Coral invasor do Brasil tem alta capacidade de regeneração
O invasor coral-sol vem se espalhando pelos costões das ilhas brasileiras com grande velocidade, e ainda conta com grande capacidade de regeneração
Victor Caputo
Publicado em 12 de maio de 2018 às 07h00.
Última atualização em 12 de maio de 2018 às 07h00.
Detectado pela primeira vez no país no litoral do Sudeste no fim dos anos 1980 – quando começaram os trabalhos de prospecção de óleo e gás na Bacia de Campos – o coral-sol vem se espalhando pelos costões das ilhas brasileiras com grande velocidade e é considerado um invasor biológico.
“Na região de Ilhabela (SP), os costões submersos da Ilha dos Búzios estão em situação irrecuperável”, disse Marcelo Kitahara, professor no Departamento de Ciências do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus de Santos, e pesquisador colaborador no Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (USP).
Antes biodiversos e multicoloridos, os costões da Ilha dos Búzios se encontram inteiramente rajados de um alaranjado belo e intenso. Há pontos onde não se vê mais outra forma de coral e nem mesmo alguma porção de rocha nua.
“É preciso conter a expansão do coral-sol e evitar que o mesmo ocorra em outras ilhas. Há locais onde o manejo ainda é possível, mas isso requer a retirada manual completa de todas as colônias”, disse Kitahara.
Diversos pontos do litoral de São Paulo e do Rio de Janeiro apresentam sinais de invasão pelo coral-sol. É o caso do Arquipélago dos Alcatrazes, em São Sebastião (SP), área de Refúgio de Vida Silvestre.
“Uma vez que as plântulas de coral-sol se instalam em um costão, a colônia se multiplica com enorme velocidade. Tentamos entender por que isso acontece”, contou Kitahara, que coordena um projeto apoiado pela FAPESP com a finalidade de estudar a filogenômica dos corais, suas relações evolutivas e as mudanças climáticas.
Os primeiros resultados do estudo, que revelaram a surpreendente capacidade de regeneração do coral-sol, foram publicados no Journal of Experimental Marine Biology and Ecology com o sugestivo título Um pólipo a partir do nada – A extrema capacidade de regeneração do coral-sol invasor no Atlântico.
A primeira autora é a bióloga Bruna Louise Pereira Luz, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que atualmente está na Austrália para estudar o coral-sol na James Cook University, em Townsville, diante da Grande Barreira de Coral, como parte de seu programa de doutorado orientado por Kitahara.
São sete as espécies que compõem o gênero Tubastraea, todas nativas das águas tropicais dos oceanos Índico e Pacífico. Apenas duas espécies ocorrem no Atlântico Sul Ocidental, as invasoras Tubastraea coccinea e T. tagusensis.
Após os primeiros registros feitos na bacia de Campos, nos anos 1980, foram avistadas colônias em costões do litoral Sul do Rio de Janeiro nos anos 1990. Desde então, o coral-sol tem sido registrado em mais de 3 mil quilômetros da costa brasileira, desde Santa Catarina, ao sul, até ao largo do Ceará, mais ao norte.
“Caso nada seja feito para deter o seu avanço, acredita-se que o coral-sol tenha potencial para colonizar todo o litoral brasileiro”, disse Kitahara.
O aparecimento do invasor no exato momento em que começaram os trabalhos de extração de petróleo e gás não é um caso isolado do Rio de Janeiro. No Golfo do México existem vastos campos de extração de petróleo em alto-mar e, desde o início dos anos 2000, o coral-sol tem sido encontrado no litoral mexicano. Há inclusive registros de coral-sol sendo transportado incrustado no casco de navios.
“Não podemos afirmar que a exploração de petróleo na bacia de Campos resultou na invasão do coral-sol em nosso litoral, mas todos os indícios levam a esta conclusão”, disse Kitahara.
O coral é um esqueleto calcário construído a partir de colônias de pequenos animais chamados pólipos. Há dois tipos de corais: aqueles que têm uma relação simbiótica com algas, que fazem fotossíntese e liberam compostos orgânicos que auxiliam na alimentação dos pólipos, e aqueles que independem da alga para crescer e proliferar – caso do coral-sol.
“Como não possui algas, não está restrito a locais com luz para a realização de fotossíntese. O coral-sol ocorre geralmente a até 20 metros de profundidade, mas já foi registrado aos 110 metros. Uma vez que os pólipos se estabelecem num costão, criam grande número de colônias, dominando 100% do substrato”, explicou Kitahara.
Ao fazê-lo, tomam o lugar dos corais nativos, devastando as relações ecológicas com a fauna submarina que deles depende ou neles se abriga.
Kitahara percebeu os primeiros indícios do poder de regeneração do coral-sol durante mergulhos na Ilha dos Búzios. Foi quando o oceanógrafo percebeu algumas colônias com parte do esqueleto quebrado, que podem ter se partido pela ação mecânica do mar ou pela mordida de algum peixe. Semanas mais tarde, ao retornar ao local durante um outro mergulho, o pesquisador se surpreendeu ao notar a colônia completamente regenerada.
“A partir de um pequeno fragmento, a colônia toda se regenera. O poder de regeneração é assustador. Por isso, qualquer ação de manejo precisa adotar medidas para evitar a fragmentação. É preciso remover todo o esqueleto [a parte calcária morta do coral]”, disse.
