Pablo Somoza, gerente de contas, do Rio de Janeiro: sua fatura do cartão de crédito é três vezes maior do que seu salário (André Valentim/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.
São Paulo - Jogue a primeira pedra quem nunca se arrependeu de uma compra de impulso. É quase irresistível. Você vê o produto na vitrine, acompanhado da palavra “promoção” em letras garrafais, e em segundos está sacando o cartão de crédito da carteira. Daí, sai feliz da loja.
A felicidade, no entanto, tem prazo para acabar. No caso de Pablo Somoza, de 37 anos, gerente de contas da Alog Data Center, no Rio de Janeiro, a satisfação dura 24 horas.
“É o tempo que leva para cair a ficha de que fiz uma compra desnecessária”, diz. Neste mês, um de seus quatro cartões de crédito vencerá com uma fatura quase três vezes maior do que seu salário — 81% do total corresponde a dívidas de meses anteriores. Há três meses, o gerente está rolando a dívida no cartão de crédito. Assim como Pablo, 21% das famílias brasileiras estão com as contas em atraso.
O último levantamento da Serasa Experian aponta o avanço de 19% no número de inadimplentes no primeiro semestre. Desses devedores, 60% têm débitos que superam a receita mensal. O valor da dívida de Pablo é resultado de três meses de gastos descontrolados, mesmo sendo um profissional bem remunerado — de acordo com a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ele recebe mais do que 99% dos brasileiros que trabalham.
Sua renda mensal é constituída de salário fixo mais remuneração variável por desempenho. Ele diz que nos últimos três meses não recebeu boas comissões, por isso se enrolou com as contas.
Pablo, como muita gente, conhece a fórmula para evitar o endividamento: compre apenas o que precisa, faça algumas reservas para realizar seus sonhos e não gaste mais do que ganha. No entanto, o executivo simplesmente não consegue controlar o ímpeto consumista. “Quando vejo, já estou pagando”, diz.
Em julho, sua maior despesa foi com o pagamento de contas, que incluem condomínio, telefone e outras despesas da casa, que somam 28,1% do montante do mês. No cartão de crédito ele acumula milhas, porém, a estratégia é válida somente para quem tem as contas planejadas.
Outros 23,85% foram para bares e restaurantes, enquanto 9,46% desembolsados em supermercados. As roupas contribuíram com 8,34% da fatura do cartão e os eletroeletrônicos, que ele considera seu verdadeiro vício, ocuparam 7,26%.
O conselho do consultor de finanças Ricardo Fairbanks, da Dinheiro em Foco, é quitar os débitos o quanto antes. Os juros do cartão de crédito são os mais altos do mercado, chegando a 323% ao ano. E, depois, diz o consultor, Pablo deve trocar o cartão de crédito pelo de débito. “Nos primeiros meses ele vai surtar, percebendo que a grana está acabando. Mas depois perceberá que é possível ganhar o dinheiro primeiro para gastar depois”, diz Ricardo.
Consumo excessivo
O que separa pessoas como Pablo de uma vida financeira saudável é o consumo excessivo. A má notícia é que esse é um comportamento ditado, em boa parte, pelo seu cérebro. Já a boa-nova é que é possível aprender a controlar o ímpeto consumista. O ato de comprar compulsivamente leva o cérebro a se comportar de forma diferenciada, ativando o sistema de recompensa cerebral, uma área que é responsável pela sensação de prazer após a compra.
Em boa parte dos casos, a impotência diante de um impulso consumista tem base fisiológica — gastar se torna uma importante fonte de prazer em momentos de estresse e de falta de tempo para outras atividades.
Martin Lindstrom, publicitário dinamarquês e especialista em estudos do comportamento do consumidor, acredita que ninguém está imune ao consumo desvairado. A difícil relação entre o homem e as compras é tema de seu livro A Lógica do Consumo (Ed. Nova Fronteira), que o levou à lista de uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, de acordo com a revista Time.
Em entrevista à VOCÊ S/A, ele afirma que “nosso cérebro se comporta da mesma forma quando usamos drogas ou fazemos compras. Exatamente a mesma química é liberada”.
O segredo é dar um tempo para que o organismo dilua a dopamina, que é o neurotransmissor responsável pela sensação de prazer. “Se você se apaixonar por algo, espere 24 horas e depois volte à loja. Se ainda estiver apaixonado, possivelmente é um produto que merece ser adquirido.” O especialista também aconselha usar mais o pagamento em dinheiro vivo. “Assim, você cria uma relação tangível com o preço do produto, o que o fará gastar menos. De acordo com as nossas pesquisas, isso reduz o gasto em 11%”, afirma.
No supermercado, o conselho é carregar todos os produtos nas mãos, ainda que isso seja feito com mais frequência no mês. “Nos últimos cinco anos, o tamanho do carrinho dobrou, aumentando em 40% as vendas das grandes redes varejistas”, diz Martin.
Ele garante que ouvir uma música bem acelerada durante as compras leva a uma redução de 19% nos gastos, enquanto deixar as crianças em casa pode resultar em uma economia de 26%. Outra sugestão do especialista é comer antes de fazer qualquer compra. “Isso fará seu consumo diminuir aproximadamente 22%, graças à sensação de saciedade.”
Freando o impulso
O neurologista Fernando Campos Gomes Pinto, coordenador da Liga de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, destaca que a melhor ferramenta para colocar o sistema nervoso em ordem é o repouso. “O sono reorganiza os pensamentos, pois é o momento em que o cérebro sai do estado de vigília”, explica o médico.
Também não abra mão das atividades artísticas nem dos exercícios físicos. O ganho na qualidade de vida pode frear o impulso consumista. Mais uma sugestão do neurologista é curtir o produto. “Vá à loja, experimente, converse com os vendedores e manuseie o produto. É uma forma de induzir o cérebro a se sentir realizado antes de passar no caixa”, aconselha.
Essas foram as ferramentas adotadas por Carolina Fernandes, coordenadora de marketing da Asyst International, multinacional de TI, com escritório em São Paulo. Em 2009, ela esteve nos Estados Unidos a passeio. De lá trouxe 35 tubos de hidratante, sete relógios, notebook, tablet e uma fatura de 12 000 reais no cartão de crédito.
Todas as suas economias foram usadas para o pagamento da conta. Ainda assim, a dívida perdurou por mais seis meses. “Durante esse período fui pagando o máximo que pude, mês a mês. Foi o maior susto da minha vida”, conta Carolina.
Hoje, aos 27 anos, afirma que “os últimos meses têm sido terríveis”. Isso porque ela está praticamente em um processo de reeducação financeira graças ao estímulo do namorado — ela o considera supercontrolado quando o assunto é dinheiro.
Os passeios em shopping nos fins de semana foram substituídos pela academia, pelos tratamentos estéticos e até por visitas a amigas. “Quando chega a noite, respiro aliviada por ter conseguido mais um sábado sem fazer compras”, diz Caroline, que ainda tem peças com a etiqueta em seu guarda-roupa.
Para matar a vontade de adquirir roupas novas, ela aproveita parte do guarda-roupa da irmã. O esforço já resulta em um corte de 50% no valor mensal da fatura do cartão de crédito. “É difícil, mas fico muito feliz de ver a grana ir para um destino mais nobre”, diz ela, que agora investe 40% do salário. “Ver meus recursos crescerem na poupança me dá prazer. Fico muito feliz.”