(Pixabay/Reprodução)
Lucas Agrela
Publicado em 17 de julho de 2018 às 13h55.
Última atualização em 17 de julho de 2018 às 14h10.
Pesquisadores paulistas podem ter descoberto a razão pela qual as abelhas africanizadas são tão ferozes. Eles rastrearam substâncias químicas presentes em níveis mais elevados no cérebro de abelhas africanizadas, em comparação com abelhas melíferas e dóceis criadas por apicultores.
De acordo com estudo publicado no Journal of Proteome Research, tais compostos químicos podem fazer com que abelhas menos agressivas se tornem ferozes.
Os mesmos compostos haviam sido detectados no cérebro de moscas e camundongos, nos quais eles parecem regular a alimentação e a digestão. Esse é um exemplo de como o comportamento evolui em diferentes espécies usando mecanismos moleculares semelhantes.
A pesquisa foi feita pela equipe do professor Mario Sérgio Palma no Centro de Estudo dos Insetos Sociais do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro. O trabalho tem apoio da FAPESP por meio de um Projeto Temático que integra o programa BIOTA-FAPESP. A linha de pesquisa está relacionada ao estudo do complemento de proteínas dos sistemas animais.
“Estudamos a composição das proteínas dos sistemas glandulares de vespas, abelhas, formigas, aranhas e escorpiões. Determinamos as funções individuais de cada proteína e suas interações moleculares, além de suas estruturas moleculares. Isso inclui os venenos desses animais, bem como sistemas de comunicação química por compostos químicos e a neuroquímica da regulação do comportamento dos artrópodes via sistema nervoso”, disse Palma à Agência FAPESP.
O estudo visou investigar o mecanismo de produção de neuro-hormônios no cérebro de abelhas. Neuro-hormônios são compostos químicos responsáveis pela regulação do sistema nervoso, com implicações na mediação dos comportamentos sociais desses insetos.
“Queríamos estudar a origem e o metabolismo das proteínas precursoras dos neuropeptídeos no cérebro de abelhas, para entender como eram produzidos tais hormônios. Desejávamos também identificar as regiões do cérebro responsáveis pelas ações daqueles compostos. Para isso, utilizamos o imageamento espectral por espectrometria de massas”, explicou Palma.
A técnica permite identificar compostos químicos dentro de tecidos, sem necessidade de extratos celulares. O imageamento também permite conhecer a região do cérebro onde tais hormônios estão agindo. “Podemos conhecer a estrutura química dos neuropeptídeos e mapear as regiões do cérebro onde eles agem”, disse.
Os experimentos foram feitos no apiário do Instituto de Biociências da Unesp, em Rio Claro. “Praticamente todas as nossas colônias são de abelhas africanizadas”, disse Palma. “Trabalhamos com abelhas africanizadas há mais de 20 anos, uma vez que o Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da Unesp estuda esses insetos desde sua fundação, há 60 anos.”
Os favos foram levados para o laboratório, onde os indivíduos recém-emergidos foram identificados e marcados com tintas não tóxicas. Após a devolução dos favos às colmeias no apiário, aguardou-se que as abelhas marcadas atingissem a idade desejada para a realização do experimento.
Quando isso ocorreu, os favos retornaram novamente ao laboratório e as abelhas marcadas com tintas coloridas foram coletadas e utilizadas em experimentos de agressividade.
As abelhas foram colocadas em arenas de observação. Alvos com o formato de esferas de 5 centímetros de diâmetro e recobertas de camurça negra foram penduradas por uma corda diante de cada arena, de modo que, ao serem balançadas, as esferas invadissem a arena onde se encontravam as abelhas marcadas.
“Vários comportamentos de alerta e agressão foram realizados pelas abelhas. Tais comportamentos foram observados e registrados pelos pesquisadores”, disse Palma.
Além dos vários comportamentos agressivos, alguns indivíduos também ferroaram os alvos. Ao fazê-lo, ficaram presos nos alvos por meio do ferrão, que possui fisgas e não pode ser retirado. Esses indivíduos foram coletados, imediatamente congelados em nitrogênio líquido e dissecados. Seus cérebros foram retirados e fatiados. As fatias foram utilizadas nos estudos de análise proteômica – área de biotecnologia que estuda o conjunto de proteínas expressas em uma célula ou tecido.
A equipe da Unesp também coletou abelhas operárias que permaneceram dentro das colmeias durante os ataques, para poder compará-las às outras operárias mais agressivas.
Todas as amostras foram analisadas dentro dos tecidos. Depois elas foram analisadas com o uso de radiação laser, que promove a ionização das proteínas e peptídeos. Esses foram analisados no espectrômetro de massa, capaz de identificar pequenas cadeias de proteínas ou peptídeos, permitindo conhecer sua estrutura química.
