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“Não há espaço para cozinha elitizada”, diz Janaína Torres Rueda, de A Casa do Porco

De coquetelaria a collab entre restaurantes, a chef também aposta em alta gastronomia acessível como tendência para 2023

A chef Janaína Torres Rueda: comida de excelência no centro de São Paulo (Leandro Fonseca/Exame)

A chef Janaína Torres Rueda: comida de excelência no centro de São Paulo (Leandro Fonseca/Exame)

GA

Gabriel Aguiar

Publicado em 6 de janeiro de 2023 às 11h48.

Última atualização em 6 de janeiro de 2023 às 12h45.

Não faltam credenciais para Janaína Torres Rueda: a chef está à frente de A Casa do Porco, vencedor de Os 100 Melhores Restaurantes do Brasil 2022, de Casual EXAME; além da sétima colocação pelo The World’s 50 Best Restaurants; e melhor da América Latina no ranking La Liste — e ainda comanda o Bar da Dona Onça, a lanchonete Hot Pork, a Sorveteria do Centro e o açougue Porco Real.

Mas nem mesmo a reconhecida cozinha (mantida em sociedade com o ex-marido, Jefferson Rueda) passou pela pandemia sem percalço. Foram R$ 6 milhões acumulados em dívidas pela quarentena e muito planejamento para retomar a saúde financeira. Mas, para 2023, a expectativa é outra. “Esse ainda será um ano de recuperação para o mercado de restaurantes, mas com alívio muito maior”.

Para a paulistana, os próximos meses deverão ser dedicados aos pagamentos, inclusive para outros restaurateurs, para tirar da frente a “sombra” dos impostos parcelados que ainda remontam a 2021 e 2022. Por isso mesmo, a previsão de novos investimentos e grandes expansões mira somente em 2024. Mas isso não significa que o setor ficará inerte e já há claras mudanças acontecendo.

Nova cozinha brasileira

“Apareceram chefs mais acessíveis, com produtos artesanais a preços competitivos para alcançar os públicos que, até então, ficavam de fora da alta gastronomia. E os cozinheiros mais jovens têm feito esse trabalho de maneira muito positiva, já que não recebem grandes investimentos e, por isso, têm lugares mais simples com comida de grande qualidade. Não só de técnica, mas de produto”.

Como principal destaque do movimento, Janaína Torres Rueda aponta o Mercado Novo, em Belo Horizonte (MG) — que considera a “Disneylândia baseada na tradição mineira” —, mas também cita outros exemplos, como o Cepa, na zona leste de São Paulo, fora do circuito tradicional dos restaurantes na capital paulista; e o Métzi, com culinária mexicana bem além das redes comercias tex-mex.

“Temos uma imigração muito farta, mas que nem sempre foi bem-representada. Por isso é tão bom perceber que a cozinha latina está com força na cidade, como o colombiano Barú Marisqueria. E todo o Brasil tem caminhado muito bem: o Rio de Janeiro tem grandes chefs, como o Rafael Costa e Silva; ou a Amazônia, com o Saulo Jennings. Nossos biomas também estão bem-representados”.

Resgate dos ingredientes

Para a chef, tem sido uma tendência o surgimento de endereços que resgatem a tradição da comida de uma determinada região e a culinária brasileira tem ganhado cada vez mais espaço internacional, assim como outros países da latino-americanos, como Colômbia, Peru e até mesmo Argentina — que, segundo Janaína Torres  Rueda, vêm “despontado e se destacado no mercado internacional”.

“No caso da nossa culinária, penso muito no resgate daquilo que é mais nativo, como o retorno dos produtos produzidos com jabuticaba [ela cita como exemplos de licores e espumantes], assim como fermentados de frutas tipicamente brasileiras. É algo que nós já preparamos no nosso sítio, mas que também é bem-representado por outros lugares, como a Companhia dos Fermentados”.

