"Há 30 anos não me considero um militante político, mas um militante pela literatura", afirmou o italiano, que passou quatro anos preso no Brasil (Christophe Simon/AFP)
Da Redação
Publicado em 17 de fevereiro de 2012 às 13h39.
Rio de Janeiro - Do terraço de seu apartamento quase vazio e com vista panorâmica da baía do Rio, o ex-militante italiano de extrema-esquerda Cesare Battisti prepara o lançamento de seu próximo livro, escrito na prisão e que será publicado em breve na França e no Brasil.
"Face au mur" será publicado no dia 7 de março pela editora francesa Flammarion, sem a presença do autor, refugiado no Brasil. Sua versão brasileira, "Ao pé do muro" ficará a cargo da editora Martins Fontes e será lançado em 12 de abril.
"A presidente da Flammarion, Tereza Cremisi, quer fazer um bom lançamento. Ela me disse que talvez ocorram problemas com os italianos, mas que, em primeiro lugar, é uma editora", afirmou à AFP Battisti, exigido pela Itália por assassinatos cometidos no fim dos anos 1970, dos quais se declara inocente.
O livro, escrito em francês, não é autobiográfico, mas fala do Brasil e de suas injustiças através dos relatos dos prisioneiros com os quais conviveu durante anos.
"A prisão só aparece como pano de fundo. Tereza se encantou com o fato de ter encontrado a maneira de falar do Brasil através de prisioneiros brasileiros. Há detalhes divertidos e dramáticos", acrescenta.
"Capturei verdadeiramente a emoção do prisioneiro quando fala. Exagera a noção de liberdade, a sublima. O pior dos criminosos é capaz de ser terno", explica Battisti, que levou dois anos e meio para escrever seu livro a mão, no início escondido, porque era proibido de fazê-lo.
"Ver-me escrevendo em vez de ler revistas pornô intrigava os detentos. Eram celas para duas pessoas, mas, às vezes, éramos dez. Nós nos revezávamos para dormir", lembra Battisti.
Teve a ideia do livro durante o passeio diário de duas horas no pátio da prisão.
"Estou sentado ao pé de paredes altas, vejo um pedaço de céu azul e um raio de sol e me desloco à medida que se move. Cruzo com o olhar de um detido e lanço sua amarga história sobre o papel. Quero saber como chegou ali. É o sistema o que produz o crime. O criminoso é também uma vítima", afirma.
Battisti também está presente em seu livro. Traça uma ida e volta entre Brasília e seu presente na prisão e o Rio, seu passado na semiclandestinidade.
"Conto em flashes como vivi este período, mas é uma história de ficção. A única coisa verdadeira é a emoção", ressalta.
Battisti já havia vivido no Rio entre 2004 e 2007, data de sua prisão. Começou a reconstruir sua vida, após 30 anos escapando da justiça italiana no México e na França, onde se converteu em autor de romances policiais.
Preso por quatro anos perto de Brasília, foi libertado em junho de 2011, horas após o Supremo Tribunal brasileiro rejeitar o pedido de extradição à Itália, o que provocou a ira de Roma.
"Há 30 anos não me considero um militante político, mas um militante pela literatura. Tudo isto me surpreendeu; foi um retorno de 30 anos. Não me reconheço neste papel (de terrorrista). Isto me chateia muito", afirma.
Após ser libertado, primeiro viveu isolado em São Paulo e há três meses se instalou no Rio, onde começou, pouco a pouco, a retomar uma vida normal. Quer fundar uma ONG para incentivar a leitura.
Em liberdade, foi no início incapaz de fazer as três coisas que ocupavam seu tempo na prisão: ler, escrever e fazer exercícios físicos para poder dormir à noite.
"Agora comecei a voltar a ler. Escrever, ainda não, mas vou começar. Tenho que pagar meu aluguel. É através da escrita que poderei fazer isso", afirma.
Por enquanto, divide uma casa com o administrador de sua editora brasileira e paga apenas uma parte dos gastos.