Ciência

Devemos nos preparar para outras pandemias, diz pesquisador Atila Iamarino

O divulgador científico e doutor em microbiologia ganhou projeção na internet com lives sobre o novo coronavírus

Átila Iamarino: divulgador científico tem canal no YouTube e fez lives sobre o novo coronavírus (YouTube/Divulgação)

Átila Iamarino: divulgador científico tem canal no YouTube e fez lives sobre o novo coronavírus (YouTube/Divulgação)

Lucas Agrela

Lucas Agrela

Publicado em 23 de abril de 2020 às 05h55.

Última atualização em 1 de agosto de 2020 às 17h15.

Biólogo, pesquisador e divulgador científico, Atila Iamarino é doutor em microbiologia pela Universidade de São Paulo e ganhou um novo grau de notoriedade em seu canal no YouTube durante a quarentena para combater a disseminação do novo coronavírus. Com conteúdos ao vivo, ou lives, como são chamadas, Iamarino fez vídeos que atingiram 380 mil pessoas simultaneamente. O vídeo gravado da live de 20 de março, sobre o cenário da pandemia no mundo, atingiu mais de 5 milhões de visualizações em poucos dias.

A repercussão do vídeo chegou a levá-lo ao “Roda Viva”, da TV Cultura, um dos mais importantes programas de entrevistas da televisão. “Comecei a fazer as lives porque estudo vírus desde 2006. Em 2009, criei um blog de ciência, no qual escrevi sobre o influenza e sobre o H1N1, de 2009. Ficou claro para mim que tem uma demanda por informação que fica entre o que a imprensa noticia e o que os cientistas expõem em seus estudos. Há poucas pessoas capazes de preencher os dois caminhos: unir a ciência com a facilidade de entendimento. As transmissões ao vivo são o formato mais parecido com o das aulas, que já estou acostumado a dar”, afirma.

Iamarino já era conhecido pelo canal no YouTube, o Nerdologia, do grupo de mídia digital Jovem Nerd, onde trata sobre temas variados relacionados a ciência, história e personagens de histórias em quadrinho. O biólogo é uma das vozes mais fortes da ciência na internet. Iamarino tem, também, experiência em estudos sobre outros vírus como Sars (síndrome respiratória aguda grave, que se espalhou na China em 2002), HIV, hepatite C, zika e ebola. Para ele, outras pandemias podem ocorrer no futuro e o novo coronavírus deve trazer aprendizados para empresas e governos. Confira, a seguir, a entrevista com o divulgador científico.

EXAME: No momento atual, como você vê a pandemia de coronavírus no mundo?

Atila Iamarino: A pandemia ainda está no começo. Alguns países da Europa estão passando pela pior fase, mas o vírus ainda mal se espalhou pela Ásia, pelo Oriente Médio, pela África e aqui pelas Américas, exceto pelos Estados Unidos. Ainda temos muito chão pela frente.

Quais países podem ser tomados como exemplo de contenção do vírus?

A Alemanha e a Coreia do Sul são países exemplares em termos de testes feitos na população, assim como Singapura e Hong Kong. A Nova Zelândia e o Canadá também tiveram uma boa abordagem de contenção e de respeito ao distanciamento social, assim como aconteceu na Costa Oeste dos Estados Unidos. Com isso, os casos estão diminuindo..

A China também é um bom exemplo de contenção do novo coronavírus. Mas o caso do país não se aplica aos demais em razão do governo autoritário, que pode impor o distanciamento social sem muitas justificativas, o que é impraticável em outros lugares.

Como exemplo negativo há a Suécia, que adotou medidas mais relaxadas de quarentena e contenção das pessoas. Com isso, ela registrou mais casos, absolutamente e proporcionalmente, do que todos os países nórdicos ao seu redor.

Onde o Brasil acerta e onde erra na gestão da crise de saúde causada pelo coronavírus?

O Brasil está tendo uma gestão muito técnica da crise. Luiz Henrique Mandetta acertou muito no que disse ao orientar a população. Os governadores têm tomado boas medidas de quarentena. A construção de hospitais de campanha é uma iniciativa excelente do país. Isso fará muita diferença para atravessarmos essa fase.

As falhas estão na comunicação com as pessoas, na mensagem sobre ser importante ficar em casa, na falta de testes e equipamentos de proteção a essa altura da pandemia. O Brasil ainda enfrenta uma escassez de testes e uma falta de equipamento de saúde, o que incapacitará profissionais de saúde que podem tratar pessoas contagiadas pelo vírus. Nisso, o Brasil falhou muito. O prazo desde que o coronavírus chegou ao país foi curto, mas, desde janeiro, o governo falava com a Organização Mundial da Saúde, que já avisava sobre o tamanho do problema. Poderíamos já ter convertido fábricas para produzir principalmente equipamentos de proteção e, também, poderíamos ter preparado laboratórios para fazer testes. Os testes são necessários agora e continuarão a ser daqui para frente.