E é justamente a busca por novos ingredientes que, para a chef de A Casa do Porco, tem incentivado o recente boom das collabs entre restaurantes e cozinheiros, um movimento que permite a troca de experiências, além de aumentar a competitividade para buscar fornecedores e trazer para dentro os especialistas de diferentes áreas, como pães de bons padeiros e mestres de coquetelaria.

“É o caso do pescador que vende direto para uma peixaria, por exemplo, que acabaria congelando e utilizando conservantes nos peixes. Quando quatro ou cinco chefs se unem, eles têm mais força para conversar diretamente com o produtor, dividir os custos e receber produtos frescos diariamente. Na verdade, isso não vale apenas para os pescados e tem acontecido com muitos outros itens”.

Consciência da alimentação

Tanto é que, para Janaína Torres Rueda, casas especializadas devem ganhar cada vez mais mercado, com foco em determinados produtos — e qualidade. Ela cita como exemplo o Japão, onde são comuns os restaurantes que preparam apenas guiozas, apenas tempurás ou apenas sushis, e cita a própria A Casa do Porco, que é especializada em produtos suínos e o Amadeus, famoso pelos pescados.

“Quem faz tudo dificilmente acerta o alvo do que consegue fazer melhor e é por isso que a segmentação também tem aparecido como uma forte tendência de mercado. Principalmente com o aumento da consciência das pessoas, que, em todo o mundo, estão atentas ao que consomem. Eu acho o rastreamento de ingredientes um passo muito importante para criar essa consciência”.

Por outro lado, a paulistana reforça a importância de ações inclusivas para diferentes classes sociais, e que, segundo ela, ainda são subestimadas pelo mercado gastronômico e consomem mais produtos industrializados. Como solução, a chef propõe transformar a cozinha em ferramenta para a educação e ensinar as pessoas a comerem melhor, com mais atenção aos produtos e ao valor nutritivo.

“Alta gastronomia precisa ser acessível, porque é uma forma de elevar o palavrar, provocar a pensar e mudar políticas públicas. Nós só podemos falar de boa alimentação quando fazemos isso. É comer menos, mas comer melhor. É ter prazer e, ao mesmo tempo, qualidade. Vai muito além do mercado dos restaurantes, porque vai desde o combate à obesidade até mesmo ao combate da fome”.

Destaques para o futuro

Neste sentido, a chef de A Casa do Porco não acredita que restaurantes muito formais, com cozinhas elitizadas — com exceção de nomes já tradicionais — tenham espaço nos próximos anos. Em vez disso, aposta na tendência de comida boa e acessível. E, para ela, a coquetelaria é outro ponto que merece atenção por ter se destacado na cena gastronômica e evoluído para além do próprio álcool.

“Eu fui a um congresso em Barcelona, na Espanha, e apresentaram uma máquina para retirar álcool das bebidas. É claro que gerou muita polêmica, só que nem sempre as pessoas querem a bebida em si, já que há muitas questões de saúde envolvidas, e querem o sabor. Vejo isso como uma tendência para o futuro e há grandes empresas dedicadas à redução do consumo de álcool até 2050”.

Por fim, Janaína Torres  Rueda acredita que o sucesso do setor está diretamente ligado à criação de políticas públicas que incentivem desenvolvimento de pequenos e médios restaurantes e a economia criativa, além de o turismo — aproveitando uma estratégia que, segundo ela, já é aplicada em países como Colômbia, Peru e México — como ferramenta para aumentar a movimentação por aqui.

“Quem viaja tem que tomar café da manhã, almoçar e jantar. Tanto que, muitas vezes, restaurantes podem ser mais visitados que os próprios museus, já que a comida também é capaz de transmitir as histórias de um lugar. No nosso caso, a culinária está diretamente ligada à nossa cultura latina e aos imigrantes que vieram ao Brasil. É uma solução fácil, mas precisa da ajuda de todo mundo”.

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