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Aquecimento global ameaça Jogos de Inverno e Pequim tem 100% de neve fake

Cerca de 80% da neve em Sochi, na Rússia, foi fabricada; quatro anos depois, em Pyeongchang, na Coreia do Sul, essa participação subiu para 90%

Jogos Olímpicos de Inverno de 2018, na Coreia do Sul (David W Cerny/Reuters)

Jogos Olímpicos de Inverno de 2018, na Coreia do Sul (David W Cerny/Reuters)

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Agência O Globo

Publicado em 3 de fevereiro de 2022 às 21h00.

Semanas antes dos melhores esquiadores e snowboarders do mundo descerem em Zhangjiakou, o principal local dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, uma dúzia de máquinas furiosamente produziram neve para cobrir as montanhas que eles vão descer.

As encostas logo foram cobertas de branco, e os canhões não pararam por aí. Um som ensurdecedor continuou por horas enquanto eles revestiam o resto da paisagem cinzenta para completar um cenário perfeito de neve que poderia ser transmitido ao redor do mundo. As gotas de água que eles pulverizaram no ar pairaram como fumaça branca sobre o local enquanto temperaturas congelantes e produtos químicos ajudavam a transformá-los em gelo.

A neve artificial tornou-se um acessório dos Jogos Olímpicos de Inverno, pois as mudanças climáticas reduzem o número de países que recebem neve natural suficiente para realizar o evento.

Mas Pequim será a primeira anfitriã a confiar completamente no pó artificial.

Nas últimas quatro décadas, a precipitação média de neve na região de Zhangjiakou foi de apenas 7,9 milímetros. A cidade de esqui europeia de Davos, na Suíça, recebe nove vezes essa quantia em um dezembro típico. O Greenpeace estima que as temperaturas de Pequim podem aumentar até 2,4 graus Celsius em média à medida que o planeta aquece. Um clima mais quente já encurtou os invernos da região em mais de 10 dias em comparação com a década de 1970.

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Existem algumas vantagens na neve fabricada, que é mais compactada e proporciona declives mais consistentes e desejáveis.

Mas a quantidade de neve artificial aumentou para níveis sem precedentes nos últimos anos. Cerca de 80% da neve dos Jogos de 2014, em Sochi, na Rússia, foi fabricada. Quando a Coreia do Sul sediou em Pyeongchang quatro anos depois, essa participação subiu para 90%.

Esquiadores e snowboarders competirão nos primeiros Jogos Olímpicos de Inverno que dependerá completamente da neve artificial, sobrecarregando ainda mais as regiões secas ao redor de Pequim.

Especialistas temem que o esforço para transformar Zhangjiakou piore a grave escassez de água da região, que está entre as piores do país. Há também o risco de que a neve falsa possa ser prejudicial ao meio ambiente quando derrete.

Mais da metade de Zhangjiakou é “altamente estressada pela água”, de acordo com a China Water Risk, um grupo ambiental com sede em Hong Kong, e os recursos hídricos locais per capita são menos de um quinto da média nacional da China. Ainda assim, Zhao Weidong, porta-voz dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, disse que quase 10% da água consumida em Chongli, distrito de Zhangjiakou, será usada para fazer neve.

Para aliviar essa pressão e reduzir a extração de água subterrânea, a China construiu 11 tanques de água perto dos locais para coletar 530 mil metros cúbicos de água do escoamento superficial, chuva e neve derretida. A água de um reservatório em Yunzhou, uma cidade que fica a duas horas de carro, também será canalizada, de acordo com Zhao.

— Deve haver alguns impactos em uma região onde quase não há água no inverno — disse Carmen de Jong, geógrafa da Universidade de Estrasburgo. — Durante meio ano, durante a temporada de esportes de neve, a água fica longe do ecossistema natural.

A China pode precisar de até 2 milhões de metros cúbicos de água – o suficiente para encher 800 piscinas olímpicas – para criar neve falsa suficiente para cobrir pistas de esqui e estradas de acesso durante os Jogos, de acordo com de Jong.

Este quadro não impediu a China de investir pesadamente na indústria do turismo de Zhangjiakou desde que Pequim ganhou sua candidatura para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2015.

Hoje tem sete movimentadas estações de esqui e a cidade recebe 3 milhões de esquiadores anualmente. Um trem rápido inaugurado em 2019 leva apenas 50 minutos de Pequim, permitindo viagens rápidas de fim de semana.

De acordo com a Administração Estatal de Esportes, a China já atingiu sua meta de ter 300 milhões de pessoas participando de esportes de neve e gelo. Também construiu 650 centros de patinação e 800 resorts de esqui em todo o país.

Pequim é a primeira cidade a receber tanto os Jogos de Verão quanto os de Inverno. E isso só foi possível porque, quando a escolha da sede da edição de 2022 foi feita, a Olimpíada sofria forte rejeição em cidades que pleiteavam receber a competição, a ponto de Cracóvia (Polônia), Lviv (Ucrânia) e Estocolmo (Suécia) retirarem suas candidaturas. Em Munique (Alemanha), a população nem permitiu a tentativa, rejeitando-a em referendo.

O Comitê Olímpico Intrenacional se viu então com apenas duas alternativas: Pequim e Almaty, capital do Cazaquistão.

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