O que causa a diferença entre a taxa de letalidade do vírus em diferentes países?

O que causa a diferença na taxa de letalidade do vírus é a condição do sistema de saúde de um país para tratar quem está passando mal, a idade das pessoas contagiadas e, principalmente, o volume de testes feitos.

Países como Coreia do Sul e Alemanha têm sistemas de saúde excelentes, que tratam muito bem as poucas pessoas que precisam de internação por causa do coronavírus. Nesses países, a população atingida pelo vírus era mais nova do que em outros lugares. E, por fim, esses países fazem testes o suficiente para que a letalidade do vírus fique baixa, porque ela é baseada no número de casos de contágio. Quanto mais pessoas são testadas, mais podemos encontrar pessoas com sintomas não tão complicados.

No outro extremo, com muitos casos graves, estão Espanha, Itália e França. E também o Brasil, em certa medida. São países que testam pouco a população e, por isso, verão muito mais os casos graves, pessoas que precisam de internação e acabam morrendo, o que eleva a letalidade estatística do vírus.

Por que ainda temos poucas evidências científicas conclusivas sobre a covid-19?

Porque é um vírus completamente novo. Sabemos a sua possível origem, mas todo o resto está em estudo agora. Se formos ver bem, tudo que sabemos sobre o novo coronavírus é muito recente. Considerando isso, já temos muitas evidências sobre como a covid-19 se comporta. Parte disso é derivado de como o vírus da Sars funciona, que é similar e já tem estudos a seu respeito há 17 anos. Outra parte é estimado com base no vírus Influenza, que é estudado há muito tempo. Mas tudo que é especificamente da covid-19 foi identificado de janeiro até hoje. Isso chega a ser surpreendente.

Quais são as etapas e o tempo médio do desenvolvimento de uma vacina?

Primeiramente, uma vacina precisa ser desenvolvida in vitro, para se observar quais são os princípios que vão imunizar o organismo contra a doença. Os primeiros testes são para observar se a construção da vacina deu certo, seja com base no vírus destruído, no vírus convalescido, em uma variante cultivada para ser menos eficiente ou se um pedaço do vírus foi colocado em outra coisa para ajudar na imunização.

A próxima etapa de testes é realizada com animais, com o objetivo de observar se eles não desenvolvem uma reação à vacina e se eles ficam, de fato, protegidos contra o vírus. Isso depende de modelos animais. Por isso, é preciso de bichos que são infectados pela covid-19 para poder testar a vacina neles e descobrir quais são os próximos passos da pesquisa.

Depois disso, a vacina pode ser testada em primatas não-humanos, como o macaco-rhesus, que são muito mais complicados e caros de se manter. Mas eles têm um sistema imunológico mais parecido com o dos humanos e, por conta disso, são os que trazem mais informações. Só depois disso a vacina pode ser testada em humanos saudáveis para verificar se não há reações à vacina. Posteriormente, as pessoas vulneráveis à doença podem receber a vacina para verificar se elas realmente se tornam imunes.

O que tem sido diferente no desenvolvimento da vacina contra o novo coronavírus?

Por conta da urgência da vacina contra a covid-19, muitos pesquisas pularam várias dessas etapas e, por isso, já existem vacinas testadas em animais e em humanos voluntários, que estão trabalhando com a doença. Ainda será preciso, pelo menos, um ano ou um ano e meio para o desenvolvimento da vacina. Em parte, porque leva alguns meses para vacinar uma pessoa, esperar que produza imunidade e avaliar se ela contraiu ou não a doença. Qualquer etapa como essa é longa. O processo de criação de uma vacina leva cerca de dez anos e a chance de sucesso é de menos de 10% das vacinas testadas. A vacina desenvolvida mais rapidamente é a contra o vírus ebola, que levou cinco anos até ser colocada no mercado. Levou dois anos para ser testada em pessoas e mais três para chegar ao mercado, em 2019. Ela também foi criada em caráter de urgência, pulou várias etapas do desenvolvimento convencional e foi testada em pessoas já em 2016.

No caso da covid-19 há mais um agravante: precisaremos de bilhões de doses de vacinas. Isso é muito diferente da vacina contra o ebola, que só é dada em pessoas que estão ao redor de uma região atingida pelo vírus. Além de precisar ser muito efetiva, a vacina contra o novo coronavírus não pode causar reação nas pessoas. Podemos chegar a um ponto em que teremos uma vacina que funcione relativamente bem e possa ser usada em profissionais da saúde e, depois, uma vacina realmente segura, que levou mais tempo para ser criada e que será distribuída para as pessoas em geral.

