Ciência

Como é trabalhar na produção da primeira vacina brasileira contra covid-19

No Dia Nacional da Ciência, saiba mais sobre a ButanVac e conheça 4 funcionários responsáveis pela sua produção no Instituto Butantan

 (Nuno Fonseca/Exame)

(Nuno Fonseca/Exame)

LP

Laura Pancini

Publicado em 8 de julho de 2021 às 06h00.

Última atualização em 8 de julho de 2021 às 11h18.

uncionária do Butantan usando roupa de proteção

ButanVac: Fase I dos testes clínicos começa em breve (Nuno Fonseca/Exame)

Orgulho e comprometimento. São com esses adjetivos que os colaboradores do Instituto Butantan descrevem seu esforço na produção da vacina contra o coronavírus ButanVac, que preenche 12 horas de trabalho diário na fábrica e permite apenas 36 horas de descanso na semana.

A rotina é intensa, mas os funcionários “chão de fábrica” são motivados por um ideal maior: salvar vidas com vacinas. São mais de 300 colaboradores trabalhando todos os dias desde abril de 2021, logo após o fim da produção da Influenza, vacina contra a gripe.

O imunizante do Butantan começou a ser desenvolvido em um momento em que a campanha de vacinação no Brasil caminha lentamente, com apenas 13% da população protegida com duas doses.

Ela entra em um mercado com outros quatro imunizantes disponíveis: AstraZeneca/Oxford, Johnson & Johnson/Janssen, Pfizer/BioNTech e a CoronaVac, também produzida pelo instituto a partir de IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) vindo da China.

Ao mesmo tempo, o país teve a menor média de casos nesta terça-feira, 6, desde fevereiro. Foram 48.816 casos registrados, em comparação com 47.985 no dia 23 de fevereiro.

Também nesta terça, a região do Amazonas não registrou nenhuma morte por covid pela primeira vez desde o início da pandemia. Para especialistas, isso indica que a vacinação está gerando frutos, mesmo que devagar.

Mesmo assim, o Butantan irá garantir doses para o futuro incerto que a pandemia promete. O vírus da covid-19 ainda circulando pelo país abre espaço para novas variantes, que podem ser resistentes às vacinas já prontas. Além disso, especialistas vêm sugerindo que uma dose de reforço pode ser necessária no futuro para alguns imunizantes.

“Futuramente, se precisarem [da ButanVac], não vamos precisar ficar aguardando a vacina ou os insumos chegarem de outro locais”, disse Stephane Andrade, 26, técnica de produção do Butantan. “Nós teríamos tudo aqui para distribuir à vontade para a população.” 

Como é trabalhar na produção da ButanVac?

A vacina da ButanVac é feita da inoculação de um vírus modificado com a proteína da espícula da covid-19, responsável pela ligação do vírus com a célula. Ao longo do processamento, que leva por volta de 11 dias por lote, o vírus é inserido em ovos, onde cresce e é posteriormente inativado ou seja, não pode provocar nenhuma doença.

Para entrar na área comum da fábrica, é obrigatório o uso de touca e roupa branca de algodão. Já nas áreas classificadas, os colaboradores têm que realizar uma nova troca: eles colocam um novo macacão, uma segunda touca, dois pares de luvas, botas por cima do calçado e óculos de proteção.

Em casos como o de Renan Teodoro, 32, técnico de produção, é necessário tomar um banho já na fábrica e fazer três trocas de roupa antes de começar a trabalhar. “Trabalho na última etapa da produção da ButanVac, onde realizamos uma filtração para que a vacina fique ‘estéril’”, disse Teodoro à EXAME.

Ao todo, são 16 etapas para a produção da ButanVac: nas 5 primeiras, a equipe recebe os ovos e realiza o processo de inoculação da cepa viral. Na etapa 6, ocorre a colheita do líquido que contém o vírus e, entre as fases 7 a 10, ele passa pelas fases de clarificação e purificação.

Em vacinas como a da Influenza, o vírus passaria por uma etapa de fragmentação, mas ela não é necessária com a ButanVac. Portanto, as últimas fases são reservadas para inativação e filtração do vírus.

No momento, o Instituto Butantan está prestes a iniciar a Fase I dos testes clínicos. O objetivo desta primeira fase é indicar o nível de segurança e o número de doses necessárias para garantir proteção. Por enquanto, 8 milhões de doses já estão prontas no Instituto Butantan, de acordo com Douglas Macedo, 37, gerente de produção.

Douglas Macedo, gerente de produção responsável pela supervisão da fábrica e colaboradores (Instituto Butantan/Divulgação)

Antes no departamento de garantia de qualidade, Macedo recebeu a promoção para gerente de produção em junho de 2020. “Eu não sei se de fato a ficha caiu [risos], porque é uma posição muito importante e fico muito contente com esse desafio. Tenho tentado me dedicar ao máximo, mas tem esse contraponto de estarmos neste momento tão difícil de pandemia”, comenta Macedo.

