Ciência

Combate à varíola dos macacos não pode ter mesmo erro que na Aids, diz OMS

Os Estados Unidos e o Reino Unido já iniciaram campanhas de vacinação focadas em homens que fazem sexo com outros homens, grupo mais vulnerável à doença

Vacinas contra a varíola dos macacos (monkeypox). (Divulgação/Divulgação)

Vacinas contra a varíola dos macacos (monkeypox). (Divulgação/Divulgação)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 21 de julho de 2022 às 13h55.

Última atualização em 21 de julho de 2022 às 13h55.

Com 35 anos de experiência trabalhando no combate ao HIV e a outras infecções sexualmente transmissíveis, o epidemiologista Fábio Mesquita confessa que a ciência está em um "debate intenso" sobre a necessidade de adquirir e distribuir mais vacinas nesse estágio do surto de varíola dos macacos (monkeypox).

"Pode ser a solução, mas isso ainda não é um consenso", disse em entrevista ao Estadão. Alguns países, como Estados Unidos e Reino Unido, já iniciaram campanhas de vacinação focadas em homens que fazem sexo com outros homens, grupo mais vulnerável à doença.

Desde 2016, quando abandonou o comando do Departamento de Doenças de Transmissão Sexual, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, onde esteve por três anos, Mesquita integra o corpo técnico da Organização Mundial da Saúde (OMS). Hoje lotado em Mianmar, na Ásia, ele defende que o cuidado na comunicação sobre a varíola dos macacos está no "cerne da questão" para evitar que a doença aumente o estigma da população LGBT+.

"A forma de não cometermos o mesmo erro do passado é dizer que, nesse momento, a comunidade precisa ficar atenta, porque está disseminando o vírus de forma importante. Mas também precisamos afirmar que não há evidência científica de que o monkeypox ficará restrito a essas pessoas", aponta.

Por ora, já há algo sobre os motivos pelos quais a doença está disseminada principalmente entre o público de “homens que se relacionam com homens (HSH)”?

Isso ainda está em investigação. Basicamente, tentamos descobrir se a varíola dos macacos (monkeypox) é uma DST (doença sexualmente transmissível) pelo contato penetrativo ou se apenas pelo contato físico, que é o mais provável. Embora 98% dos casos mundiais são na população HSH, ainda não foi comprovada a transmissão sexual. Mas está nítido que a pessoa infectada teve contato físico com quem teve a doença.

Sabemos, por exemplo, que não é uma transmissão aérea, mas sim pelo contato físico. O que não está nítido é o grau de intimidade necessário para transmitir o vírus no contato.

É possível traçar algum paralelo com o início da epidemia do HIV?

Nesse momento, a varíola dos macacos está se espalhando nesse segmento da população. Mas temos o cuidado de não tachar isso como uma nova "peste gay", como chamaram no início da epidemia de HIV. Apesar da maior incidência, algumas mulheres já estão infectadas também. O HIV começou exatamente assim. Nossa hipótese, por enquanto, é que qualquer pessoa pode pegar a doença.

E como transmitir informações sobre a doença para essa população sem aumentar o estigma da comunidade?

Esse é o cerne das discussões internacionais, exatamente para não cometermos os mesmos erros do HIV. Naquela época, nossa ignorância era muito grande. Demoramos para entender a ciência, o que era e como transmitia. Olhamos só para o número de casos e como se ela fosse necessariamente associada a uma comunidade.

A forma de não cometermos o mesmo erro é dizer que, nesse momento, a comunidade precisa ficar atenta, porque está disseminando o vírus de forma importante. Mas também precisamos afirmar que não há evidência científica de que o monkeypox ficará restrito a ela. Ninguém está dizendo que é uma doença só dessa comunidade, mas, como já está entre ela, precisamos mandar mensagens importantes e específicas ao movimento gay e LGBT+, dizendo ao mesmo tempo que é muito cedo para afirmar que essa será uma doença específica.

No momento, não temos vacinas suficientes para a imunização em massa em nenhum lugar do mundo. Qual seria o melhor enfrentamento nesse estágio da doença?

Temos algumas polêmicas sobre esse assunto e as opiniões são divergentes sobre se a vacina vai segurar a disseminação nesse momento. Como vimos com a covid-19, precisamos de mais tempo pra ver o impacto e se vale a pena pensar em uma escala de produção global. Suponha que a imunização não tenha impacto na contenção do vírus - você estaria investindo em um campo que não sabe se é correto.

Os serviços de saúde mais avançados do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças), nos Estados Unidos, e do Departamento de Saúde, do Reino Unido, estão fazendo tentativas, até pelo alto número de casos nesses países, para ver se as intervenções com a vacina vão ter algum efeito, mas ainda é cedo demais para afirmarmos algo. Até porque a vacina que temos não é específica do monkeypox. Na ciência, há um debate intenso sobre isso, não é um consenso ainda.

Mas então como evitaríamos que a doença se espalhe ainda mais?

Clinicamente, as pessoas têm evoluído bem. Não é algo desesperador, então precisamos de mais tempo para entender que medidas podem ajudar a conter essa disseminação. Por exemplo: está nítido que o contato de pele é importante. A observação das pessoas é crucial, se tem ferida ou algo assim em quem elas está se relacionando. Esse é um caminho. O problema é que, por exemplo, se a pessoa está numa balada e lá é escuro, você não vê nada. Não é algo simples.

Como avalia a resposta do Brasil à doença?

A vantagem do Brasil é o SUS (Sistema Único de Saúde) e a independência dos Estados.

VEJA TAMBÉM:

Novo vírus Marburg acende alerta da OMS; entenda o surto da infecção que é prima do ebola

Varíola dos macacos: Anvisa faz recomendações sobre doação de sangue

Acompanhe tudo sobre:AidsDoençasMpoxVacinas

Mais de Ciência

Cientistas constatam 'tempo negativo' em experimentos quânticos

Missões para a Lua, Marte e Mercúrio: veja destaques na exploração espacial em 2024

Cientistas revelam o mapa mais detalhado já feito do fundo do mar; veja a imagem

Superexplosões solares podem ocorrer a cada século – e a próxima pode ser devastadora