Ciência

Como esta cientista curou o próprio câncer de mama — e por que isso não deve ser repetido

Beata Halassy, virologista croata, usou vírus cultivados em laboratório para tratar seu próprio tumor, desafiando normas éticas e científicas

Publicado em 22 de novembro de 2024 às 14h34.

Última atualização em 22 de novembro de 2024 às 14h43.

A virologista croata Beata Halassy, da Universidade de Zagreb, desafiou limites éticos ao tratar seu próprio câncer de mama em estágio 3 com uma técnica experimental chamada viroterapia oncolítica (OVT). Aos 49 anos, após enfrentar duas recidivas no mesmo local onde já havia feito uma mastectomia, Halassy decidiu evitar uma nova rodada de quimioterapia e optou por desenvolver e testar um tratamento próprio, segundo a revista científica Nature.

Halassy está livre do câncer há quatro anos após ter administrado em si dois tipos de vírus cultivados em laboratório: o vírus do sarampo e o vírus da estomatite vesicular (VSV). Ambos já foram testados em ensaios clínicos contra o câncer, mas não há medicamentos aprovados que utilizem essa técnica para câncer de mama em nenhuma etapa da doença.

Como funciona a viroterapia oncolítica

A OVT é uma abordagem emergente no tratamento do câncer que utiliza vírus para atacar células tumorais e estimular o sistema imunológico. Até agora, estudos clínicos focam principalmente em casos de câncer metastático, mas pesquisas recentes têm investigado o uso em estágios iniciais. Nos Estados Unidos, apenas um medicamento de OVT — o T-VEC — foi aprovado, e exclusivamente para melanoma metastático.

Halassy, especialista na manipulação de vírus, usou cepas com histórico seguro. O vírus do sarampo, por exemplo, é amplamente utilizado em vacinas infantis, e o VSV costuma causar apenas sintomas gripais leves. Durante dois meses, um colega administrou injeções diretamente no tumor usando material fresco produzido pela própria cientista. O processo foi monitorado por oncologistas, que poderiam intervir com quimioterapia se necessário.

O tratamento gerou resultados significativos: o tumor reduziu de tamanho, se tornou mais maleável e se descolou do músculo peitoral, permitindo sua remoção cirúrgica. Exames revelaram uma intensa infiltração de linfócitos — células imunológicas — no tumor, indicando que a terapia estimulou a resposta imunológica esperada. Após a cirurgia, Halassy completou o tratamento com o medicamento anticâncer trastuzumabe por um ano.

Ética e controvérsia

Apesar do sucesso clínico, Halassy enfrentou resistência ao tentar publicar sua experiência. Mais de 12 revistas rejeitaram o artigo devido a questões éticas, já que o estudo envolvia autoexperimentação. Essa prática, embora historicamente associada a avanços científicos, é vista como problemática por estimular outros a evitarem tratamentos convencionais em favor de técnicas não comprovadas.

Especialistas, como Jacob Sherkow, pesquisador da Universidade de Illinois, ressaltam que a publicação de casos como esse pode incentivar pessoas a buscar terapias experimentais sem o devido preparo. No entanto, também é crucial não descartar o conhecimento derivado da autoexperimentação. O artigo de Halassy enfatiza que autotratamentos não devem ser a primeira escolha em um diagnóstico de câncer.

Apesar das críticas, Halassy defende sua decisão e acredita que a complexidade técnica do tratamento impede sua reprodução por leigos. Ela também afirma que o sucesso da experiência mudou o foco de sua pesquisa. Em setembro, ela recebeu financiamento para investigar a viroterapia no tratamento de câncer em animais domésticos.

“O foco do meu laboratório mudou completamente por conta da experiência positiva com meu autotratamento”, conclui Halassy.

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