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Ford, Gosling e Villeneuve falam sobre Blade Runner 2049

Situado 30 anos no futuro da trama do filme original, Blade Runner 2049 leva mais fundo o tema central do primeiro filme – o que é o ser humano?

RYAN GOSLING E HARRISON FORD: encontro de gerações no set de Blade Runner 2049 / Divulgação

RYAN GOSLING E HARRISON FORD: encontro de gerações no set de Blade Runner 2049 / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 30 de setembro de 2017 às 08h12.

Última atualização em 30 de setembro de 2017 às 12h45.

LOS ANGELES — “Era importante ter a benção de Ridley Scott. Era mais que importante: era fundamental,” diz o diretor Denis Villeneuve. “Quando os produtores me fizeram a proposta, a primeira coisa que pensei foi “isto é um sonho, este é um dos filmes mais importantes e influentes da minha vida”. A segunda coisa que pensei foi: preciso consultar Ridley Scott”.

É uma tarde perfeita de outono e o centro de Los Angeles – exatamente o cenário de Blade Runner, e de sua continuação, Blade Runner 2049 – não se parece em nada com a distopia conjurada, 35 anos atrás, pelo diretor Ridley Scott, seu diretor de arte David Snyder e o consultor criativo Syd Mead. Lá fora é um dia de sol, céu azul e famílias passeando nas novas áreas livres do centro da cidade, reurbanizada e renovada na última década. Dentro dos salões do hotel de luxo, contudo, reina a distopia sombria: a iluminação é mínima e painéis imensos reproduzem os ambientes de Blade Runner 2049 para incentivar os jornalistas a se manterem no clima.

Tanto esforço pode ser um desperdício. É difícil encontrar alguém que, depois das primeiras cabines para a imprensa, não tenha ficado absolutamente estarrecido – no melhor sentido da palavra — com o que Villeneuve fez com a obra mitológica de Ridley Scott. Situado 30 anos no futuro da trama do filme original, Blade Runner 2049 leva mais fundo o tema central do primeiro filme – o que é o ser humano? Onde começa e onde termina nossa humanidade?

Seu protagonista, o blade runner K, interpretado por Ryan Gosling, é parte de uma força-tarefa da polícia de Los Angeles dedicada exclusivamente ao extermínio dos velhos modelos de replicantes do passado, capazes de “defeitos” como rebeldia, autodeterminação e desobediência. Ele mesmo um replicante de última geração, parte da linha de montagem de um novo industrialista do futuro, Niander Wallace (vivido por Jared Leto, que substitui David Bowie, para quem o papel foi escrito), K embarca, inesperadamente, numa jornada de autoconhecimento que vai mudar completamente sua programação inicial – uma jornada que inclui o personagem Deckard do filme de 1982, vivido por Harrison Ford, e que quanto menos for descrita, melhor.

“O primeiro filme foi um poema sobre nossa raiva em relação a Deus, em relação ao criador,” Villeneuve diz. “Por que estamos aqui? Porque não achamos uma resposta? Por que estamos sozinhos neste mundo tentando achar algum sentido em nossas vidas, sem nenhuma pista que nos aponte para uma resolução? É o mesmo tema, o mesmo problema de Frankenstein, a angústia da criatura diante do silêncio do criador. É um tema muito presente e eloquente em Blade Runner, e o ponto central do filme. É o ponto de partida deste, agora.”

Denis Villeneuve dirige Ford e Gosling em continuação de Blade Runner; “Era importante ter a benção de Ridley Scott”, diz

A trajetória de Blade Runner, de filme maldito a uma das possíveis franquias mais desejadas da indústria, é quase uma cápsula dos perigos e possibilidades do cinema em grande escala. A saga começa em 1977, quando Hampton Fancher, um quase ex-ator procurando nova profissão, resolveu criar um argumento baseado num dos seus livros favoritos, Androides sonham com ovelhas elétricas?, de Philip K. Dick, renomado autor de ficção científica cerebral. Por sorte, seu amigo Ridley Scott estava procurando um projeto para fazer depois do sucesso de Alien, o oitavo passageiro – os dois somaram forças e passaram longos meses trabalhando e brigando enquanto criavam o que viria a ser o mundo de Deckard e companhia. Finalmente, Scott chamou outro roteirista, o mais tarimbado David Peoples, para dar forma final ao roteiro.

