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Arte ajuda cidade alemã a superar marcas deixadas pelo comunismo

Com centro de cultura em antiga fábrica, a cidade de Leipzig, na Saxônia, começa a ser chamada de Nova Berlim — ou, para os hipsters, de Hypezig

SPINNEREI: espaço para artistas e startups em antiga fábrica de Leipzig (Rafael Kato/Exame Hoje)
RK

Rafael Kato

Publicado em 21 de novembro de 2017 às 12h05.

LEIPZIG — Vestidos como marinheiros, as crianças e os adolescente que compõem o Coro de São Tomás mantêm a tradição de Johan Sebastian Bach viva em Leipzig, uma cidade de quase 600.000 habitantes no estado da Saxônia, distante 150 quilômetros de Berlim. A velha Leipzig respira o período barroco em cada esquina. A nova Leipzig, no entanto, é um efervescente polo de contracultura, arte contemporânea e tecnologia. Essas duas cidades convivem numa tensão criativa e de diferentes modelos de negócio.

Na velha Leipzig o turismo, sobretudo o musical, com apoio do governo, é negócio central. O coro, que também funciona como um internato, foi comandado por Bach no século 18 e hoje atrai visitantes para apresentações ocasionais nas noites de sexta-feira na nave central da igreja que dá nome ao grupo, como a que a reportagem de EXAME esteve presente em meados de outubro, e nas especialmente concorridas celebrações de Natal e de Páscoa. Nos finais de semana, turistas japoneses invadem as ruas da cidade na expectativa de repetir os mesmos passos do compositor, visitar sua cripta e ver os seus dois retratos originais.

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Muitos, no entanto, cometem um erro ao não se aventurarem a quatro quilômetros de distância do centro histórico e visitar o local mais original da cidade: o Spinnerei, um antigo cotonifício de 90.000 metros quadrados construído em 1884, transformado em centro cultural ao abrigar ateliês de artistas, galerias, escritórios marchands, pequenas editoras, aceleradora de startups, lojas e cafés. É por conta do novo complexo que a cidade está sendo chamada de “a nova Berlim”— ou, no apelido dado pelos jovens descolados, os hispters, de Hypezig. “A cidade é pequena, mas se torna grande por iniciativas como essa”, diz Josef Filipp, dono de uma galeria que leva seu nome.

O Spinnerei começou a ser utilizado por artistas no início da década de 1990, poucos anos depois da reunificação alemã, em busca de alugueis mais baixos e espaços grandes para seus ateliês. O momento era propício, uma vez que a economia de Leipzig, que fizera parte da Alemanha oriental, estava em frangalhos. Com o alto índice de desemprego, a cidade perdeu quase 170.000 habitantes em apenas oito anos. O cotonifício, outrora um imponente complexo industrial, operava apenas parcialmente.

A virada definitiva aconteceu em 2001, um ano depois da última linha de produção ser fechada, quando um grupo de empresários comprou o local com a intenção de transformá-lo em um centro cultural e ajudar na revitalização da cidade. “Aos poucos, todas as galerias se mudaram do centro da cidade para cá”, afirma Ulrich Thaler, que vende até quatro impressões originais — com preços entre mil e 20.000 euros — por mês. “Aqui é melhor, pois estamos mais próximos dos artistas”.

Além dos alugueis mais baixos que o centro histórico, a presença de artistas é facilitada por uma espaçosa unidade da varejista Boesner. Na loja é possível encontrar pincéis, tintas, telas em diferentes formatos, assim como gesso e terracota e outros suportes essenciais para os criativos.

Os dois universos de Leipzig: na porta da igreja, integrantes do coro fundado em 1212; galeria de arte moderna Thaler em espaço no Spinnerei (Rafael Kato) (Araya Diaz/AFP)

Outro fator importante é que o Spinnerei está intimamente ligado aos que os críticos chamam de Nova Escola de Leipzig, um grupo vasto de artistas que inclui nomes como David Schnell, Neo Rauch, Matthiass Weischer. Suas telas misturam elementos figurativos e abstratos e, na essência, exprimem a dualidade da cidade: o antigo e o novo, assim como a confusão e decadência após o fim da era comunista.

O balanço entre o coletivo e do privado permeiam todas as relações no Spinnerei. “O Spinnerei é uma fábrica privada, todos nós alugamos nossos espaços, não há dinheiro público envolvido”, afirma Anna-Louise Rolland, diretora de um projeto de intercâmbio internacional de artistas, que contou com o brasileiro Daniel Lannes entre os residentes em 2016. “Isso significa que para sobreviver é preciso fazer coisas juntos, como os grandes tours, para até 8.000 convidados que realizamos três vezes por ano. Aqui todos trabalham juntos, instituições, artistas”.

O antigo e o novo, segundo Anna, começam uma conciliação. O museu de arte da cidade, o Museum der bildenden Künste, está agora a integrar novos artistas em seu acervo. O movimento acontece após a chegada do historiador da arte austríaco Alfred Weidinger como diretor em agosto deste ano. “As conexões podem ser feitas. Elas dependem apenas de pessoas educadas no poder e na cultura”, diz Anna. Em Leipzig, isso significa apreciar tanto a beleza de um cantata de Bach como uma tela abstrata.

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