemberg, presidente da FAPESP, e reconhecer sua atuação expressiva no debate sobre o papel das energias renováveis no desenvolvimento, sustentabilidade das florestas e nas negociações internacionais para o combate às mudanças no clima.

Veja também

O painel dedicado ao tema “Florestas Tropicais e Sustentabilidade” foi coordenado por Thelma Krug, membro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). A pesquisadora apresentou dados divulgados em 2014, no Quinto Relatório de Avaliação do IPCC, e destacou a importante contribuição das florestas tropicais como sumidouros de carbono, ou seja, para a absorção de parte do CO2 emitido pelas atividades humanas.

“Das emissões totais anuais, 30% aproximadamente acabam retornando para a biosfera terrestre e outros 30% são sequestrados pelos oceanos. Cerca de 40% permanecem na atmosfera. O CO2 é considerado um dos gases mais críticos, pois cerca de 30% permanecem por mais de cem anos na atmosfera”, disse.

Segundo Krug, na última década houve uma mudança significativa nas fontes de emissões antrópicas de CO2 devido a dois fatores principais: iniciativas de reflorestamento em larga escala adotadas na China e a significativa queda no desmatamento da Amazônia registrada a partir de 2004. “O desmatamento era o nosso grande vetor de emissões e hoje passou a ser a agricultura e a geração de energia”, afirmou.

Krug lembrou ainda que na conferência que antecedeu a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, o Brasil se comprometeu a reduzir em 37% as emissões até 2025, tendo como ponto de partida as emissões de 2005, podendo chegar a uma redução de 43% até 2030.

“O Brasil fez o exercício de dizer como seria possível atingir essa meta e a mudança no uso da terra tem contribuição significativa. Isso inclui combate ao desmatamento ilegal na Amazônia, recuperação de florestas e áreas degradadas e reflorestamento”, disse.

Carlos Nobre, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas – um dos INCTs apoiados pela FAPESP e pelo CNPq no Estado de São Paulo –, falou sobre como os impactos causados pela mudança no uso da terra podem prejudicar a capacidade da floresta amazônica de se autossustentar.

Nobre lembrou que, a partir dos anos 1970, os países amazônicos adotaram um modelo de substituição da floresta para expansão de suas fronteiras agrícolas, o que colocou em xeque a ideia de que a Amazônia é um elemento essencial para a estabilidade planetária por sua capacidade de armazenar carbono, regular a hidrologia e o balanço energético em diversas regiões e abrigar pelo menos 10% da biodiversidade do planeta, entre outros fatores.

“O Inpe teve o papel de nos acordar para a realidade. No fim dos anos 1980 divulgou os primeiros números [sobre o desmatamento] que chocaram o planeta. A partir de então, o interesse em descobrir cientificamente o que poderia acontecer caso o desmatamento continuasse aumentou muito”, disse o pesquisador aposentado do Inpe.

Nobre comentou sobre sua participação em pesquisas que permitiram levantar a hipótese da savanização da floresta. Segundo essa teoria, se o desmatamento atingir um determinado limite, em torno de 40%, a alteração no clima regional será tão profunda que a área desmatada nunca voltará a ser uma floresta e assumirá características de savana.

Falou ainda sobre projeções mais recentes que levaram em conta, além do desmatamento, outros fatores que começaram a impactar o ciclo hidrológico amazônico, como as mudanças climáticas e o uso indiscriminado do fogo por agropecuaristas durante períodos secos – com o objetivo de eliminar árvores derrubadas e limpar áreas para transformá-las em lavouras ou pastagens.

Segundo Nobre, a combinação desses três fatores indica que o novo ponto de inflexão a partir do qual ecossistemas na Amazônia Oriental, Sul e Central podem deixar de ser floresta seria atingido se o desmatamento alcançar entre 20% e 25% da floresta original – algo que está muito perto de ocorrer, segundo o pesquisador (leia mais em: http://agencia.fapesp.br/27180/ ).

“Até 2004, havia uma ideia clara entre os economistas de que o desmatamento era controlado pela demanda de grãos e proteína animal e de que a economia controlava a taxa de ocupação na Amazônia. Mas tivemos uma política muito bem-sucedida a partir de 2004, reforçada em 2008, e com muita vigilância e conscientização o desmatamento despencou. No entanto, o preço da carne e da soja continuou a subir e a produção agrícola só aumentou no período. Isso mostra que há um desacoplamento entre os dois fatores”, disse.