“Quando do preparo das amostras na forma de fatias de cérebro, o instrumento cria um padrão virtual de orientação espacial dentro de cada tecido, que permite correlacionar a presença de espectros típicos de cada molécula analisada com a posição espacial dentro do tecido. Assim, identificam-se as moléculas e ao mesmo tempo estimam-se suas concentrações e determina-se sua localização”, disse Palma.
“No final, geram-se imagens dos cortes histológicos, na forma de topografia molecular, e mapas de contorno, assinalando-se as extensões e limites de cada diferente região do cérebro”, disse.
Sobre a diferença encontrada entre as abelhas capturadas fora da colmeia e as que permaneceram lá dentro, Palma ressalta que não se trata de local, mas de diferenças observadas entre as abelhas operárias que realizam os vários comportamentos de alarme e agressão (principalmente ferroar o alvo) e aquelas que não se tornam agressivas (mesmo quando estimuladas).
“O cérebro das abelhas não agressoras apresentou proteínas precursoras intactas, na forma sua não ativa, isto é, que não está estimulando comportamentos agressivos”, disse.
Por outro lado, o cérebro das abelhas agressoras apresentou somente as formas maduras dessas proteínas. São pedaços menores e ativos das proteínas precursoras, gerados pela ação de enzimas conhecidas como proteases. Esses pedaços menores ainda passam por processo de modificações químicas para se tornarem ativos. Assim se formam os neuropeptídeos ativos, que determinarão o comportamento agressivo nas abelhas. Neuropeptídeos são hormônios que regulam o cérebro e outros tecidos para adaptar o organismo a realizar um conjunto de comportamentos.
“Na prática, isso significa que os neuropeptídeos sinalizam ao organismo para realizar funções metabólicas, fisiológicas e/ou farmacológicas, preparando o indivíduo para executar um ou mais conjuntos de comportamentos. No caso em estudo, o conjunto de comportamentos foi relacionado à agressão”, disse Palma
“Os neuropeptídeos que encontramos existem com pequenas diferenças estruturais em vários insetos, mas até então eram pouco caracterizados química e funcionalmente. Nas abelhas agressoras, as funções de tais neuropeptídeos foram regular o metabolismo energético, ativar os mecanismos de vigilância e coordenação espacial de voo e estimular a produção de feromônios de alarme”, disse.
Quando os pesquisadores observaram que os neuropeptídeos estimulavam o comportamento agressivo, eles resolveram sintetizar esses compostos em laboratório, para então injetá-los em operárias jovens – abelhas que supostamente ainda não estavam preparadas para executar comportamentos agressivos.
“O resultado foi que algum tempo após terem recebidos aplicações dos neuropeptídeos essas operárias passaram a executar comportamentos agressivos. Elas passaram inclusive a ferroar os alvos”, disse o coordenador do Projeto Temático FAPESP.
A agressividade em abelhas é desencadeada como parte do mecanismo de defesa da colônia. Tal comportamento se inicia com um conjunto de estímulos físicos e químicos como movimentos bruscos, sons agudos, cores escuras e odores fortes, geralmente associados à presença de intrusos, invasores ou predadores da colônia. Isso desencadeia uma reação em cascata de uma série de processos metabólicos e fisiológicos, para suportar os insetos agressores a executar os comportamentos de alarme e agressão.
“Aparentemente, a primeira reação a tais estímulos leva à maturação dos precursores dos neuro-hormônios no cérebro das abelhas, conduzindo à formação dos neuropeptídeos maduros, que são distribuídos em concentrados e regiões específicas do cérebro”, disse Palma.
“Atuando nos neurônios dessas regiões, esses neuropeptídeos ativam uma série de processos metabólicos e fisiológicos, que resultam nos comportamentos de alarme e agressão e culminam com a ferroada”, disse.
Os precursores dos neuropeptídeos estão prontos no cérebro das operárias adultas. Mas enquanto elas ainda são jovens tais precursores não são clivados, não podendo resultar em neuropeptídeos maduros ou ativos.
No entanto, quando as operárias alcançam entre 15 e 20 dias de idade, elas já contam com ferramentas moleculares para catalisar a maturação dos precursores. Daí que, na presença de estímulos físico-químicos ameaçadores, os neuropeptídeos em seus cérebros serão instantaneamente ativados, e as operárias passarão a demonstrar comportamento agressivo.
“Quando injetamos os neuropeptídeos sintéticos em suas formas maduras, as operárias jovens passaram a dispor do neuropeptídeos maduros, que em poucos minutos passaram a ativar as transformações metabólicas e fisiológicas, tornando tais indivíduos aptos a exercer comportamentos agressivos”, disse Palma.
O artigo MALDI Imaging Analysis of Neuropeptides in Africanized Honeybee (Apis mellifera) Brain: Effect of Aggressiveness, de Marcel Pratavieira, Anally Ribeiro da Silva Menegasso, Franciele Grego Esteves, Kenny Umino Sato, Osmar Malaspina e Mario Sergio Palma, está publicado em https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acs.jproteome.8b00098.
*Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp