Peter Handke recebe Nobel de Literatura em meio a grande polêmica
Manifestantes e personalidades denunciaram as posições pró-Sérvia do escritor austríaco durante as guerras da antiga Iugoslávia nos anos 1990
AFP
Publicado em 11 de dezembro de 2019 às 21h54.
Última atualização em 11 de dezembro de 2019 às 21h57.
Peter Handke recebeu o prêmio Nobel de Literatura nesta terça-feira (10) em Estocolmo, onde manifestantes e personalidades denunciaram as posições pró-Sérvia do escritor austríaco durante as guerras da antiga Iugoslávia nos anos 1990.
Ao anunciar o prêmio ao romancista austríaco de origem eslovena, em outubro, a Academia Sueca provocou indignação nos Bálcãs e em vários países pelo apoio de Handke ao falecido homem forte de Belgrado, Slobodan Milosevic.
Até o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, disse estar indignado com o prêmio Nobel que, aos seus olhos, "não tem valor". "Entregar o Prêmio Nobel de Literatura no dia dos direitos humanos a um personagem que nega o genocídio na Bósnia-Herzegovina é como recompensar violações dos direitos humanos", afirmou em depoimento à televisão turca.
A polêmica quase ofuscou o anúncio da vencedora de 2018, a polonesa Olga Tokarczuk, psicóloga de formação e ativista de esquerda, ecologista e vegetariana, que se tornou a quinta mulher a receber o prêmio desde sua criação, em 1901.
Aos 77 anos, Peter Handke recebeu o prêmio das mãos do rei Carl XVI Gustaf durante uma cerimônia formal com os vencedores das outras categorias, exceto o Nobel da Paz, que foi dado em Oslo ao primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed, pela conduzir a reconciliação entre seu país eEritreia.
Boicotes e pedidos de demissão
A Academia Sueca decidiu premiar Handke por sua obra que, com "engenho linguístico, explorou a periferia e a singularidade da experiência humana", elogiado como "um dos escritores mais influentes da Europa desde a Segunda Guerra Mundial".
A instituição que sempre defendeu que trabalha para que a política não influencie sua atividade, atuou para tentar reconstituir sua credibilidade nos últimos dois anos, após o escândalo de agressões sexuais que provocou sua implosão em 2017. O caso provocou o adiamento do anúncio do prêmio de 2018, que finalmente foi atribuído a Olga Tokarczuk.
"Handke não é um escritor político", insistiu o presidente do comitê Nobel de Literatura, Anders Olsson.
Mas a escolha de Peter Handke não parece ter acalmado a situação, muito pelo contrário.
Uma integrante do comitê Nobel de Literatura anunciou sua renúncia no início do mês por causa da vitória do austríaco. E na sexta-feira, horas antes de Peter Handke conceder uma entrevista coletiva, o eminente acadêmico Peter Englund anunciou que não compareceria à cerimônia de entrega do prêmio.
"Não participarei na semana do Nobel este ano. Celebrar o prêmio Nobel de Peter Handke seria pura hipocrisia da minha parte", anunciou Peter Englund, historiador e escritor, no jornal Dagens Nyheter.
Secretário perpétuo da Academia Sueca entre 2009 e 2015, Englund cobriu os conflitos dos anos 1990 nos Bálcãs para jornais suecos.
Os embaixadores do Kosovo, Albânia, Turquia e Croácia também anunciaram um boicote à cerimônia.
Em 1996, um ano após o fim dos conflitos na Bósnia e na Croácia, Peter Handke publicou um panfleto, "Justiça para a Sérbia", que gerou muita polêmica. Em 2006, ele compareceu ao funeral de Milosevic, que faleceu antes de ouvir a sentença por crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional.
Manifestações em Estocolmo
Após a cerimônia de premiação, entre 500 e mil pessoas se reuniram no centro de Estocolmo para uma manifestação contra a escolha de Handke, exibindo bandeiras da Bósnia e usando pulseiras brancas, como as que os não-sérvios eram obrigados a portar na Bósnia em 1992.
Premiar Handke foi "uma péssima decisão", disse à AFP Ernada Osmic, refugiada da Bósnia que chegou à Suécia em 1995 com a filha.
"Ele tem o direito de escrever o que quiser. O problema é que ele está sendo homenageado por seus textos", reagiu a organizadora de uma das manifestações, Teufika Sabanovic, entrevistada pela AFP.
Em uma entrevista coletiva na sexta-feira passada, o escritor queria evitar controvérsias e disse que gosta de "literatura, não opiniões".
Mas, numa entrevista ao semanário alemão Die Zeit, em novembro, Handke defendeu seu controverso apoio à Sérvia. "Nenhuma das palavras que escrevi sobre a Iugoslávia é de denúncia, nem uma. É literatura", disse.