Em 1981, com o apoio irrestrito da Warner – de olho no próximo sci-fi depois de um grande hit – as filmagens de Blade Runner começaram. Harrison Ford – um dos astros mais populares e procurados do momento — brigou o tempo todo com Scott, enquanto Scott, britânico, brigava o tempo todo com sua equipe norte-americana. Quando o corte do diretor foi submetido ao estúdio, outra crise se deflagrou: os executivos detestaram o filme, achando-o confuso, incompreensível e deprimente. Como Scott não tinha o poder de corte final, na época, Blade Runner foi repicado nas ilhas de edição da Warner, e Ford foi requisitado, muito a contragosto, para gravar uma narração off, que ele fez literalmente resmungando o tempo todo, de tanta raiva.

Depois da estreia, em junho de 1982 nos Estados Unidos, as coisas só pioraram. Os críticos desceram a lenha. O público, acostumado com os sci-fi e filmes de ação positivos e otimistas da época, passou ao largo – o filme estreou com a minguada renda de 6,15 milhões de dólares, num período em que a venda de ingressos estava num pico.

Blade Runner parecia destinado ao porão do cinema.

E então algo muito interessante aconteceu – a expansão do home entertainment. Graças aos vídeo-cassetes e, pouco depois, DVDs e BluRay, o filme de Scott foi redescoberto e, rapidamente, transformou-se primeiro num cult, depois num sucesso de vendas e, finalmente, numa referência para gerações de fãs e realizadores. “Eu me lembro vividamente da primeira vez que vi Blade Runner”, diz Villeneuve que, na época do lançamento, tinha 15 anos e não pôde ver o filme no cinema. “Fiquei absolutamente desnorteado, encantado com o poder da visão, da criação daquele mundo, aquelas tomadas sobre Los Angeles em 2019. Eu via de novo, de novo e de novo. Jamais esqueci.”

Em 1992 a Warner lançou uma “versão total” de Blade Runner, com material encontrado em seus arquivos [tive o prazer de dar a notícia dessa descoberta em primeira mão, na época]. “Eu vi pela primeira vez quando eu tinha 12 anos e fiquei de queixo caído. De queixo caído de verdade”, diz Ryan Gosling. “Vi num DVD, em casa, aquele com as cenas adicionais. É claro que, aos 12 anos, eu não estava debatendo o sentido da vida, mas o filme me marcou – eu nunca tinha visto nada nem parecido com aquilo. Não era um filme de sci-fi como os outros.”

Em 2007, o próprio Ridley Scott supervisionou a edição de Blade Runner: Corte Final, removendo a narração off, reorganizando as tomadas que tinham sido cortadas e dando ao público, finalmente, a sua versão da história de Deckard, Rachel e os replicantes de Los Angeles em 2019.

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Foi aí que as engrenagens de Blade Runner 2049 começaram a rodar. Depois de alguns anos de negociação, os produtores Broderick Johnson e Andrew Kosove, responsáveis por vários sucessos de bilheteria (Um sonho possível; Winter, o golfinho) conseguiram afinal fechar, em 2010, um acordo pelos direitos do filme. Em 2011, eles convenceram Ridley Scott a revisitar o mundo que ele havia criado, três décadas antes. Scott trouxe de volta Hampton Fancher que, por bizarra coincidência, tinha acabado de escrever um argumento intitulado 2049, especulando sobre o que teria acontecido com Deckard e Rachel depois do final de Blade Runner. Quando a agenda de Scott entrou em conflito com o planejamento da produção e os calendários de seus dois principais atores, Ford e Gosling, Johnson e Kosove convidaram Denis Vileneuve, ainda não o premiado diretor de A Chegada, mas um realizador que tanto os produtores quanto Scott admiravam pelo seu rigor e maestria ao lidar com questões ligadas a violência, trauma e conflitos morais em seus filmes Incendies, Os Suspeitos e Sicario.

E assim, mais de 30 anos depois, a distopia que parecia tão hostil e deprimente em 1982 voltou às telas, com uma visão ainda mais completa e radical, graças à tecnologia disponível para criadores visuais — e nossa novas ansiedades, não muito diferentes das dos personagens de 2049: degradação do meio ambiente, concentração de recursos e poder, explosão populacional, tensões sociais do “nós” contra “eles”, e como definir quem são “nós” e “eles”. “Eu não tenho a menor dúvida de que os temas de Blade Runner são ainda mais relevantes hoje do que nos anos 80”, diz Ford. “Sou grato por esta oportunidade, grato por poder levar o personagem em uma nova direção, grato pelos 30 anos que passaram e como a narrativa cresceu e se expandiu com isso. Para mim uma das coisas mais significativas dos dois filmes é que ambos são épicos, em grande escala e, ao mesmo tempo, íntimos e emocionais. Estou feliz porque temos mais uma oportunidade para abordar os temas do primeiro filme e compreendê-los de uma forma mais profunda”.

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