O uso de máscaras agora é visto pela comunidade científica como uma prática importante para conter a propagação do vírus. Qual tipo de máscara pode evitar a propagação do vírus ou o contágio?

O tipo de máscara que mais protege são a N95 e PFF3. A N95 tem esse nome porque bloqueia 95% das partículas e a PFF3 é assim chamada porque tem três camadas de proteção pessoal. Essas são as mais indicadas para profissionais de saúde, até porque precisam de cuidados especiais com o elástico, o usuário não pode ter barba e precisa proteger o nariz. É preciso ter uma capacitação para usar esse tipo de máscara e também é necessário um monitoramento constante do seu posicionamento no rosto.

A máscara cirúrgica protege relativamente bem. Ela é feita de outro tecido e barra muitas partículas, mas menos do que as outras duas. Elas também são recomendadas para profissionais de saúde a essa altura da pandemia porque esses materiais de proteção estão em falta no mundo todo, uma vez que todos os países competem por eles.

Quais máscaras a população pode usar para se proteger?

Com a alta demanda de profissionais de saúde, sobram as máscaras feitas de algodão puro ou mesclado com outros materiais. Elas protegem menos do que as cirúrgicas, mas, ao menos, barram o grosso das partículas de saliva. Devemos usar esse tipo de máscara porque protege tanto do ponto de visto do contágio quanto da disseminação do vírus. A capacidade de transmissão da covid-19 antes da aparição de sintomas é um agravante muito sério. Há também cerca de 20% das pessoas que pegam o vírus, não desenvolvem sintomas e podem transmiti-lo a outros indivíduos, embora essas pessoas transmitam menos o coronavírus. As máscaras, portanto, são protetoras o suficiente para incentivarmos que a população as utilize.

Outras pandemias como essa podem acontecer, dada a capacidade de mutação dos vírus?

Imaginamos que o novo coronavírus possa continuar a infectar as pessoas mesmo depois de um primeiro contágio. Há precedente nisso em outros coronavírus e vírus respiratórios, embora as complicações tendam a ser menos sérias do que na primeira infecção. Temos que contar com isso nas estratégias de contenção e imunização. Como o vírus Sars-CoV-2 [novo coronavírus] ainda não tem nem um ano, não podemos saber por quanto tempo as pessoas podem ficar imunizadas após um primeiro contágio. Mas os vírus têm uma capacidade de saltar de hospedeiro, principalmente onde as pessoas convivem com outros animais silvestres que tenham vírus respiratórios ou gastrointestinais com potencial de saltar para o organismo humano. Esse é o caso do vírus influenza e de outros coronavírus. Por isso, existe sim a capacidade e possibilidade de outros vírus mais contagiosos, letais e preocupantes do que o Sars-CoV-2 saltarem para humanos, assim como foi o caso da Mers [síndrome respiratória do Oriente Médio], da Sars, e, aparentemente, da gripe espanhola de 1918.

Quais lições a humanidade pode tirar dessa pandemia?

Agora é a hora de aprender as lições. Os países precisam ter a capacidade de responder rápido, monitorar o vírus, desenvolver vacinas, preparar laboratórios, aumentar o número de pessoas capacitadas e ter a capacidade de fechar escolas e escritórios quando for necessário.

É preciso, também, estimular hábitos de higiene, como lavar as mãos com frequência, deixar os sapatos na entrada de casa, usar máscaras e fazer distanciamento social quando for preciso. Isso nos ajudará em outras pandemias, que têm risco de acontecer.

Os países asiáticos lideram bem com a covid-19 porque já tinham a experiência com a Sars, no começo dos anos 2000, e com a Mers, em 2015. Devido às críticas recebidas durante a gestão dessas crises, foram desenvolvidos laboratórios e os países os deixaram preparados. Espero que isso sirva de lição para todos nós neste momento e possamos criar uma infraestrutura que vai parecer dispendiosa por muitos anos até ser essencial.

O torneio de Wimbledon fez um seguro contra pandemias por conta da Sars em 2004 e pagaram dois milhões de dólares por ano até agora. Foram 32 milhões de dólares gastos para nada e, de repente, com a pandemia de 2020, eles estavam segurados, ganharam 141 milhões de dólares e não terão prejuízo por conta do cancelamento do torneiro neste ano. É esse tipo de mentalidade que países precisarão ter daqui para frente.

Leia a reportagem completa sobre o fenômeno das lives na quarentena na Revista EXAME

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