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Filme brasileiro mistura ficção com documentário

Híbrido, o premiado O Céu sobre os Ombros, do mineiro Sérgio Borges, trata de personagens anônimos sem reduzi-los a estereótipos sociais

Murari Krishna em cena de O Céu sobre os Ombros. O longa faz parte de uma linhagem de filmes que compõe uma poética dos afetos
 (Divulgação)

Murari Krishna em cena de O Céu sobre os Ombros. O longa faz parte de uma linhagem de filmes que compõe uma poética dos afetos (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 6 de janeiro de 2012 às 16h56.

São Paulo - É conhecida uma frase do diretor francês Jean-Luc Godard segundo a qual o melhor documentário é o que parece ficção e a melhor ficção é a que parece documentário.

Uma ideia semelhante norteia O Céu sobre os Ombros, o híbrido longa-metragem de estreia do mineiro Sérgio Borges, premiado com cinco Candangos no Festival de Brasília do ano passado, inclusive os de melhor filme e direção.

Acompanham-se ali cenas da vida cotidiana de três personagens anônimos que só têm em comum o fato de morarem na mesma cidade, Belo Horizonte.

Descrever o que o filme nos dá a ver de cada um deles é apontar desde logo para um de seus maiores méritos: o de solapar os estereótipos, os preconceitos, as aparências enganosas.

Um dos personagens é um rapaz que trabalha numa pastelaria e numa empresa de telemarketing, é hare krishna praticante e membro da torcida organizada Galoucura, do Atlético Mineiro. Outro é um aspirante a escritor, desencantado e marginal, que tem uma relação espinhosa com o filho excepcional.

Por fim, há um travesti que de noite faz programas na rua (“R$ 10 oral; R$ 30 completo”) e de dia dá aulas sobre autores como Michel Foucault e Judith Butler a uma turma de universitários.


Câmeras de vigilância

Essas histórias são vividas pelos personagens reais, que encenam a si próprios (respectivamente Murari Krishna, Lwei Bakongo e Everlyn Barbin, ganhadores do prêmio especial do júri em Brasília) e apresentadas de forma fragmentada.

As tramas não se entrelaçam, os protagonistas não se cruzam. Estranhamente, porém, uma trajetória reverbera de algum modo na outra.

Filmando de modo discreto, “neutro”, como se capturasse seus personagens com câmeras de vigilância em meio ao fluxo da vida, Sérgio Borges acaba por fazer uma espécie de documentário íntimo que ilumina sem “explicar” e comove sem lançar mão de recursos fáceis, como a música (a não ser a produzida em cena).

Por sua profunda humanidade e por sua abertura aos acidentes de filmagem – por exemplo, a cena em que o aspirante a escritor interage com seu filho deficiente –, O Céu sobre os Ombros pode ser incluído numa linhagem recente de filmes brasileiros muito diferentes entre si, mas que compõem em conjunto uma poética dos afetos, da qual fazem parte, por exemplo, Transeunte, de Eryk Rocha, e A Alegria, de Felipe Bragança e Marina Meliande, ambos de 2010.

Um cinema poroso, tateante, sem as certezas do cinema novo e sem o escracho desesperado do cinema dito marginal. Um cinema, em suma, permeável às imperfeições e surpresas da vida.

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