Concepção artística de duas estrelas de nêutron se fundindo em uma (Robin Dienel/Carnegie Institution for Science/Divulgação)
AFP
Publicado em 16 de outubro de 2017 às 12h40.
Última atualização em 16 de outubro de 2017 às 12h42.
Cientistas observaram pela primeira vez a fusão de duas estrelas de nêutrons, um dos fenômenos mais violentos do Universo, que fornece respostas para vários mistérios, como a origem do ouro na Terra.
"O que é maravilhoso é que assistimos a toda história do início ao fim: vimos as estrelas de nêutrons se aproximarem, girar cada vez mais rápido uma ao redor da outra, vimos a colisão, a matéria e os resíduos enviados em todas as direções", explicou à AFP Benoît Mours, do Centro Nacional de Pesquisa Científica francês.
As duas estrelas foram detectadas em 17 de agosto, quando os centros de pesquisa americano LIGO e europeu Virgo detectaram durante 100 segundos ondas gravitacionais inéditas.
"Todos ficaram fascinados", relatou Mours, cientista responsável pela colaboração de Virgo para a França.
Dois segundos após a detecção das ondas, um "flash" de luz na forma de raios gama foi detectado pelo telescópio Fermi da Nasa, a agência espacial americana. Seguiram-se, então, outros "mensageiros" do espaço: raios X, ondas ultravioleta, infravermelho e ondas eletromagnéticas.
"Fomos capazes de 'ouvir o Universo'", entusiasma-se Gregg Hallinan, do Instituto de Tecnologia da Califórnia.
As estrelas de nêutrons são os objetos mais densos do cosmos, variando de 1,1 a 1,6 vezes a massa do Sol.
Se fosse possível preencher uma pequena colher com uma estrela de nêutrons, pesaria o equivalente a 100 mil Torres Eiffel.
Esses pequenos corpos são vestígios de estrelas maiores que, no final de sua vida, explodem violentamente. Uma vez terminada a explosão - um fenômeno chamado supernova - sobram objetos extremamente densos: estrelas de nêutrons ou, se a massa da estrela for maior, um buraco negro.
As duas estrelas observadas em agosto eram do tamanho de uma cidade como Londres e giravam uma em torno da outra na constelação de Hydra, no Hemisfério Sul, a 130 milhões de anos-luz de distância.
Os dois corpos "alcançam temperaturas extremamente altas, de até um milhão de graus. São muito radioativos, seus campos magnéticos são incrivelmente intensos e seriam fatais para qualquer corpo que se aproximasse", explicou Patrick Sutton, chefe da equipe de física gravitacional da Universidade de Cardiff, do Reino Unido.
"Sem dúvida, hoje representam o ambiente mais hostil do Universo", acrescentou.
Embora sua fusão tenha sido prevista por modelos, nunca antes um fenômeno havia sido observado.
A descoberta é o tema de mais de uma dúzia de estudos publicados nesta segunda-feira nas prestigiadas revistas científicas "Nature" e "Science".
Envolveu pelo menos 1.200 cientistas e mais de 70 observatórios na Terra e no espaço.
As detecções realizadas em 17 de agosto e as observações que se seguiram permitiram saber um pouco mais sobre as estrelas de nêutrons.
Os pesquisadores estabeleceram uma nova maneira de medir a velocidade da expansão do universo e confirmaram a teoria de Albert Einstein de que a gravitação se propaga à velocidade da luz.
Eles também resolveram o enigma da origem dos elementos mais pesados como chumbo, ouro, ou platina, uma vez que fusões desse tipo de estrelas são, de fato, fábricas de elementos pesados, devido à abundância de nêutrons.
E não termina aqui: "Temos dados suficientes para nos ocuparmos por um bom tempo!", comemorou Mours.
"Com as ondas gravitacionais, conseguimos detectar um grande acontecimento. Trata-se de uma nova maneira de ver o Universo", acrescentou.
Resultado de eventos galácticos violentos, o fenômeno foi detectado diretamente pela primeira vez em setembro de 2015, mas até agora sua observação havia sido realizada exclusivamente na fusão de buracos negros.
O Nobel de Física deste ano foi para os três americanos - Rainer Weiss, Barry Barish e Kip Thorne - que atestaram a existência de ondas gravitacionais, confirmando, assim, outra previsão de Einstein.