USP: vestibular de medicina é um dos mais concorridos do país (USP/Reprodução)
Redação Exame
Publicado em 12 de março de 2023 às 10h11.
Todo início de ano é a mesma história. Saem os resultados dos vestibulares e somos inundados com histórias de super-heróis inabaláveis, que gabaritaram as provas mais difíceis e que nos fazem pensar: “É impossível competir com essas pessoas.”
Sim, esse é um ciclo comum para muita gente. Mas a verdade é que passar em primeiro lugar em um vestibular concorrido não é como todo imagina. Quem consegue essa façanha, na maioria das vezes, sofre pressões como qualquer outra pessoa.
Exemplo disso é o estudante mineiro Rafael Lara, de 19 anos. Ele foi o primeiro colocado geral no vestibular da Universidade de São Paulo (USP) deste ano, mas, se tivesse errado uma questão a mais na primeira fase, estaria fora da disputa pela vaga do curso de Medicina – o mais concorrido.
Rafael Lara deu entrevista ao NaPrática e falou da pressão psicológica a que foi submetido, desmistificou o heroísmo dos primeiros colocados e, é claro, deu dicas sobre o vestibular da USP. Confira a seguir.
Entrevista com Rafael Lara, primeiro colocado na Fuvest 2023
NaPrática: Como foi sua educação de modo geral? Em que escolas estudou e o que mais te interessava na escola e no dia a dia como criança e adolescente?
Estudei na Fundação Torino, que é uma escola com uma abordagem humanística. Então, eu estudei muita filosofia e literatura. Havia um propósito humano lá, de pensar o mundo.
NaPrática: Como surgiu a vontade de fazer medicina?
Minha vontade de fazer medicina surgiu depois. No início da pandemia, eu descobri que tinha diabetes tipo 1, e passei a ter mais interesse depois disso. Eu sabia que tinha chances porque nunca fui ruim em matemática, e acho que optei por medicina também devido à pesquisa científica, que é o pelo que eu mais me interesso.
NaPrática: Quando começou esse projeto e como foi o planejamento em casa para a missão?
Acho que algo bem importante no início foi dar importância ao autoconhecimento, para entender o que eu precisava estudar mais. Ao todo, fiz um ano e meio de cursinho. No começo, no primeiro ano, aprofundei bastante na teoria. Sabe? Ver aula, mesmo, fazer resumo, anotação, para entender a fundo a teoria, e fazia um simulado por semana.
NaPrática: Isso ajudou na prova?
Eu fiz a prova no primeiro ano e não passei. Percebi que eu não tinha uma boa estratégia de prova e, no segundo ano, comecei a focar nas minhas lacunas teóricas. Eu fazia muitas questões e, perto da prova, alguns meses antes, comecei a fazer só prova. E isso é algo bem importante, na verdade: tentar fazer a prova em casa mais rápido, porque no dia tudo é diferente. O nervosismo te faz render menos e você leva mais tempo em cada questão.
NaPrática: E ao fazer as provas para treinar, você estudava o que errava?
Sim! Ao testar, a ideia é errar. Eu fazia questões que me desafiavam porque acertar as questões não ajuda. Você não vai aprender fazendo questões sobre temas que você já conhece. É como na vida, mesmo. Quando você falha, vem um aprendizado.
NaPrática: E como foi o seu processo de estudos mesmo? Cursinho, home office? O que você fez de fato?
Essa é uma escolha difícil. No cursinho online, não estava dando mais certo, no meio da pandemia, por conta da saúde mental. No presencial, não rendia porque eu falava demais com as pessoas e isso me atrapalhava. Então eu precisei equilibrar. Noventa por cento do tempo eu ficava em casa, e o restante eu passava no cursinho.
NaPrática: Medicina é um curso que demanda um vestibulando quase perfeito, ou seja, que vai bem em todas as disciplinas. Mas se você pudesse indicar uma parte da prova que fosse mais importante, qual seria?
Em Medicina, a nota de corte foi de 81 questões. Uma dica para quem quer ir bem é tentar ficar bem acima da nota de corte. No meu caso, eu fiquei exatamente no corte e tive que ir muito bem na segunda fase. Outro ponto importante é que a Fuvest, de certa forma, dá um peso bem alto para a prova de Linguagens. Redação e Língua Portuguesa são muito importantes e as notas das pessoas costumam ser ruins nessas provas. E, além disso, é preciso responder as questões de forma completa na segunda fase, que é dissertativa. O vestibulando precisa responder a questão e demonstrar como chegou à resposta.
Na Prática: Muitos estudantes relatam desgastes físico e emocional durante o ano pré-vestibular. Como você lidou com essa situação? Você acha que ela gerou efeitos na sua saúde hoje?
No meu caso, eu não achei que ia passar e muito menos achei que ia passar em primeiro. No fim, o que mais me desgastou foi o fato de que estudar para o vestibular é um pricesso que demanda muita dedicação e é muito solitário. Eu passei muitas horas sozinho aqui no meu quarto. É importante tomar muito cuidado para que o desgaste não te domine.
Na Prática: E como você fez isso?
Eu acredito que a vida tem três pilares ao estudar: o acadêmico, o emocional e o físico. Um deles sempre vai estar mais atrofiado. Como eu tenho diabetes, preciso me cuidar muito e, por isso, eu não abdiquei de exercício físico e sono de jeito nenhum. Eu dormia nove horas por dia.
Agora, no pilar social, eu fiquei muito desgastado. Tentava superar isso com ajuda da música. E quando não dava mais, eu saía com alguém para tomar um sorvete. Tirar férias, também, no meio dos estudos, me ajudou muito. Mas, do ENEM em diante, eu fiquei muito ansioso e cada prova me deixava ainda mais ansioso.
Depois da primeira fase eu voltei para Belo Horizonte chorando. E, para a segunda fase, eu passei a maturar a ideia de que não passaria. No fim, acho importante dizer que eu tive sorte. O vestibular demanda dedicação e um pouco de sorte também.
NaPrática: Você considera que esse processo valeu a pena no fim das contas? Quais são as suas expectativas para os próximos anos?
Rafael: Valeu a pena, com certeza. Realizei um sonho. Tremi de felicidade. Eu não tenho uma visão definida, mas quero me desenvolver enquanto ser humano, ter sempre ao meu lado pessoas de um círculo pessoal positivo para mim, pessoas que eu amo. E quero impactar a sociedade através de pesquisa, seguir o caminho de ajudar pessoas e salvar vidas.