Como chefs e afins driblam a perda de olfato e paladar associada à covid
Para recuperar os sentidos de que mais precisam para trabalhar, cozinheiros e sommeliers que contraíram o coronavírus têm comido jalapeño e mascado hortelã, entre outras estratégias do tipo
Daniel Salles
Publicado em 23 de março de 2021 às 11h48.
Última atualização em 23 de março de 2021 às 14h36.
A perda do olfato e do paladar, dois sintomas associados à covid-19, são indigestos para todo mundo, claro. Para chefs e outros profissionais da área da gastronomia, como os sommeliers, é um risco para suas carreiras. Mal comparando, equivale à perda da audição para qualquer músico que se preze.
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Desde o início da pandemia, cerca de 80% das pessoas infectadas com o novo coronavírus reportaram a perda temporária do olfato, que costuma voltar em até duas semanas. Para algumas pessoas, porém, a chamada anosmia tem durado mais tempo e resultado na parosmia, que afeta a percepção de aromas e, consequentemente, prejudica o paladar.
Diagnosticado com a doença em janeiro, o chef americano Tom Ramsey contou ao The Wall Street Journal que a primeira refeição que fez depois de perder temporariamente o paladar e o olfato saiu da cozinha do hospital no qual foi internado.
“Eu ainda não conseguia sentir o cheiro de nada”, disse Ramsey ao jornal. “Mas a comida estava deliciosa, fantástica. Era um ensopado de porco com arroz. Me deu uma nova apreciação do sabor.” Após ter alta, entretanto, a capacidade de sentir gostos decaiu ainda mais.
Chef-executivo do restaurante Atchafalaya, localizado em New Orleans, ele tem tentado driblar o problema por conta própria. “Para retreinar meu nariz, estou constantemente pegando coisas e procurando cheiros”, disse o chef de 55 anos.
Agora passa os dias metendo o nariz em potes açafrão e alecrim, entre outros ingredientes do tipo, sobretudo os mais cítricos, e tentando resgatar os cheiros que associa à infância. “Crescendo no Delta do Mississippi, posso evocar o cheiro que o vento ganha quando uma tempestade se aproxima”, contou ao The Wall Street Journal.
A ex-sommelier americana Julia Hinojosa Ham contou que, depois de ter contraído o vírus do momento, provar qualquer coisa equivalia a “lamber papel branco”. Hoje ganhando a vida como consultora financeira, ela notou que havia perdido a capacidade de sentir cheiros depois de borrifar seu perfume predileto. Sua receita para tentar reativar os dois sentidos, que voltaram há três meses: por um mês, comeu jalapeños bem apimentados.
Voltaram mais ou menos. “Mas agora, uma coisa interessante: tudo tem um gosto doce para mim – um copo d'água, uma azeitona. E eu não gosto de nada doce”, declarou. “Aprendi a apreciar os sentidos que tenho”.
Doida por uma taça de vinho após se recuperar da covid, a sommelier Susann Crunden, também americana, escolheu um Beaujolais para se reaproximar de sua bebida preferida – após 35 dias sem sentir gosto ou cheiro. “Tudo o que consegui sentir”, declarou ela, que gerencia um restaurante em Seattle, “foi um suco azedo adstringente”.
Não desistiu e continuou exercitando o paladar, na esperança de sabores melhores. “Continuei comendo, pensando comigo mesma: ‘na próxima mordida vou provar alguma coisa’”, declarou. “Tenho tentado muitas coisas para despertar o paladar: frutas cítricas queimadas, comer pimenta, mascar hortelã.”
Para ela, os vinhos agora aparentam notas mais terrosas, como casca de árvore, musgo, cedro e fumaça. “O gosto limitado que tenho agora me dá esperança”, afirmou. “Acredito que posso treinar meu paladar, e estou realmente curiosa para ver se minhas preferências tanto em vinho quanto em comida mudam”.