Reorganização das células-tronco
Com o objetivo de entender os mecanismos que permitem a essas espécies se adaptar tão bem e proliferar tão rápido nos diversos ambientes marinhos, os pesquisadores coletaram na Ilha dos Búzios uma colônia de T. coccinea e outra de T. tagusensis.
No laboratório, foram retirados de cada colônia 120 fragmentos, compostos por esqueleto com tecido vivo, desprovido de boca, tentáculos e mesentérios. As amostras de cada espécie foram então separadas em dois grupos de 60 fragmentos muito pequenos (de 3,5 a 11 mm2) e pequenos (11 a 53 mm2). Cada um dos 240 fragmentos foi depositado em frascos com água salgada filtrada.
Para cada combinação de espécies e tamanhos dos fragmentos, os indivíduos foram separados em três grupos de 20 fragmentos, mantidos a uma temperatura constante de 24 ºC (temperatura média histórica da água superficial na região), 27 ºC (temperatura média da superfície do mar no verão) ou 30 ºC (como observado durante as ondas de calor na região).
Finalmente, os efeitos da presença de alimento foram testados pela adição de uma quantidade igual (10 ml) de zooplâncton vivo a cada dois dias para metade dos recipientes.
Os fragmentos foram fotografados no primeiro dia do experimento e também quando a boca e o pólipo completo foram observados pela primeira vez. Apenas 41 (17,1%) dos 240 fragmentos sofreram necrose dos tecidos e morreram. Os outros 199 fragmentos (86,9%) se regeneraram. Destes, 21 sofreram um padrão alternativo de regeneração, com a formação de dois pólipos, em vez de um só.
Independentemente da espécie, a sobrevivência dos fragmentos de coral foi afetada apenas pela temperatura, sendo que a taxa de sobrevivência foi maior a 24 ºC. Não houve diferença entre os mantidos a 27 ºC e a 30 ºC. O suprimento de alimentos e o tamanho dos fragmentos não afetaram a sobrevivência.
A regeneração observada seguiu os seguintes passos: após a retração inicial do tecido, um embrião da boca (às vezes duas bocas para um único fragmento) tornou-se perceptível. Em seguida observou-se a reorganização dos tecidos em torno da boca embrionária, levando à formação de dois pequenos pólipos distintos, ou reabsorção de um dos embriões. Nesse último caso, observou-se uma importante diferenciação dos tecidos em torno da boca embrionária remanescente, resultando em um pólipo maior.
“Observamos um fenômeno muito interessante. Do ponto de vista celular, houve uma reorganização das células-tronco. O pólipo em formação consumiu tecido como fonte de energia para privilegiar a produção de outras partes do corpo”, disse Kitahara.
Os resultados gerais do experimento sugerem taxas de regeneração mais rápidas para temperaturas mais altas. As regenerações mais rápidas da boca entre os fragmentos sem contato com alimentos foram de 23 dias, quando mantidos a 24 ºC, e de 18 dias, a 30 ºC. No entanto, quando em contato com o zooplâncton vivo, indivíduos mantidos a 27 ºC tiveram um desenvolvimento da boca 30% mais rápido. Isso indica que o desenvolvimento ótimo da boca ocorreu na temperatura intermediária (27 ºC), desde que em presença de alimento.
A regeneração dos tecidos para ambas as espécies até a formação de um pólipo completo foi de cerca de 25 dias, nas temperaturas de 27 ºC e 30 ºC. Indivíduos não alimentados da espécie T. coccinea precisaram de 41 dias para formar o pólipo.
Como explicou Kitahara, o fato de o coral-sol se regenerar mais rapidamente em temperaturas mais elevadas tem grande implicação para seu sucesso invasivo. Geralmente, quando há elevação na temperatura da água superficial, os corais nativos da costa brasileira sofrem branqueamento .
“Eles perdem a cor. O aquecimento das águas interfere no metabolismo das algas em simbiose com os corais. Embranquecido, o coral sobrevive por alguns dias. Se o aquecimento perdura, ele morre. O branqueamento ou a morte dos corais nativos abre a oportunidade para a invasão do substrato pelo coral-sol”, explicou.
De acordo com Kitahara, os próximos passos da pesquisa envolvem, do lado molecular, o sequenciamento do genoma do coral-sol. Do ponto de vista ecológico, o grupo pretende investigar os aspectos biológicos da invasão e como ela afeta a fauna marinha nativa.
Na avaliação do pesquisador, o futuro não parece promissor para os corais nativos da costa brasileira. Para o coral-sol, ao contrário, parece brilhante. De um lado, as mudanças climáticas globais e o aquecimento das águas favorecem o invasor, que se regenera melhor em águas mais quentes, enquanto os corais nativos correm o risco de morrer. Além disso, a extração de petróleo nas águas brasileiras tende a se expandir.
O artigo A polyp from nothing: The extreme regeneration capacity of the Atlantic invasive sun corals Tubastraea coccinea and T. tagusensis (Anthozoa, Scleractinia) (doi: https://doi.org/10.1016/j.jembe.2018.02.002 ), de B. L. P. Luz, K. C. C. Capel, C. Zilberberg. A. A. V. Flores, A. E. Migotto e M. V. Kitahara, está publicado neste site.