Macedo é responsável em ser o facilitador entre os colaboradores e garantir que todos tenham as condições necessárias para executar cada etapa do processo de produção. O gerente descreve a rotina como intensa: “É uma fábrica grande e que absorveu um novo produto, então estamos ainda em discussões de aprovação do estudo clínico com a Anvisa, previsão de quantos lotes serão feitos, planejamento para o próximo período de produção, mais as questões administrativas.”

No esforço diário para produzir uma vacina que salvará vidas, Macedo acabou perdendo seu sogro por volta de 1 mês atrás. “É muito difícil estar em um projeto que se dedicou no combate à pandemia e aí perder uma pessoa assim tão próxima. Por um lado, você para pra pensar: será que eu, como indivíduo, poderia ter feito algo a mais para tentar evitar esse tipo de situação? E por outro, te dá um pouco mais de gás para continuar trabalhando.”

Funcionário do Butantan em escritório

Matheus Martins dos Santos, analista de produção júnior e parte da equipe administrativa do Butantan (Nuno Fonseca/Exame)

“Uma das minhas funções é exatamente minimizar o erro”, conta Matheus Martins, 22, também responsável pelos colaboradores da fábrica. O Butantan é seu primeiro emprego que não seja como estagiário e, no geral, sua responsabilidade é cuidar dos treinamentos de novos funcionários.

Falo sobre os procedimentos, como devemos nos portar dentro da fábrica e executar cada etapa do nosso processo”, conta Martins. “E depois passo uma provinha para eles.”

Ao entrar no Butantan em meio a pandemia, Martins tomou o máximo de cuidado possível entre a ida e volta entre o trabalho e sua casa na região de Guarulhos, onde ele mora com outros 7 familiares. “Assim que eu chegava da rua, tirava toda roupa fora de casa, corria para o banho e depois ia conversar com eles, mas sempre de máscara.”

Mesmo com todos os cuidados, Martins acabou contraindo covid-19 em dezembro de 2020 e passou o mês seguinte em isolamento. Para ele, a sorte foi o programa de testagem dos colaboradores no Instituto Butantan: “Acabei descobrindo aqui mesmo. No domingo comecei a ter sintomas e fiz a testagem na segunda.”

Sobre o trabalho diário que ele acompanha na fábrica, Martins avalia: “O comprometimento de todo mundo é absurdo. É uma coisa que chega a contagiar, mas não te cansa. Muitas vezes fiquei pensando qual era meu propósito, e aqui sinto que tenho um.”

Funcionária do Butantan usando roupa de proteção

Stephane Queiroz de Andrade, técnica de produção pleno responsável pela etapa de inativação do vírus na produção da ButanVac (Nuno Fonseca/Exame)

Responsável pelas etapas 13 e 14 da produção da ButanVac, Stephane Andrade, 26, garante que o vírus estará inativo e impedido de provocar doença. Sua jornada no Butantan começou em 2019, logo após a finalização do mestrado, quando o corte de bolsas e o interesse em migrar da área acadêmica a levou a não seguir com o doutorado.

“Eu me via trabalhando mais em pesquisa, mas acabei me interessando bastante pela área de produção”, conta Andrade. “Sempre me imaginei trabalhando com algo que eu via os resultados e os frutos do meu trabalho. Como técnica de produção, consegui alcançar isso.”

“Quando tomava vacina, não pensava muito da onde ela vinha ou era produzida”, relembra Andrade, que teve que manter contato mínimo com os pais idosos no primeiro ano de pandemia, mesmo morando na mesma casa. “Hoje sei que são profissionais de saúde que se arriscam todos os dias para continuar produzindo e para todo mundo conseguir uma vacina.” 

Funcionário do Butantan usando roupa de proteção

Renan Martins Teodoro, técnico de produção pleno que opera a área de esterilização do imunizante ButanVac (Nuno Fonseca/Exame)

“Meu filho costuma falar que sou o super-herói dele. Hoje digo que sou mesmo, porque o Butantan está salvando vidas e eu estou aqui também”, disse Renan Teodoro, técnico de produção responsável pela etapa de filtração. Trabalhador desde os 12, ele ingressou no Butantan em meados de 2019 na área de esterilização de materiais.

Hoje, Teodoro trabalha na sala de biossegurança mais elevada da fábrica e diz que a dificuldade é o que mais atrai ele à área — mesmo com as três trocas de roupas necessárias para iniciar o turno. 

“Nós temos que ter os movimentos bem minuciosos. Andar bem devagar, sempre com as mãos para o alto para que o ar leve para baixo qualquer partícula que caia nas pontas dos dedos, já que as usamos muito para amostrar vacina”, conta. 

Teodoro acredita que a conscientização deveria ser “um pouco maior” sobre o esforço dos colaboradores do Butantan. “Eu chego às 6h e saio às 9h, 11h da noite. Às vezes você tá no caminho de casa e vê que nem todo mundo tá se esforçando da maneira que pode para que o vírus acabe”, disse, enfatizando a necessidade de uso de máscaras, álcool gel e distanciamento social.

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