Ótimos concertos nos 20 anos da Sala São Paulo
Robert Schumann, Chopin e Beethoven lotaram sala São Paulo em diversas noites
Estadão Conteúdo
Publicado em 11 de julho de 2019 às 15h11.
Última atualização em 11 de julho de 2019 às 15h15.
Raras vezes a dor e o fogo da paixão foram tão genialmente transformados em música quanto na "Fantasia" de Robert Schumann, o ponto mais alto no recital de Nelson Freire da última segunda, 8, que abriu a semana de comemorações dos 20 anos da Sala São Paulo. Em suas mãos, o piano soa sempre aveludado, mesmo ao "gritar" de dor ou amor, caso dessa obra-prima que Schumann compôs movido pela distância de sua amada Clara, em 1836.
Dos pianíssimos aos fortíssimos, Nelson construiu tantas gradações que a cada nova frase, a cada novo tema, nossos ouvidos comungavam da intensidade expressiva de nosso maior pianista. Pena que, mais de 15 minutos depois de iniciado o concerto, mais de 10 pessoas ainda perambulavam pela Sala em busca de um lugar; a porta do fundo abriu e fechou várias vezes, estrepitosamente. Impossível manter a concentração que a performance exigia.
Na segunda parte, o improviso nº 2 op. 36, duas mazurcas, o noturno n.º 19, a polonaise nº 1 op. 26 e a Barcarola op. 60 foram felizmente tocadas sem interrupção de aplausos, o que fez o público mergulhar no intimismo do piano cantante de Chopin (não por acaso, ele pedia aos seus alunos de piano que estudassem canto). Se fosse obrigatório escolher uma interpretação, ficaria com a Barcarola, um flutuar constante de notas cristais quebrando o silêncio que leva o pobre crítico a tecer arremedos poéticos para tentar definir a genialidade de Nelson.
Doze horas depois, terça, 9, de manhã, Sala de novo apinhada. Osesp a postos para um programa marcando a estreia do novo regente titular e diretor musical Thierry Fischer. No cardápio, a Quinta de Beethoven e quatro músicas escolhidas previamente pelo público no site da orquestra.
Fischer é um maestro competente, cirúrgico e muito claro em suas indicações aos músicos, mas sem ser espalhafatoso como um Guerrero, por exemplo. Uma ligeira aceleração nos tempos dos quatro movimentos concedeu ainda mais dinamismo a uma música que em si já é nitroglicerina pura. Os músicos responderam com veemência e talento.
Beethoven, por sinal, também marcou um experimento da BBC no início da era do download digital: ela colocou online suas nove sinfonias para download gratuito por um período. O resultado sinucou os "especialistas" do mundo erudito: a Eroica, a Quinta, a Sexta e até a Nona perderam para as duas primeiras sinfonias.
Ou seja, o público de concertos é muito mais básico do que supõem os dirigentes musicais. As quatro mais votadas confirmaram isso: o prelúdio das Bachianas n.º 4 de Villa-Lobos; a Valsa das Flores de Tchaikovski; o Adagietto da Quinta de Mahler; e a Cavalgada das Valquírias de Wagner. Furor público ao final de cada uma delas. Villa foi também o bis de aniversário, com o Trenzinho do Caipira.
O prelúdio das Bachianas 4, para cordas, levou-me de volta a 1996, quando o corpo do maestro Eleazar de Carvalho, construtor desta orquestra, era velado no palco do Teatro Municipal de São Paulo: seus músicos tocaram esse prelúdio para ele. Mahler, Wagner e o Villa final me remeteram a John Neschling, o único idealizador desta Osesp e da Sala São Paulo, com determinação férrea - e nos legou tudo isso de que desfrutamos atualmente. Obrigado a ambos, Eleazar e Neschling, infelizmente pouquíssimo lembrados neste vigésimo aniversário da Sala.