Casual

Startups brasileiras desbravam o mercado de beleza customizada

Bancos de dados robustos e Inteligência Artificial são os novos insumos das startups brasileiras que começam a desbravar o mercado de beleza customizada

Cliente da MeuQ, startup brasileira de haircare: cuidados customizados com o cabelo (Leandro Fonseca/Exame)

Cliente da MeuQ, startup brasileira de haircare: cuidados customizados com o cabelo (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 7 de junho de 2023 às 08h00.

No início de 2023, a beautytech brasileira Just­ForYou enfrentou um “problema do bem”. A demanda pelos cosméticos capilares feitos sob medida cresceu tanto na Black Friday e nas festas de fim de ano que o prazo de entrega dos produtos saltou de dois para 12 dias corridos. “Mas as clientes entenderam e tivemos poucas reclamações”, diz Beatriz Zogaib, sócia-fundadora da marca lançada em 2018. O case da Just­ForYou é uma amostra de como o mercado de beleza customizada cresce a passos largos. No exterior, é possível encomendar xampus e condicionadores personalizados há mais de uma década. Já no cenário brasileiro, a hiperpersonalização de cosméticos é bem mais recente e ganhou tração somente durante a pandemia.

A confiança de que os cosméticos personalizados funcionarão melhor do que os convencionais somada à praticidade do e-commerce é a principal motivação dos consumidores, que deixam de comprar na prateleira das perfumarias tradicionais para manipular o próprio xampu na internet. Utilizando tecnologia de ponta, as startups brasileiras do nicho funcionam de forma semelhante. Primeiro, extraem o máximo de informações sobre os hábitos e os desejos dos clientes. Em seguida, processam esses dados em uma inteligência artificial (IA) que formula um produto único em poucos segundos.

Na JustForYou, que funciona com 60 colaboradores e possui fábrica própria em Vinhedo, no interior de São Paulo, uma IA batizada de Júl(IA) é o core do negócio. “Somos uma das beautytechs que mais possuem dados sobre rotina, necessidades, efeitos desejados e tipos de cabelo das mulheres brasileiras. Armazenamos dados de mais de 2,6 milhões de formulários únicos preenchidos pelas clientes”, conta Zogaib. A marca nasceu inspirada nas americanas Prose e Function of Beauty, mas diz que o negócio que implementou no Brasil é diferente. “As necessidades das brasileiras diferem das americanas. Olhamos muito para o público nacional para criar a marca, que ficou completamente diferente do que existe lá fora.”

Com um quê de blog de beleza, o e-commerce da JustForYou possui artigos em que as clientes encontram informações detalhadas sobre os produtos e entendem como a personalização é feita pela IA, uma forma de quebrar o gelo do primeiro contato. A jornada de compra inclui o preenchimento de um formulário com 17 perguntas, que vão desde hábitos alimentares até quantas vezes a consumidora lava o cabelo, se faz atividade física, se costuma entrar na piscina ou no mar com frequência, se toma sol, se sofre de queda de cabelo ou de algum tipo de alergia. “Mesmo que a cliente não queira comprar, nós enviamos por e-mail qual seria a fórmula ideal para tratar o cabelo dela”, diz Zogaib.

Desde sua fundação, há quatro anos, o faturamento médio anual da JustForYou é de 10 milhões de reais. Até 2024, a previsão da empresa é dobrar o faturamento médio. Hoje, a marca entrega para todo o país, e o tíquete médio é de 149 reais. Com uma comunidade digital nichada, porém muito engajada, a empresa tem mais de 400.000 seguidores nas redes sociais e aposta no marketing de influência e no social listening. Um exemplo é o leave-in da marca, criado para servir como creme de pentear, mas que também hidrata e oferece proteção térmica, demandas que pipocaram no Instagram e foram incorporadas ao portfólio. “Escutamos nossas clientes ativamente. Todos os nossos feedbacks são incorporados à IA.”

De acordo com a WGSN, a beleza customizada com dados será uma das principais tendências do setor nos próximos anos. Bruna Ortega, especialista em beleza da consultoria, argumenta que, no mercado brasileiro, a pandemia emprestou olhos mais criteriosos aos clientes. “Os consumidores começaram a ter uma crise de confiança em relação à credibilidade. Eles começaram a querer que as marcas tivessem mais respaldo científico e compromisso social”, diz. “As marcas que trazem IA e customização possuem um respaldo a mais na visão de quem compra”, pontua.

Outra startup brasileira especializada em haircare customizado é a MeuQ, criada em 2019 e que tem como sócio-fundador Pedro Nunes, filho do cabeleireiro Wanderley Nunes, profissional renomado do meio. Neste mês, a marca vai lançar sua grande aposta do ano: um equipamento portátil onde será possível fabricar produtos personalizados dentro dos salões de beleza. “Nós enxergamos a necessidade de criar novos pontos de contato com o cliente no mundo físico, e identificamos um grande gap dentro dos salões”, explica Nunes. A MeuQ espera terminar o ano com pelo menos 150 máquinas de personalização espalhadas pelo país, a começar por São Paulo. Na prática, o cabeleireiro preencherá a ficha de anamnese do cliente, e a máquina criará uma fórmula customizada para ser usada ali mesmo. “Mesmo antes de divulgar a novidade, mais de 70 salões nos procuraram querendo adquirir a máquina”, comenta Nunes.

