Ciência

A ciência por trás do experimento agrícola mais longo da história

Em curso há 176 anos, experimento de Broadbalk já trouxe diversas respostas para as dúvidas da agricultura —e continua a fazê-lo

Vista aérea de Broadbalk: cada faixa do campo, de 6 hectares, é usada para um teste diferente e tem o solo em um estado distinto. Um dos pedaços não recebe fertilizantes desde 1843 (Rothamsted Research/Divulgação)

Vista aérea de Broadbalk: cada faixa do campo, de 6 hectares, é usada para um teste diferente e tem o solo em um estado distinto. Um dos pedaços não recebe fertilizantes desde 1843 (Rothamsted Research/Divulgação)

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Gustavo Gusmão

Publicado em 23 de fevereiro de 2019 às 07h05.

Última atualização em 25 de fevereiro de 2019 às 09h50.

Harpenden, Reino Unido* — "Não precisava ser tão longo, definitivamente." É assim, de forma bem-humorada, que Ian Shield, agrônomo do instituto de pesquisa britânico Rothamsted Research, descreve o mais antigo experimento agrícola contínuo do mundo, Broadbalk. Mas apesar da piada, Shield também é enfático: pesquisadores já encontraram muitas respostas que só seriam possíveis em uma experiência de longo prazo como essa, mantida e monitorada há 176 anos em um campo de 6 hectares na cidadezinha de Harpenden.

O experimento foi iniciado em 1843 por John Lawes e Joseph Gilbert, o empreendedor e o cientista que fundaram a Rothamsted. A ideia da dupla era avaliar como diferentes tipos de fertilizantes, orgânicos ou não, afetavam o desenvolvimento de uma variedade de trigo, a de inverno, no decorrer dos anos. Estabeleceram, então, que plantariam novas levas a cada outono para poder ter mais o que estudar — e também deixariam um pedaço de terra sem adubagem para efeito de comparação. E assim é feito desde então.

No decorrer dos anos, os testes revelaram, por exemplo, que plantações sem fertilizantes de fato têm os piores resultados. Mais do que isso, também mostraram que o adubo não-orgânico, apesar do efeito positivo no começo, danifica o solo, enquanto o orgânico, como o esterco de vaca, só o deixa mais rico em carbono, o que traz benefícios no longo prazo.

Broadbalk em 1925 (Rothamsted Research)

"As primeiras dúvidas dos pesquisadores foram resolvidas logo nas primeiras décadas do experimento", explica Shield, que lidera as pesquisas de campo em Rothamsted. Mas os testes originais continuaram por seu valor demonstrativo e científico, embora ocupando apenas uma parte do vasto espaço do campo de Broadbalk. Pelo restante do campo, novas hipóteses começaram a ser levantadas e testadas.

O espaço de seis hectares, antes dividido em poucas faixas e monopolizado pelo trigo, hoje tem áreas em que ocorre a rotação de culturas. Pesquisadores plantam nelas aveia, milho e outros grãos, além da gramínea original, em diferentes intervalos para entender o efeito dessa rotatividade no desenvolvimento das plantas. Também passaram a avaliar a reação das plantações à aplicação (ou não) de fungicidas a partir da década de 70, expandindo as pesquisas que ficavam limitadas aos herbicidas. "E disso tudo ainda surgem os experimentos derivados: qual deve ser o efeito de se aplicar fungicida em um pedaço de terra que não recebe esse tipo de substância há décadas? Quantas pessoas têm um pedaço de terra assim? Ninguém teria previsto a utilidade disso no começo do experimento", diz Shield.

O sucesso contínuo de Broadbalk já motivou a Rothamsted a tentar um novo teste de longo prazo, desta vez em outro espaço e com outro objetivo. A ideia agora é avaliar a inclusão de uma variedade maior de culturas em um sistema de agricultura de rotação. Shield tem em mente o pasto, mas não só: o agrônomo também quer ver o efeito da introdução do gado no revezamento. "Quero juntar os dois, plantações e pecuária, de novo, para tornar as fazendas mais diversificadas e melhorar o uso da terra. Os animais devem ajudar a enriquecer o solo, danificado pelo cultivos das mesmas culturas", espera o especialista. Mas claro, é impossível saber se o experimento realmente será de longo prazo como Broadbalk. Essa é só a expectativa.

* O jornalista viajou a Harpenden a convite da Embaixada Britânica no Brasil pelo projeto Ano Brasil-Reino Unido de Ciência e Inovação.

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