Galeria Raquel Arnaud. (Divulgação /Divulgação)
Repórter de Casual
Publicado em 22 de fevereiro de 2024 às 17h15.
Há 50 anos, Raquel Arnaud abria as portas de sua galeria. Para comemorar a data, a partir de hoje, 22, a galeria apresenta a mostra Galeria Raquel Arnaud – 50 anos.
Com curadoria de Jacopo Crivelli Visconti, a exposição apresenta momentos decisivos da arte contemporânea brasileira desde a década de 1970 e revela como a marchand consolidou um projeto artístico ao promover grandes artistas como Amilcar de Castro, Mira Schendel, Waltércio Caldas, Iole de Freitas, entre muitos outros.
A história da galeria é apresentada ao público por meio de uma linha do tempo, com destaque para documentos raros produzidos pela instituição ao longo dos anos. Livros, convites elaborados por designers, folhetos e publicações podem ser vistos pela primeira vez, além de mais de 40 obras de artistas que passaram pela galeria, como Sérgio Camargo, Hercules Barsotti, Sérvulo Esmeraldo e Mira Schendel, artista suíça que expôs a série ‘Sarrafos’ na instituição, pouco antes de falecer em 1988.
Segundo o curador, o papel da galeria no fortalecimento da arte contemporânea é o centro da narrativa mostrada na exposição. “Quase se vislumbra uma contradição ao destacar a trajetória de Raquel na exposição, dado que as obras de arte e os artistas sempre ocuparam o posto mais significativo em sua vida. Contudo, ao menos uma vez após meio século, desviar a atenção não para as obras em si, mas sim para a história da galeria, torna-se o foco”, diz Visconti.
“A primeira exposição que fizemos no Gabinete de Artes Gráficas foi de Arthur Luiz Piza, com 70 gravuras, um sucesso, todas vendidas e algumas mais encomendadas. O artista Arthur Piza foi o primeiro artista da minha vida como galerista, e o acompanhei até sua morte em 2017”, destaca Raquel Arnaud.
No início de sua trajetória como marchand, enquanto desenvolvia a carreira dos artistas de belas artes, Raquel Arnaud dirigiu a galeria Arte Global, da Rede Globo. Um experimento único no mercado de arte brasileiro, que levou ao horário nobre da televisão obras de artistas plásticos através de peças publicitárias elaboradas para a linguagem audiovisual.
Grandes nomes do movimento neoconcreto fazem parte do DNA da galeria desde sua formação. Willys de Castro, por exemplo, explorava as possibilidades no campo da abstração geométrica e sempre teve espaço para exibir suas criações, tendo realizado na instituição sua última individual, em 1986.
No mesmo ano, a veterana Lygia Clark participou de sua última coletiva na galeria. A escultora chamava atenção pelas suas declarações a respeito de não ser artista. Nos últimos anos de vida, próxima da psicanálise, a dama do neoconcretismo incorporou trabalhos mais gestuais à sua obra.
E é justamente na década de 1980 que a instituição entra em uma nova fase e passa a se chamar Gabinete de Arte Raquel Arnaud. Novos nomes como Nuno Ramos e Tunga ganham destaque na programação da galeria com suas técnicas inovadoras.
Na mesma época, foi exposta no Gabinete de Arte a série ‘Carimbos’, de Carmela Gross, trabalho que criticava diretamente a censura do regime militar ao tratar da reprodução em massa da imagem. Em um primeiro momento, houve uma baixa adesão do público à exposição. Mas o reconhecimento veio anos depois, quando a obra foi incorporada no acervo permanente do MoMA, em Nova York, confirmando o olhar atento da galerista para novas tendências.
Já a ítalo-brasileira Anna Maria Maiolino expôs com Raquel Arnaud algumas de suas obras mais ousadas. Conhecida por trabalhos que retrataram os perigos dos regimes de exceção, com forte teor contestatório, Maiolino também explorou as possibilidades das linhas, das dobras e formas em trabalhos com argila e tecidos.
“Continua sendo um desafio, como sempre foi, dar continuidade à linha de trabalho na galeria, contemplando por um lado os nomes consagrados que represento há muitos anos assim como os mais jovens talentos que serão também consagrados, numa conversa geracional investigativa e produtiva”, diz Raquel.
Ao destacar expoentes dos movimentos concreto, cinético, abstrato e geométrico, a galeria Raquel Arnaud não deixou de abrir suas portas para artistas de outras vertentes.
Ao longo dos anos, o diálogo virou sinônimo da curadoria desta dama das artes, que mostrou artistas muito distintos entre si, como Vik Muniz, Regina Silveira e Lygia Pape. Alinhada às experimentações visuais e atenta a tendências internacionais, a galerista foi uma das primeiras a trazer grandes nomes da arte cinética, como Almandrade, Jesús Rafael Soto e Carlos Cruz-Diez.
Raquel Arnaud também fundou o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) em 1997 para documentar e catalogar obras de artistas do gênero, como Sergio Camargo e Willys de Castro, os primeiros a terem seus acervos incorporados à instituição graças ao papel da galerista.
O projeto de reunir arquivos para pesquisa e consulta pública exigiu tempo, dedicação e recursos próprios, uma vez que a instituição se propunha a um papel pioneiro ao disponibilizar material até então inédito para pesquisadores.
A mostra Galeria Raquel Arnaud – 50 anos ficará em cartaz entre fevereiro e maio e terá uma dinâmica inédita ao eleger uma expografia em transformação.
“Vamos ter uma série de conversas com artistas de papel importante na galeria e, ao longo dos meses, vamos trazer obras marcantes para construir um diálogo contínuo e vivo. Assim, o público vai poder conhecer trabalhos de vários pintores e escultores que não teriam suas criações mostradas por conta do espaço”, destaca Visconti, sobre a rotatividade de alguns trabalhos.
No final do semestre, a galeria lançará uma publicação sobre a comemoração, com textos de intelectuais, críticos e curadores que fizeram parte da história da instituição.