Grupo dos Peanuts, criado em 1950, era formado por crianças brancas até 1968, quando surgiu Franklin (Caren Pilgrim/Flick Commons)
Da Redação
Publicado em 27 de novembro de 2014 às 17h32.
São Paulo – No dia 4 de abril de 1968, o ativista político Martin Luther King Jr. foi assassinado. Chocada e frustrada com a notícia, 11 dias depois, a professora americana Harriet Glickman escreveu uma carta ao cartunista Charles Schulz pedindo que ele inserisse um menino negro nos Peanuts, grupo de personagens protagonizado por Charlie Brown e Snoopy.
O pedido, aparentemente simples, trazia algo revolucionário. Na época, o quadrinho de Schulz já figurava entre os mais lidos dos Estados Unidos, cuja cultura racista ainda era amplamente difundida. Para surpresa de Harriet, o desenhista respondeu, mas, em um primeiro momento, se mostrou resistente à ideia.
A correspondência, revelada pelo site Mashable, dizia que, assim como outros profissionais, Schulz estava preocupado de parecer condescendente com pessoas de cor, se incluísse uma criança negra em seu elenco. Nós todos gostaríamos muito de ser capazes de fazer isso, mas nós estamos com medo de que isso pareça que estamos sendo paternalistas com nossos amigos negros, disse.
A negativa não desanimou a professora, que já era mãe de três filhos. Ela, então, escreveu outra carta, dizendo que iria conversar com alguns amigos negros para que dessem ideias de como contornar esse problema e não fazer com que o personagem novo fosse encarado como um coitado.
Schulz gostou da ideia e se mostrou aberto ao que os colegas de Harriet poderiam dizer. O cartunista, segundo o Mashable, recebeu diversos pedidos nesse mesmo sentido à época, mas, mesmo sabendo que ignorar a causa era errado, sentia que poderia ser muito criticado pela postura.
Mas, no verão daquele ano, a dúvida perdeu força e, no dia 31 de julho, o personagem Franklin, primeiro negro dos Peanuts, apareceu pela primeira vez em uma tirinha publicada. O menino, cujo pai foi enviado à Guerra do Vietnã, era tratado pela turma como igual e, por três dias seguidos, apareceu nos quadrinhos de Schulz.
A reação do público, em geral, foi boa, mas houve quem reclamasse. Jornais do sul do país chegaram a dizer que não publicariam as histórias em que Franklin aparecesse. Em outra ocasião, um editor enviou uma correspondência ao cartunista dizendo que não se importava em ver um negro na história, mas pedia para que o personagem não fosse estudar na mesma escola que os brancos.
Em entrevista em vídeo feita pelo Charles M. Schulz Museum and Research Center, Harriet se lembrou das reações das pessoas quando os negros começaram a frenquentar escolas de brancos no país, entre os anos 50 e 60. Aquela carta foi o resultado de toda minha vida. Foi ver o racismo neste país sabendo que, não importa o que, havia feiura e violência, e minha cartinha não era nada, se comparada àquela garotinha que ficou parada na entrada da porta da escola integrada, com muitas pessoas cuspindo nela e jogando coisas nela, afirmou.
Essa consciência presente na professora se formou, segundo ela, a partir de sua criação. Eu e minha irmã fomos criadas em um lar em que nossos pais, pelo modo como eles viveram, nos fizeram entender nosso papel no mundo e um senso de responsabilidade pelos outros. E esse foi o tipo de coisa que nós internalizamos na nossa consciência sem que precisasse ser pensado, contou.
Para ela, a mensagem que fica para as gerações atuais é que uma pessoa pode, sim, fazer a diferença, mesmo que isso não mude o mundo inteiro. Apesar dos grandes avanços nas políticas de inclusão, não apenas de negros, mas também de outras minorias, ela reconhece que ainda há um longo caminho pela frente. Eu espero que quem assistir a isso, os jovens que assistirem, veja isso no contexto de hoje e diga que ainda há muito trabalho a ser feito, disse.
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