Mente sã (Thinkstock)
Da Redação
Publicado em 17 de abril de 2015 às 17h17.
Última atualização em 7 de julho de 2022 às 19h02.
Você conseguiria decorar a ordem das cartas de um baralho? Nelson Dellis, Campeão da Memória nos Estados Unidos por cinco vezes (2011, 2012, 2014, 2015 e 2021), consegue fazer isso em 40 segundos.
Alguém pode perguntar: como ele consegue fazer isso, enquanto eu mal lembro o que comi no café-da-manhã? A resposta engloba um conjunto de fatores, mas um dos pontos essenciais é treino.
Dellis começou a exercitar sua memória em 2009, pouco tempo após o falecimento de sua avó, que sofria com o Mal de Alzheimer. Ele veio ao Brasil para participar do 1º Workshop sobre a Saúde do Cérebro, organizado pela empresa DSM.
Lá, contou porque começou seu trabalho com a mente. “Percebi que a memória é algo tão frágil. Eu não queria que a mesma coisa que aconteceu com minha avó se passasse comigo. Comecei a fazer pesquisa e descobri que a memória é treinável”, afirmou.
Além de exercitar seu cérebro, Dellis criou também a ONG Climb for Memory, voltada para a conscientização e arrecadação de fundos para pesquisa da doença de Alzheimer.
Com esse projeto, ele reúne grupos para escalar montanhas pelo mundo e espalhar informações sobre a importância de se cultivar a memória.
De acordo com Sonia Brucki, médica neurologista e professora da Universidade de São Paulo, também presente no workshop, embora o avanço da idade e a genética sejam fatores imutáveis que podem prejudicar a memória, é possível manter o cérebro jovial por mais tempo, além de recuperar a agilidade mental a habilidade da memória, com a adoção de certos hábitos.
“O cérebro é uma coisa muito plástica. Em qualquer época da vida, é possível mudar e melhorar suas funções”, disse a especialista.
O importante, segundo ela, é estimular a mente para retardar ao máximo o declínio cognitivo, que inevitavelmente acontecerá na velhice.
A seguir, você confere alguns hábitos simples para lembrar-se melhor das coisas e manter a cabeça saudável.
A técnica usada por Dellis para memorizar cartas, números, palavras e quaisquer outras informações é relativamente simples, apesar de exigir treino. Segundo ele, para conseguir recordar das coisas com mais facilidade, basta associar a informação a uma imagem.
“Nosso cérebro lida melhor com imagens do que com informação abstrata”, disse durante sua apresentação. Para decorar a ordem das cartas de um baralho, por exemplo, ele relaciona cada uma delas a alguém ou algo. O naipe de Copas é representado por pessoas de sua família e entes queridos, sendo que o Rei é seu pai.
Depois, ele cria situações em sua mente para fixar a informação. Assim, ao se valer dessa pequena “história” imaginária, ele consegue se lembrar das cartas na ordem certa.
Esse artifício, de criar cenas em sua cabeça, pode ser usado para memorizar várias outras informações, como sequências de números e nomes. Quanto mais marcantes forem essas representações, melhor, para chamar a atenção do cérebro.
Em um exercício, durante o workshop, Dellis pediu que os presentes tentassem gravar um grupo de palavras desconexas.
Duas delas eram “girafa” e “pé”. Ao invés de sugerir que imaginassem o animal e o membro separadamente, ele levou a plateia a pensar em uma girafa com um pé humano.
Essa representação bizarra, recheada de detalhes em sua descrição, foi o suficiente para que todos conseguissem fixar na memória estes termos (além de outros propostos no exercício).
Para o campeão de memória, grande parte daquilo que pessoas saudáveis esquecem fica para trás por dois motivos principais: ou a informação não recebeu muita atenção ou sua representação criada na mente não foi forte e detalhada o suficiente.
Mas o que fazer com tantas representações “soltas” em nossa mente? Nelson Dellis explica que não adianta associar imagens a coisas, se, na hora de buscar a informação, não souber onde ela está guardada.
Ele compara nossa cabeça a um computador, em que é necessário separar bem os arquivos em pastas organizadas, para evitar confusões e a perda de dados. É aí que entra mais um exercício de criatividade.
As imagens criadas devem ser “acomodadas” em algum espaço que a pessoa frequente ou já tenha frequentado, por exemplo, a casa onde vive, a sala onde trabalha, um parque ou, simplesmente, o ambiente em que está neste exato momento.
