A atriz Viola Davis no lançamento do filme "A Mulher Rei". (Shannon Finney/Getty Images)
Julia Storch
Publicado em 21 de setembro de 2022 às 09h11.
Última atualização em 23 de setembro de 2022 às 09h34.
No último dia 19 de setembro, o Teatro do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, viveu um momento histórico que será lembrado por muitos anos: a pré-estreia do filme "A Mulher Rei", estrelado por Viola Davis e distribuído pela Sony Pictures.
O filme conta a história de Nanisca, uma general africana do antigo Reino do Daomé (atual Benin) e sua saga. O filme, dentre outras coisas, toca em assuntos complexos e até em tabus como a escravidão pré-ocidental (que foi diferente da racial criada por europeus), a colaboração das elites africanas com esse sistema e as tensões dentro desses grupos para dar fim a essa forma de opressão em nome de uma unidade panafricana e anticolonial.
Voltando ao evento do Rio, o que chamou atenção de todos os que estavam presentes foi o fato de que pela primeira vez na história recente uma estrela negra de Hollywood faz uma premiére para uma plateia majoritariamente negra.
O red carpet carioca ficou, de maneira rara, um black carpet, repleto de artistas, escritores, roteiristas e demais celebridades afro-brasileiras liderados por Taís Araújo e Lázaro Ramos, que foram os anfitriões da noite. Dentre os nomes presentes no evento estavam Elisa Lucinda, Antônio Pitanga, Conceição Evaristo, além de influenciadores como Tia Má, Roger Cipó, Iuri Maçal e mais algumas centenas de pessoas.
O evento foi um verdadeiro manifesto em prol de narrativas negras no cinema, reafirmando uma tendência de lançamentos negros de sucesso, com o filme “Medida Provisória” de Lázaro Ramos, que já ganhou dezenas de prêmios pelo mundo e lotou salas de cinema do todo o Brasil e a nomeação de “Marte Um”, filme do cineasta mineiro Gabriel Martis para o Oscar 2023.
Já escrevi aqui nessa coluna sobre o poder do cinema negro em 2020 e creio que todo prognóstico que fiz na época vem, aos poucos, se cumprindo. Se o Brasil abrir espaço para essa nova safra de jovens (e não tão jovens) cineastas, roteiristas, produtores e escritores adaptarem ou criarem suas histórias para a tela do cinema, podemos ter aqui uma verdadeira “Hollywood preta” em gestação.
A noite no Rio, nossa “Los Angeles” tropical (pela quantidade de artistas) foi não apenas emocionante, mas certamente memorável. Ver aquelas escadas de um dos maiores símbolos da elite carioca repletas de pessoas de cor azeviche, com suas batas africanas, colares étnicos e sorrisos lindos só me deu esperança que ainda há esperança para o cinema brasileiro. As pessoas estavam ali não só prestigiando o belo trabalho que Viola Davis, seu esposo e time criaram, mas também buscando uma motivação extra para continuarem lutando por seus trabalhos.
Afinal, como Viola disse em sua sessão de respostas após o final do filme, mesmo em Hollywood ela teve que lutar muito com os produtores para que a película existisse e tivesse o tom que ela queira, no caso, o protagonismo de mulheres de pele retinta, com muita força e melanina mostrando que podemos contar qualquer história, seja ela em forma de documentário, drama ou ação.
Nesse sentido, um plano de marketing bem pensado e direcionado para incluir a população negra faz toda a diferença. Por isso, quando a Sony contratou o time de Casé Fala e AFAR Ventures, que sou sócio, para desenhar essa estratégia foi um diferencial para que a mensagem chegasse em quem mais interessa de maneira autêntica.
Não quero dar muito spoiler, mas me chamou atenção o papel do Brasil no filme. Como já era de esperar (para quem estuda a história da escravidão), a relação Benin-Portugal e Brasil foi intensa e cruel. Mas, não esperava ver tantos diálogos em português. A outra é o fato do dendê aparecer na narrativa, algo que para os baianos, em especial, é muito comum na culinária e na vida cotidiana. É ele, o dendê, mais uma vez, que na narrativa do filme pode salvar os africanos, assim como o vibranium de Wakanda, a nação africana ficcional de pantera negra.
Por fim, é preciso registrar que a provocação de Viola ecoou muito na sala do Teatro do Copacabana Palace. Segundo ela, depende de nós fazer que o filme seja um sucesso para mostrar ao mundo até onde vai o poder da narrativa negra. Então, vamos atender ao chamado da Mulher Rainha (assistindo o filme fica evidente que o nome faz muito sentido) e lotar os cinemas de todo o Brasil.
*Paulo Rogério Nunes é publicitário, consultor em diversidade e inovação e autor do livro Oportunidades Invisíveis.