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Aos 83 anos, Zé Celso quer garantir futuro do Teatro Oficina

Nos últimos meses, o Oficina realizou campanhas para arrecadar recursos, pois já enfrentava dificuldades financeiras

Zé Celso: diretor conta que está escrevendo um livro (Produção Cultural no Brasil/Wikimedia Commons)

Zé Celso: diretor conta que está escrevendo um livro (Produção Cultural no Brasil/Wikimedia Commons)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 22 de julho de 2020 às 14h39.

Antes da pandemia se instaurar na capital, o Teatro Oficina ensaiava uma cena que, talvez, nunca seja vista.

Do alto do teatro de Lina Bo Bardi, no Bexiga, um grande objeto redondo em formato de vírus descia, acompanhado pela trilha sonora ao vivo de violinos. "Ensaiamos muitas vezes, estava bonito. Era uma forma de demonstrar a dor pelas pessoas que morreram em outros países, e que já começavam a morrer por aqui" conta ao Estadão o diretor e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa.

Como tudo na cena cultural do país, o Oficina também precisou suspender as atividades. "Pelo menos tivemos o carnaval", ele aponta. "A gente ia voltar às atividades logo em seguida. O Oficina não concorre com o carnaval."

Durante a pandemia, entrevistas por telefone facilitam muito o trabalho de apuração, mas uma exceção é quando se trata de falar com o diretor de 83 anos. Em ocasiões anteriores presenciais, Zé Celso costumava parar entre uma resposta e outra para contar histórias, cantarolar qualquer trecho de alguma música da peça, e repetir as coreografias. Uma diversão à parte.

Agora, ele também reconhece a limitação de uma conversa via telefone e traz na voz a preocupação de alguém que não tem tempo a perder. "Estou confinado em casa há mais de 100 dias, ou será mais?", questiona. "Ontem eu participei de uma live, gastei um tempão e não deu certo."

A mudança de ritmo impôs outros limites. "Sigo lendo, estudando. Essa coisa de home office é um trabalho danado." O que ele está lendo recentemente é A Queda do Céu - Palavras de um Xamã Yanomami, do escritor e líder político Davi Kopenawa. "Ele narra como os índios enfrentaram essa infecção chamada homem branco."

Ao Estadão, o diretor também conta que está escrevendo um livro. "É sobre a origem da nossa tragicomédia-orgia do Oficina. Enquanto Nietzsche se inspirou na ópera - ele adorava a Carmen, de Bizet, vou me inspirar nos batuques e no candomblé. Para mim, música não é espírito. É corpo."

O investimento de tempo na obra vem oportuno, longe dos palcos. Em São Paulo, não há previsão de reabertura de teatros e espaços culturais, embora o plano do governo do Estado considere o dia 27 de julho. Segundo apuração do Estadão, a Prefeitura deve emitir os primeiros protocolos ainda neste mês, para então aguardar a aprovação da Vigilância Sanitária. Para teatros privados e de terceiros, a volta deve ocorrer entre o fim de agosto e início de setembro.

Antes da pandemia, no entanto, o Oficina já enfrentava dificuldades financeiras. Nos últimos meses realizou campanhas para arrecadar recursos e, há alguns anos, o espaço aguarda liberação para realizar manutenção das arquibancadas e da parede de tijolos que estava cedendo. Apesar da aprovação da obra pelos órgãos de proteção ao patrimônio - O Oficina é tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), o teatro ainda aguarda licitação para contratação da empresa e início das obras.

Além disso, há o quase eterno embate com o Grupo Silvio Santos, por conta do terreno ao lado do teatro. Um projeto de lei para o Parque Bixiga chegou a tramitar na Câmara Municipal. Foi aprovado, mas não sancionado pela Prefeitura.

"Lamento, mas a decisão é discutível. Vamos continuar lutando", afirmou. Enquanto não é possível realizar temporadas, o Oficina promove ações online e produz podcasts sobre suas montagens. Zé Celso reconhece que é preciso garantir o legado do espaço, ainda em vida. "Já estou caminhando para ir embora, tudo que estou fazendo não é mais para mim."

E essa defesa do teatro tem tudo a ver com a questão ambiental, segundo ele. O projeto do Parque Bixiga representa um experimento que Zé Celso gostaria que se espalhasse para outros cantos da cidade, e do País. "A disseminação do coronavírus tem tudo a ver com a destruição da natureza. Esse vírus pegou cidades cimentadas. No Brasil, o primeiro caso foi em São Paulo. É uma espécie de sopro da natureza, que sofre em agonia. Olhe só como o Minhocão violentou a cidade, separando, como foi em Berlim."

Entre as ações de auxílio voltadas aos artistas, ele comemorou a aprovação da Lei Aldir Blanc, que transfere recursos para trabalhadores da cultura. Em São Paulo, mais de 115 mil pessoas receberão o auxílio. "Para nós, que temos mais de 60 pessoas envolvidas nas peças, é um reforço. Na Europa, por exemplo, os teatros mais importantes receberam subsídios durante a pandemia."

Nos próximos dias, Zé Celso adianta que iria participar de outras lives. "Como eu disse, levei um tempão e não ficou bom. Parece que tiveram problemas técnicos." A programação de peças online que se multiplicou nos últimos meses não surpreende o diretor. O Teatro Oficina é conhecido por realizar transmissões ao vivo de suas montagem, em seu canal no YouTube. "Teatro é outra coisa, não é?"

Sem previsão de volta aos palco, Zé Celso intui que a pandemia vai deixar impacto duradouro no Brasil e no mundo. "Tomara que as relações mudem. 1% da população tem toda a grana do mundo", acrescenta. "Como dizer para alguém ficar em casa, se a pessoa nem casa tem? O Brasil é assim. Se for o nosso apocalipse, que seja o fim do capitalismo."

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