Essa noção espacial é importante para compartimentar as informações na mente e torná-las mais acessíveis, quando se fizerem necessárias.
Para lembrar as coisas, é preciso que suas representações sejam projetadas em pontos específicos do ambiente, como uma janela, o fundo da sala ou a porta, que serão o “palco” onde a cena imaginária deve acontecer.
Assim, as memórias desejadas poderão ser resgatas no caminho percorrido em pensamento. Voltando ao exemplo da girafa com pé humano: fica mais fácil lembrar as palavras “girafa” e “pé” se essa imagem grotesca aparecer na porta do banheiro da sua casa, do que se essa representação não for posicionada em um local específico.
Seja memorizando a ordem de um baralho, seja fazendo palavras-cruzadas, seja aprendendo um novo idioma, o exercício mental é essencial para manter uma mente saudável.
De acordo com a neurologista Sonia Brucki, as atividades mnemônicas são usadas desde a Grécia antiga e até hoje mostram resultado positivo no desenvolvimento cognitivo das pessoas. Ela afirma que estudos têm revelado a importância da atividade intelectual para a melhora da memória e das funções cerebrais.
A atividade deve ser escolhida de acordo com as preferências pessoais de cada um. O importante é não ficar parado.
O clichê “corpo são, mente sã” tem sua razão de existir. Nelson Dellis e Sonia Brucki concordam que as atividades físicas são essenciais para que a o cérebro funcione bem e consiga reter mais informações.
Sonia explica que os exercícios são importantes porque melhoram a função cardiovascular, aumentam o fluxo sanguíneo do cérebro, promovem crescimento dos neurônios e aumentam as conexões da região do hipocampo, responsável pela memória.
Ela ainda citou diferentes estudos que mediram o declínio cognitivo com o passar do tempo.
Um dos resultados mostrou que pessoas que praticam atividade física regularmente têm 38% menos risco de baixa nas funções cognitivas, em relação a sedentárias.
Nelson Dellis adotou a escalada e o cross-fit para manter a forma.
A alimentação também é um fator importante no processo. De acordo com a médica, a melhor opção de cardápio é aquela que inclui muitos vegetais, alimentos ricos em ômega 3 e ômega 6 (atum, salmão e arenque), vitamina E (óleos vegetais e sementes) e ácido fólico (feijão e fígado).
As dietas mediterrânea e mind (junção da mediterrânea e a DASH) também foram citadas por Sonia como opções que têm surtido efeitos positivos para a saúde do cérebro.
A ideia básica desses programas alimentares é reduzir o máximo possível de ingredientes industrializados (doces, cheios de sódio e gordurosos) e consumir muito peixe, frutas, verduras, legumes, grãos integrais, gorduras boas (não saturadas) e uma taça de vinho por dia.
A vida social ativa é um fator que ajuda muito na manutenção de uma boa memória, de acordo com Sonia e Nelson.
As conexões com outras pessoas são importantes para a qualidade de vida da pessoa e estudos já mostraram que pessoas com relações sociais mais ricas têm desempenho cognitivo melhor do que aquelas de pouca vida social. Isso é importante principalmente na velhice, já que os idosos tendem a se isolar mais e evitar sair de casa.
Diante disso, é essencial estimular as amizades e compromissos, para que as conexões se mantenham.
Assim como o cultivo das relações sociais, o bom humor é muito importante para um melhor funcionamento do cérebro, segundo a neurologista. Em uma rotina tão estressante, cheia de preocupações e frustrações, essa tarefa parece muito difícil, mas o esforço vale a pena.
Para Nelson Dellis, seguir essa receita não é garantia de memória infalível. “Eu ainda esqueço as coisas. Minha ex-namorada já brigou comigo por não me lembrar de coisas que ela gostaria que eu lembrasse”, conta.
Nem tudo exige ou merece ser lembrado, mas, para aquilo que vale a pena, os treinos e a mudança de estilo de vida podem ser muito úteis.
Pesquisadores analisaram a técnica de memorização usada pelo personagem Sherlock Holmes, a revista Science Advances divulgou os resultados analisando o método de Loci.
No método de Loci, as pessoas navegam mentalmente por um espaço familiar.
Para lembrar de alguma informação no futuro, a pessoa "deixa" a memória em algum lugar no caminho e, depois, refaz os passos para pegá-la.
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