Sob medida: quando vai à praia, a comunicadora Yara Simões pede formulação com proteção térmica (Divulgação/Divulgação)

O calcanhar de aquiles das beautytechs é a própria customização dos produtos. Afinal, como garantir uma produção em larga escala se cada item é único e os estoques nem sequer existem? Segundo as startups, a resposta para essa pergunta passa pela tecnologia e automatização dos processos. “No início, tropeçamos muito. Um TikTok bombava e recebíamos mais pedidos do que estávamos preparados para entregar”, admite a sócia da JustForYou. “Com o amadurecimento, aprendemos a escalar a produção. Hoje, nosso grande desafio é conseguir acompanhar a mudança dos desejos dos consumidores. O que está bom agora pode não estar amanhã.”

Em certa medida, os gigantes da beleza também estão de olho na customização de cosméticos. O Boticário possui o Boticário Lab, duas lojas conceito onde os clientes mergulham na cultura da marca e participam da elaboração de fragrâncias e pigmentos de maquiagem. “O conceito das lojas conecta alquimia e tecnologia, trazendo áreas de experiências individua­lizadas, digitalização e sustentabilidade como foco”, diz Gustavo Fruges, diretor de brand experience.

O grupo Wella, líder em tintura e tratamento profissional no país, está trazendo a personalização por meio de novos produtos e experiências. A marca lançou recentemente a Koleston Perfect, com fórmula especialmente redesenhada para o cabelo das brasileiras. “A brasileira é muito preocupada com o dano no fio, então nós tivemos de fazer um produto que colorisse e protegesse, algo que não havia em outros países”, diz Nathalie De Gouveia, CEO da marca no Brasil.

Nos próximos meses, a Wella dará mais um passo rumo à personalização. Vai inaugurar um spa para cabelos da marca ­Nioxin, comandado por Romeu Felipe, embaixador global que soma mais de 2,2 milhões de seguidores. O empreendimento de 87 metros quadrados será um dos únicos da Wella no mundo. “O objetivo do spa é aproximar as clientes por meio de experiência e tratamento personalizados”, diz Gouveia.

Segundo o Euromonitor International, o Brasil é o quarto maior mercado de beleza e cuidados pessoais do mundo, ficando atrás somente de Estados Unidos, China e Japão. O nicho de customização ainda é incipiente, mas público para consumir não falta. “A demanda por personalização representa consumidores que entendem um pouco de beleza e querem mais eficácia”, explica Ortega, da WGSN. “As beautytechs conseguem atender nichos que os gigantes têm mais dificuldade de alcançar, mas em algum nível uma roupagem de personalização será adotada por todas as marcas.”

Uma nova fórmula a cada compra

Há três anos a comunicadora Yara Simões migrou para os cosméticos personalizados. Antes disso, ela costumava cuidar dos cabelos com marcas importadas. “Depois que comecei a customizar meus produtos, passei a ouvir meus cabelos”, diz. “Entendi que o cabelo tem fases, e usar o mesmo produto sempre não faz sentido.” A principal queixa da paulistana era raiz oleosa e fios ressecados. “Se eu usava um xampu para ressecados, o cabelo inteiro ficava oleoso.” Simões abandonou de vez os produtos convencionais e diz que raramente recorre aos importados do passado. Mesmo com os customizados, ela costuma mudar a formulação a cada nova compra. “Se eu sei que vou tomar muito sol e ir à praia, peço uma formulação com proteção térmica e hidratação potente. Mas, se estiver muito frio e úmido, opto por uma fórmula que reduza o frizz.”

Preço mais elevado pela qualidade

Izabela Dolabela nunca acompanhou o mercado de cosméticos muito de perto. A cozinheira conheceu o haircare customizado durante a pandemia por indicação de uma amiga. De lá para cá, passou a combinar os produtos tradicionais que já utilizava com as formulações personalizadas. “Tem gente que diz que o cabelo ‘vicia’ se você usa o mesmo produto muito tempo. Testei as formulações personalizadas e comecei a alternar.” Para ela, o preço um pouco mais elevado dos personalizados é justificável pelos resultados mais assertivos, e também pela comodidade de comprar sem ter de gastar muito tempo pesquisando. “Comparando com os cosméticos de prateleira, é realmente mais caro. Mas o preço das marcas mais profissionais é semelhante.”

Acompanhe tudo sobre:Beleza

Mais de Casual

O carro mais desejado do Brasil acima de R$ 300 mil, segundo ranking EXAME Casual

Da Itália ao Brasil: Armani construirá prédio em orla brasileira; saiba mais

De lounge exclusivo a café da manhã com privacidade: Meliá oferece experiência VIP para hóspedes

Crudos e fritos: as tendências gastronômicas para o verão