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Novos tipos de vírus são descobertos com sintomas iguais aos da dengue

Duas novas espécies de vírus foram identificadas no sangue de pacientes com sintomas semelhantes aos da dengue ou da zika

Microscópio: vírus ainda não tinham sido encontrados em humanos (Eric Piermont/AFP)

Victor Sena

Publicado em 11 de março de 2020 às 11h32.

Última atualização em 11 de março de 2020 às 11h34.

São Paulo — Duas novas espécies de vírus foram identificadas no sangue de pacientes com sintomas semelhantes aos da dengue ou da zika, como febre, dor de cabeça e manchas avermelhadas na pele. Um dos microrganismos pertence ao gênero Ambidensovirus e foi encontrado em amostra coletada no Amapá. O outro, presente em amostra do Tocantins, pertence ao gênero Chapparvovirus. Os resultados da pesquisa , apoiada pela FAPESP, foram divulgados na revista PLOS ONE.

“O que mais nos surpreendeu foi encontrar em amostra humana um Ambidensovirus. Espécies desse gênero só haviam sido descritas em insetos, crustáceos e outros invertebrados. Nunca em mamíferos”, contou Antonio Charlys da Costa, pós-doutorando da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e um dos autores do estudo.

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Segundo o pesquisador, espécies diferentes de Chapparvovirus já haviam sido descritas em mamíferos, mas nunca em humanos. “Ainda não é possível, porém, saber se esses microrganismos estavam ativos no organismo ou se foram os causadores dos sintomas”, disse Costa à Agência FAPESP .

Na avaliação de Eric Delwart, pesquisador do Vitalant Research Institute (Estados Unidos) e supervisor do projeto, outros cientistas poderão, a partir desses resultados, investigar se os novos vírus estão presentes em outras pessoas da região ou em outras populações, bem como se há risco de disseminação.

“Até o momento, não há evidências de que esses vírus tenham se espalhado ou de que sejam patogênicos. Mas é cientificamente interessante encontrar um Ambidensovirus em hospedeiros humanos. Essa descoberta reflete o quão pouco sabemos sobre a capacidade que os vírus pouco estudados têm de infectar diferentes tipos de células”, disse Delwart.

O pesquisador ressaltou ainda a importância de reaproveitar amostras clínicas preexistentes em pesquisas voltadas à vigilância de vírus potencialmente emergentes. No caso deste estudo, as amostras analisadas foram originalmente coletadas por Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens) de diversos Estados, no atendimento de rotina.

Diversidade viral

A identificação das novas espécies foi possível graças a uma técnica conhecida como metagenômica, que permite sequenciar concomitantemente todo o material genético – de variados organismos – contido em uma amostra de sangue, de urina, de fezes ou de saliva. Por esse método também é possível, por exemplo, estudar todas as bactérias e fungos do solo de uma região ou mapear as diferentes espécies que compõem a microbiota intestinal de um indivíduo. Depois que todos os ácidos nucleicos da amostra são extraídos e sequenciados, os pesquisadores usam ferramentas de bioinformática para comparar os resultados com sequências genômicas já conhecidas, descritas em bancos de dados.

Costa aprendeu a metodologia ainda no doutorado, durante estágio realizado no laboratório de Delwart. No Brasil, a supervisora da pesquisa foi a professora da FM-USP Ester Sabino, ex-diretora do Instituo de Medicina Tropical (IMT-USP).

O artigo publicado em PLOS ONE descreve a análise de 781 amostras coletadas entre 2013 e 2016. Em 80% delas foi identificada a presença do gênero Anellovirus (sem doença atribuída), 19% continham o HPgV-1 (conhecido como Pegivirus Humano do tipo 1 e também sem doença relacionada) e 17% deram positivo para o parvovírus B19, causador de eritema infeccioso, quadro comum em crianças, caracterizado por febre leve e erupção vermelha no rosto, braços, pernas e tronco.

Somente em duas amostras foram encontradas as espécies virais nunca antes descritas, ambas pertencentes à família Parvoviridae.

O material foi cedido aos pesquisadores pelos Lacens do Amapá, Tocantins, Paraíba, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Piauí e Maranhão.

“O estudo continua e, ao todo, já recebemos mais de 20 mil amostras para análise. Eles nos repassam as que dão negativo para a presença de dengue, zika e chikungunya. Em nosso laboratório, no Instituto de Medicina Tropical, fazemos testes moleculares para detectar outros Flavivirus [os causadores da febre amarela e da febre do Nilo Ocidental, por exemplo], Alphavirus [gênero que inclui o mayaro e várias espécies causadoras de encefalite] e Enterovirus [que podem causar doenças respiratórias e síndrome da mão-pé-boca, entre outros quadros] já conhecidos. Quando não encontramos nada, partimos para a análise metagenômica”, explicou Costa.

Segundo o pesquisador, o objetivo do projeto é descrever a diversidade viral que existe no Brasil e identificar espécies que podem estar causando doença em humanos e passam despercebidas em meio a surtos de arboviroses.

Um estudo publicado na revista Clinical Infectious Diseases em 2019, por exemplo, descreveu a ocorrência de um surto de parvovírus B19 em meio a uma epidemia de dengue ocorrida entre 2013 e 2014. A investigação foi coordenada pelo pesquisador da USP Paolo Zanotto, com apoio da FAPESP.

“Esse é um caso de relevância para a saúde pública, pois caso infecte gestantes o parvovírus B19 pode causar problemas graves no feto”, disse Costa.

Próximos passos

Para descobrir se as duas novas espécies virais descritas oferecem risco à saúde humana, serão necessários novos estudos mais detalhados.

“Tentamos infectar culturas de células em laboratório, mas não foi possível. Não sabemos se é porque esses vírus não infectam o tipo de célula que usamos no experimento ou se as partículas virais contidas nas amostras que analisamos já não estavam viáveis”, contou Costa.

No entanto, o grupo conseguiu uma segunda amostra do vírus identificado no paciente do Tocantins (Chapparvovirus) e trabalha, agora, no desenvolvimento de um teste sorológico. “A ideia é descobrir se esse paciente e seus familiares apresentam anticorpos contra esse microrganismo, o que indicaria que foram infectados no passado e produziram uma resposta contra o microrganismo”, disse.

A pesquisa também foi apoiada pela FAPESP por meio do projeto “Metagenômica viral de dengue, chikungunya e zika vírus: acompanhar, explicar e prever a transmissão e distribuição espaço-temporal no Brasil”, coordenado por Sabino.

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