Ciência

Indigesto? Óleo de palma agora ameaça primatas na África

Óleo está presente em uma variedade de produtos do cotidiano, de alimentos processados a detergentes, cosméticos e produtos de higiene pessoal

 (KiltedArab/Thinkstock)

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Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 19 de agosto de 2018 às 12h04.

Última atualização em 20 de agosto de 2018 às 11h04.

São Paulo - Talvez você não tenha reparado, mas o óleo de palma está presente em uma variedade de produtos do cotidiano, de alimentos processados a detergentes, cosméticos e produtos de higiene pessoal. Mas essa quase "onipresença" sai caro para o meio ambiente

Nos dois principais países produtores de óleo de palma - Indonésia e Malásia, que respondem por mais de 80% da produção global - o cultivo da palmeira de dendê acontece, historicamente, às custas do desmatamento de florestas tropicais, o que gera conflitos com comunidades tradicionais e prejuízos à biodiversidade da região. Na ilha de Bornéu, a população de orangotangos, animais ameaçados de extinção, diminuiu em 80% nos últimos 75 anos.

Atentos à demanda global do produto e às pressões crescentes nos países produtores, as indústrias do setor voltam seus olhos para a África. Com suas terras tropicais adaptáveis ao cultivo de dendê, o continente surge como uma oportunidade para governos, indústria e pequenos produtores gerarem renda.

Mas as lições do Sudeste Asiático levaram uma equipe internacional de pesquisadores a avaliar recentemente o impacto potencial da expansão do cultivo de dendezeiros sobre os primatas que habitam o continente africano.

Composta por pesquisadores do CIRAD (Centro de cooperação internacional em pesquisa agronômica para o desenvolvimento) e do Centro de Pesquisa Conjunta da Comissão Europeia, a equipe combinou dados sobre processos de conversão da terra para esta cultura com dados sobre a distribuição, diversidade e o estado de vulnerabilidade dos animais.

A meta dos cientistas era identificar zonas onde o cultivo de dendezeiros seria o mais produtivo e que, ao mesmo tempo, teria um baixo impacto sobre os primatas.

Eles concluem que conciliar o desenvolvimento do dendezeiro na África e a conservação da biodiversidade será muito difícil: apenas 3,3 milhões de hectares (Mha) foram considerados adequados para o cultivo com baixo impacto para os animais, número que cai para 0,13 Mha se consideradas apenas terras de alto rendimento.

Para agravar o quadro, esses valores de 3,3 Mha e 0,13 Mha correspondem respectivamente a 6,2% e 0,2% dos 53 Mha de terra necessários para atender o aumento da demanda por óleo de palma estimado para 2050.

Plantação de óleo de palma na República Democrática do Congo. (© Andreas Brink / CIRAD)

Mudanças no campo e à mesa

O estudo também analisou possíveis cenários de mitigação. Um caminho seria identificar trajetórias para a expansão do cultivo de dendê com base em critérios para minimizar e retardar ao máximo possível a perda de habitat natural dos primatas.

Para isso, os pesquisadores compararam quatro cenários: dois cenários de expansão de óleo de palma para otimizar a receita e dois outros cenários para otimizar a conservação.

Para cenários que maximizam a receita, as terras mais produtivas e acessíveis seriam as primeiras convertidas em plantações de dendê.

Para cenários que maximizam a conservação, áreas florestadas com baixo estoque de carbono e baixa vulnerabilidade dos primatas seriam convertidas primeiro.

Mas o resultado não foi tão animador: mesmo em um cenário que busca minimizar o impacto sobre os primatas, cinco espécies perderiam em média 1 hectare de habitat quando 1 hectare de terra for convertido para o cultivo de dendezeiro.

Uma segunda estratégia estudada pelos cientistas é aumentar os rendimentos das plantações atuais através do uso de óleo de semente de alta produtividade e da adoção de melhores práticas agrícolas.

Iniciativas como a Mesa Redonda do Óleo de Palma Sustentável (RSPO, na sigla em inglês), que apoia a produção sustentável de óleo de palma e fortalece processos de certificação ambiental, também foram citadas como benéficas pelos autores da pesquisa.

Outra solução, essa do lado do consumidor, é reduzir a demanda futura de óleo de palma nos países, através de um consumo mais responsável e da busca de alternativas ao biodiesel.

Há tempos, grandes marcas globais como a Nestlé, Unilever e Mondelez se comprometeram a deixar de usar óleo de palma sem origem sustentável até 2020, mas os ambientalistas dizem que as empresas não estão se movendo rápido o suficiente para conter um desastre irreversível para os animais. 

Os resultados foram publicados na revista americana PNAS.

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