BONI: “Já disse para a minha mulher: quando eu morrer, ela pode ficar com tudo que é meu, menos com os meus vinhos. Vou beber tudo.” / Divulgação
Da Redação
Publicado em 23 de julho de 2016 às 07h56.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h42.
Tom Cardoso
Não se pode afirmar que José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, seja hoje, aos 80 anos, um homem plenamente realizado. Profissionalmente, não tem do que queixar: ele é, ao lado de Walter Clark, o maior executivo da história da televisão brasileira (difícil imaginar a Globo sendo Globo sem o padrão de qualidade imposto por ambos), ainda em plena atividade. Boni comanda com mãos de ferro a Rede Vanguarda, considerada uma das mais modernais e lucrativas afiliadas da TV Globo, uma potência na região do Vale do Paraíba, em São Paulo.
Boni estaria, portanto, na melhor fase de sua vida, se não fosse pela crise econômica, que o fez abandonar dois de seus maiores prazeres: frequentar bons restaurantes e comprar bons vinhos. A sua adega, até então invejada, está em processo de esvaziamento. O empresário e diretor de televisão se recusa a pagar fortunas por vinhos que até pouco tempo cabiam em seu bolso. “Já disse para a minha mulher: quando eu morrer, ela pode ficar com tudo que é meu, menos com os meus vinhos. Vou beber tudo”.
Ele também deixou de ir a restaurantes, que se tornaram, na sua opinião, impessoais, com nenhum compromisso com a qualidade. “Não é só a economia que está indo pro vinagre. Os restaurantes também”, diz Boni, que recebeu a reportagem da EXAME Hoje em seu escritório, no bairro do Leblon.
De 1997 a 2003, o senhor recebeu um belo salário da TV Globo para não fazer absolutamente nada. Mas não me parece que o senhor estava pronto para se tornar um bon vivant…
Tenho horror a essa palavra. Bon vivant pra mim é o cara que não gosta de trabalhar, que não é produtivo. E eu sempre fui um workaholic. Tanto que quando o meu contrato com a Globo terminou, eu já estava pronto para lançar a minha emissora. Hoje a Rede Vanguarda é uma potência na região do Vale do Paraíba, uma das mais modernas afiliadas da Globo. Trabalho tanto quanto na época da Globo, acho que talvez até mais.
O que o senhor faz lá?
Cuido pessoalmente de muitas coisas que na Globo não precisava cuidar. Eu mesmo dirijo alguns comerciais, faço as minhas vinhetinhas. Diria que sou o Hans Donner (artista gráfico e designer da TV Globo, criador de várias abertura de programas e vinhetas da emissora), sem o mesmo talento, claro, da Vanguarda. A emissora vai muito bem (o faturamento está na casa dos 160 milhões de reais), nunca foi deficitária. Continua me dando um grande trabalho e acho ótimo que seja assim.
Se o senhor fez de uma pequena emissora uma potência em sua região, por que não tentar voos maiores? Nesse tempo todo, nunca ficou tentando a comandar novamente uma grande emissora?
Eu sou movido a desafios. Se é para fazer o que eu já fiz, eu prefiro ficar no meu canto, cuidando da minha televisão. Não teria prazer nenhum em fazer uma nova TV Globo. Só voltaria a dirigir uma emissora se pudesse ter carta branca para fazer o que tenho vontade, que é algo diferente de tudo que está aí. E ninguém hoje quer correr grandes riscos. Os donos de emissoras, além de centralizadores, tendem as ser cada vez mais conservadores. No SBT foi assim: o meu contrato com o Sílvio (Santos, em 2010) durou apenas um dia.
Um dia?
É. No começo das conversas, o Sílvio ficou muito entusiasmado, principalmente depois que eu garanti a ele que não gastaria a fortuna que ele imaginava que eu pudesse gastar. Minha ideia era fazer um novo SBT com uma equipe também nova, sem roubar nenhum funcionário da TV Globo, portando sem precisar fazer grandes investimentos ou pagar multas enormes.
E como seria esse novo SBT?
Uma emissora com um forte investimento no jornalismo, um jornalismo conectado com as ruas, com as redes sociais, extremamente comercial, bem diferente, por exemplo, do feito pela Globo. Eu queria fazer algo mais perto do que a CNN faz, do que a BBC faz. E o SBT não deixaria de ser uma emissora popular. Estava cheio de ideias na cabeça, pronto pra luta, quando recebo, um dia depois da assinatura do contrato, uma ligação do Sílvio dizendo que ele não estava feliz, que tinha medo que eu fizesse do SBT uma emissora focada inteiramente no jornalismo – e era isso mesmo que eu pretendia fazer.
O senhor assinou o distrato?
Sim, na mesma hora. Se o Sílvio não estava feliz, não tinha razão nenhuma para eu tocar o meu projeto em frente. A multa era altíssima, mas não cobrei nada. Tenho e sempre tive o maior respeito pelo Sílvio.
E o Boni amante dos bons restaurantes e vinhos? Continua na ativa?
Não. E não porque deixei de gostar de bons restaurantes e de bons vinhos. Continuam sendo duas das minhas grandes paixões. O problema é que se tornou cada vez mais difícil achar um bom restaurante. São todos iguais. Aumentaram de tamanho, se tornaram insuportavelmente impessoais. O garçom não sabem quem é você – e nem tem como saber, já que o restaurante tem mais de cem mesas. Eu não tenho o menor prazer de comer num lugar com esse perfil. Gosto de pensar no restaurante como uma espécie de extensão da minha casa.
E a qualidade, também caiu?
Muito. Você paga uma fortuna para comer uma carne dura. Não existe mais restaurante com dez mesas, charmoso e com boa comida. Em São Paulo, tem dois ou três, que vão ter que fechar as portas daqui a pouco, porque não conseguem competir com esse novo modelo de restaurante, onde tudo é bonitinho, arrumadinho, impecável, menos a comida e o serviço, os mais importantes. Não é só a economia mundial que está indo para o vinagre. Os restaurantes também.
O senhor também já não bebe vinhos como antes?
Continuo bebendo a mesma quantidade: meia garrafa no almoço e meia no jantar. Mas só posso fazer isso porque tenho uma adega que me permite manter a qualidade sem precisar mexer no bolso. Não compro mais vinho. Os preços se tornaram proibitivos. Eu me recuso a pagar 50.000 numa garrafa de vinho. Só bebo em casa ou na casa de amigos. Fizemos um trato: vamos acabar com as nossas adegas antes de morrer. Não reponho mais. Já disse para a minha mulher: quando eu morrer, ela pode ficar com tudo que é meu, menos com os meus vinhos. Vou beber tudo. Se depender de mim, não vai sobrar uma só garrafa. Talvez uma, vai, para o meu filho Boninho.