Ciência

Pesquisa da USP indica que Marte pode ter sido 'paraíso' dos micróbios

Estudo mostra que presença de ferro na água pode ter protegido microorganismos da radiação UV, e permitido vida no planeta

Foto enviada por Perseverance de Marte (NASA/Twitter/Reprodução)

Foto enviada por Perseverance de Marte (NASA/Twitter/Reprodução)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 16 de dezembro de 2025 às 06h46.

Marcianos são um clássico da ficção científica, e sua existência poderá ser comprovada em breve pela ciência. Diferentemente dos seres antropomórficos com olhos e cabeças enormes, a vida em Marte fora das telas teria provavelmente sido microscópica.

Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) indica que Marte pode ter reunido condições favoráveis à vida microbiana no passado.

O estudo sugere que antigos lagos marcianos, ricos em ferro dissolvido na água, poderiam ter protegido microrganismos da forte radiação ultravioleta que atinge a superfície do planeta.

Realizado na Laboratório de Astrobiologia (AstroLab), do Instituto de Química (IQ) da USP, a pesquisa foi divulgada em novembro na revista científica Astrobiology, especializada no estudo da vida fora da Terra.

James Green, físico e ex-chefe da Nasa, comentou o trabalho. “A vida acaba encontrando formas de sobreviver mesmo sob intensa radiação”, afirmou em mensagem enviada aos autores, lembrando que microrganismos já foram encontrados acima da camada de ozônio da Terra, protegidos por partículas de poeira na atmosfera.

'Filtro' natural contra os raios UV

Segundo os pesquisadores, Marte possui uma atmosfera muito fina, incapaz de bloquear a radiação ultravioleta do tipo C, uma forma extremamente energética prejudicial aos seres vivos dos raios UV. A presença de íons de ferro na água poderia funcionar como uma espécie de “filtro natural”.

“Queríamos uma modelagem simples, que pudesse ser usada em simulações com diferentes níveis de ultravioleta e concentrações de íons de ferro”, afirmou Gabriel Gonçalves Silva, primeiro autor do estudo, em entrevista ao Jornal da USP. Modelagem, nesse caso, significa a criação de um modelo matemático que permite simular diferentes condições ambientais sem a necessidade de experimentos diretos em Marte.

Para testar a hipótese, os cientistas realizaram experimentos em laboratório com a levedura Saccharomyces boulardii. Trata-se de um microrganismo usado como modelo científico por ser sensível à radiação ultravioleta e resistente a ambientes ácidos. Essa característica é importante, já que a água marciana do passado provavelmente tinha alta acidez.

As amostras foram colocadas em soluções aquosas contendo diferentes quantidades de íons de ferro (Fe³⁺) e expostas a níveis crescentes de radiação.

Os resultados mostraram que mesmo pequenas concentrações de ferro foram capazes de reduzir os danos causados pela radiação. Nessas condições, os microrganismos conseguiram se reproduzir em ritmo suficiente para compensar as perdas provocadas pela exposição ao ultravioleta.

Lagos rasos e condições de vida

Com base nos dados obtidos, os pesquisadores aplicaram o modelo a cenários do passado marciano. Eles concluíram que a profundidade mínima de água necessária para garantir proteção poderia ser bastante pequena.

Para a levedura testada, apenas 1 centímetro de água já seria suficiente.

“Como não temos acesso aos lagos marcianos, o modelo nos dá uma aproximação das condições de habitabilidade que eles podem ter oferecido”, explicou Ana Paula Schiavo, pós-doutoranda no Instituto de Química e coautora do estudo, ao Jornal da USP.

A pesquisa também dialoga com evidências geológicas já observadas em Marte.

Minerais como a jarosita, encontrados na superfície do planeta, se formam na presença de água líquida rica em ferro e com alto grau de acidez. Regiões como a cratera Jezero, atualmente explorada pelo robô Perseverance, da Nasa, são apontadas como possíveis locais de antigos lagos que existiram há mais de 3 bilhões de anos. Na época, Marte ainda não havia perdido grande parte de sua atmosfera, segundo dados da própria agência espacial.

Embora o estudo não comprove que Marte tenha abrigado vida, ele reforça a ideia de que o planeta já teve ambientes capazes de sustentar microrganismos, ampliando o entendimento científico sobre a possibilidade de vida fora da Terra.

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