Apesar disso, ponderou Nobre, a pressão para a expansão da fronteira agropecuária permanece e os países amazônicos, entre eles o Brasil, terá de escolher qual trajetória seguir. “Sou otimista e acredito que vamos privilegiar a preservação, mas para isso é preciso ampliar o conhecimento e usá-lo como base da sustentabilidade da Amazônia”, disse.

Mortes precoces

Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), também destacou a importância da ciência para extinguir o desmatamento na maior floresta tropical do planeta.

Segundo o pesquisador, a área já desmatada equivale a duas vezes o tamanho da Alemanha ou do Estado de São Paulo – cerca de 74 milhões de hectares. Desse total, 65% são usados em pastagens de baixa eficiência.

“O desmatamento ocorrido entre 2007 e 2016 [7.502 km2] adicionou R$ 453 milhões em valor bruto da produção agropecuária, o que equivale a 0,013% do Produto Interno Bruto (PIB) médio no período”, disse.

Por outro lado, acrescentou, o desmate causou centenas de mortes precoces devido às queimadas e um gasto de R$ 15 milhões para o Sistema Único de Saúde (SUS) com o tratamento de doenças relacionadas à fumaça, gerou conflitos sociais e provocou aumento de 0,5ºC nas temperaturas da bacia do Xingu. “Não há motivos que justifiquem a derrubada da floresta. Sabemos como fazer, já derrubamos as taxas. Mas agora estamos estagnados”, afirmou.

Para avançar, Moutinho sugeriu quatro eixos de ação: o desenvolvimento de políticas públicas ambientais efetivas, perenes e coerentes; a promoção de usos sustentáveis da floresta e de melhores práticas agrícolas; a restrição drástica do mercado a produtos associados a novos desmatamentos (dando como exemplo a Moratória da Soja); e o engajamento de eleitores, investidores e consumidores nos esforços de combate ao desmatamento.

“Temos 70 milhões de hectares de florestas que correspondem a áreas públicas que não foram destinadas. Um estudo recente mostrou que 30% do desmatamento amazônico em 2017 aconteceu nessas áreas. Portanto, uma das ações essenciais é estancar a grilagem de terras públicas. Elas precisam continuar públicas e florestas, não com uma cerca em volta e intocáveis, mas como uma cobertura florestal contínua funcionante, exercendo seu papel ecológico. As áreas protegidas foram um dos fatores que ajudaram a derrubar as taxas de desmatamento”, disse Moutinho.

Em seguida, o diretor de Concessão Florestal e Monitoramento do Serviço Florestal Brasileiro, Marcus Vinicius da Silva Alves, falou sobre a importância do manejo sustentável e sobre como a possibilidade de conceder a empresas e comunidades o direito de manejar florestas públicas para extrair madeira, produtos não madeireiros e oferecer serviços de turismo pode funcionar como um vetor de redução da pressão sobre a Amazônia e como instrumento de conservação.

Por último, a diretora da organização não governamental World Resources Institute Brasil (WRI Brasil), Rachel Biderman, falou sobre a existência de um movimento global que visa acabar com o desmatamento no mundo e promover a restauração de 350 milhões de hectares florestais como forma de evitar a emissão de 4,5 bilhões a 8,8 bilhões de toneladas de CO2 por ano até 2030. O número é equivalente à remoção de todo o dióxido de carbono produzido por 1 bilhão de carros que circulam hoje no mundo.

Uma ampla coalizão de governos, indústria e indivíduos endossou o compromisso materializado na Declaração de Nova York sobre florestas, em 2014.

“Detectamos que uma parte da solução climática pode se dar até 2030 pelo sequestro de carbono. Aqui no Brasil nós estamos trabalhando na implementação da Política Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa, conhecida como Proveg”, disse

A 5ª Conferência Regional sobre Mudanças Climáticas Globais continuou nesta quarta-feira (06/06/2018) com um painel sobre o Futuro do Combate à Mudança Climática e com uma sessão em homenagem aos 90 anos do professor Goldemberg realizada no auditório da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na USP.

*Este conteúdo foi originalmente publicado no site daAgência Fapesp

Acompanhe tudo sobre:AmazôniaSustentabilidade

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Ciência

Mais na Exame