Ana Maria Moura da Silva, 64, foi a primeira brasileira e segunda mulher a receber o Venoms and Toxins 2021 Award (Comunicação Butantan/Reprodução)
Laura Pancini
Publicado em 8 de março de 2022 às 13h36.
Última atualização em 8 de março de 2022 às 14h01.
Alinhar a carreira profissional com o sonho de atuar naquilo que gosta é sempre um desafio para as novas gerações. No entanto, encontrar suporte, incentivo, representação e referências de mulheres que trilharam os mesmos caminhos e superaram as dificuldades é algo que faz a diferença para que as futuras profissionais possam seguir com seus sonhos, especialmente no ramo da ciência.
A tecnologista do Laboratório de Vigilância Genômica do Instituto Butantan, Luciana de Sousa, de 32 anos, saiu da pequena cidade de Uruará (Pará) em direção a Santarém, para cursar a faculdade de biologia na Universidade Federal do Pará (UFPA) aos 17 anos.
“Sair da minha cidade foi um choque muito grande, eu era muito menina e fui para longe da minha família”, disse Sousa. No entanto, seu caminho até o instituto foi guiado pelo seu encanto por pesquisa de venenos de cobras, paixão que foi observada e incentivada pela pesquisadora do Butantan, Ana Maria Moura da Silva, de 64 anos.
Silva trabalha com venenos de cobras no Instituto Butantan há mais de 40 anos, o que lhe rendeu o título de primeira brasileira e segunda mulher a ser consagrada com o Venoms and Toxins 2021 Awards, prêmio máximo sobre o assunto, realizado anualmente pelo grupo Toxinology at Oxford.
Silva passou por Santarém devido ao projeto “Butantan Amazônia”, que terminou em 2017, onde conheceu Sousa. A cientista sênior comenta que a jovem “tinha um amor muito grande pela pesquisa, os olhos dela brilhavam”, afirma.
Por causa de seu envolvimento com a iniciativa, Sousa teve a oportunidade de trabalhar no Butantan durante a graduação e no mestrado, ambos realizados em Santarém. Hoje, ela faz parte da rede de alerta das variantes do SARS-CoV2, mas diz que seu sonho é voltar a trabalhar com as pesquisas de venenos de cobras.
Mas nem tudo foi fácil e, nesse caminho, já pensou em seguir em outras profissões para poder pagar as contas. “Tive uma oportunidade de bolsa para trabalhar em uma secretaria da universidade e, ao mesmo tempo, um estágio em laboratório sem bolsa. Fiquei muito em dúvida porque pensava na minha mãe, com cinco filhos para criar sozinha e mantendo minha estadia na universidade”, contou Sousa.
Outras vezes, sentiu que sua capacidade era diminuída em alguns grupos externos de pesquisa. “Fiquei muito tempo no Butantan e aqui é majoritariamente ocupado por mulheres, mas já sofri preconceitos em outros lugares. A gente tem de lutar muito como mulher, já vi homem ganhar concurso por ser homem”, disse.
O relato de Sousa é embasado pela orientadora de Luciana. “Algumas bancas ainda demonstram uma preferência pelos homens, o que é uma bobagem. Para mim, temos de avaliar para capacidade da pessoa, não sexo, cor, caracteristicas”, comenta Silva.
O corpo de pesquisa do Instituto Butantan é composto de 70% de mulheres, que ocupam cargos de liderança nos centros acadêmicos. “O Instituto é bem receptivo para a liderança feminina e tem esse olhar de que pode melhorar. Temos espaço para isso e cada vez as mulheres conquistam um espaço mais relevante, isso é incentivado aqui”, afirma Patrícia Meneguello, diretora de Assuntos Regulatórios e de Qualidade do Butantan.
“Para o futuro da Luciana, só quero que ela continue seguindo o sonho de ser pesquisadora e atuar com venenos de cobras, há muitos lugares no Brasil com ótimas pesquisas voltadas para a área dela e que ela pode fazer a diferença. Meu conselho para ela e todas as jovens é não desistir”, disse Silva.