Propostas de trabalho trazem remunerações incompatíveis com suas exigências (Feng Li/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 4 de abril de 2011 às 08h49.
São Paulo – Está sobrando vaga de emprego em TI. As próprias empresas confirmam a fartura de posições no setor e reclamam por não achar quem as preencha. Alegam que há falta de qualificação, mas há outras razões.
Profissionais da área questionam os salários oferecidos pelas companhias. Consideram os valores muito baixos e incompatíveis com as muitas exigências feitas pelas companhias em termos de qualificação.
Essa falta de acordo sobre salário entre empregadores e candidatos é o grande conflito vivido atualmente pelo setor.
Há relatos de propostas de trabalho cujas remunerações sequer chegam a R$ 2 mil, valor baixíssimo para um segmento conhecido por pagar melhores salários do que ocorre em outras carreiras. O resultado é que muitos preferem realizar trabalhos como freelance à espera de melhores propostas de trabalho com registro em carteira (CLT).
No entanto, as grandes empresas de tecnologia do país negam que remunerem mal seus colaboradores de TI. Alegam oferecer valores compatíveis com o mercado.
Rodolfo Eschenbach, líder da área de gestão de talentos da Accenture, considera exagerados os salários pedidos e questiona a mentalidade dos profissionais de TI, segundo ele muito imediatista. “Está acontecendo uma inflação de salários, com o pessoal pedindo [valores] 20% acima da média. Pensam no curto prazo. Querem ganhar dinheiro e não pensam em construir algo no futuro. A Accenture procura pessoas com potencial e que queiram desenvolver as suas carreiras na empresa”.
Eschenbach diz que a companhia possui diversas vagas em aberto, mas enfrenta dificuldade para contratar no modelo tradicional, razão pela qual tem investido em algumas iniciativas, como o programa "Traga seus Amigos". Por meio dele, os próprios funcionários da Accenture fazem indicações de profissionais em troca de um bônus (cujo porcentual não é revelado) em seus vencimentos. Segundo a empresa, dependendo da área, uma indicação bem sucedida pode rende até um salário adicional.
De acordo com o responsável pela área de gestão da empresa, o prêmio é pago quando o indicado completa três meses na companhia.
“O programa já existia, mas recentemente nós o revitalizamos com um aumento na bonificação. Tem sido grande fonte de recrutamento. É ótimo porque um funcionário nosso sabe exatamente como funciona o dia-a-dia da empresa, portanto tem facilidade para encontrar gente que se enquadre à cultura e aos valores da companhia. Acaba trazendo gente competente”, explica.
Marco Stefanini, fundador e presidente da Stefanini It Solutions, outro a confirmar a dificuldade do setor para preencher postos na área de tecnologia, chama atenção para outro aspecto, além da divergência salarial, que é o menor interesse dos estudantes pela carreira na área de Exatas. “Notamos que os estudantes têm preferido a área de Humanas às Ciências Exatas. Com isso, a oferta de profissionais é menor e dá mais trabalho para contratar. Muitas vezes, a empresa não consegue pagar salários altos, mas essa é uma dificuldade do setor, então o mercado acaba se auto-regulando”, afirma.
Veronika Falconer, diretora de RH da CPM Braxis Capgeminiz, aponta a escassez de profissionais qualificados e a grande concorrência pelos melhores talentos como os principais entraves na hora de contratar. “Atualmente, o mercado de TI vem crescendo de maneira impressionante. Por consequência, surgem várias oportunidades de trabalho para os profissionais. A concorrência pela busca dos melhores talentos é grande, o que dificulta o preenchimento das vagas”.
Veronika também chama atenção para a fuga de profissionais do modelo tradicional com carteira assinada. “Há gente na área que prefere trabalhar pelo modelo de subcontratação. Como a CPM Braxis Capgemini trabalha somente no modelo de CLT, em alguns casos temos dificuldades para trazer esses profissionais”, conta.
Carreira supervalorizada
Veronika discorda que as exigências em termos de qualificação por parte das empresas sejam altas para os salários que elas oferecem. “Tenho observado um movimento inverso. Os profissionais é que estão exigindo remunerações cada vez maiores, mesmo com pouco tempo de experiência. Isso acontece devido ao aumento crescente das oportunidades e os profissionais têm se valorizado cada vez mais”, diz ela.
“Muitos são beneficiados com a supervalorização de seus passes. Mas não podemos alimentar essa supervalorização sem saber do que eles são capazes”, concorda Michael Wimert, presidente da Elucid, empresa da área de tecnologia focada no setor elétrico, que também reclama do nível dos candidatos. “A falta de profissionais qualificados no mercado gera uma verdadeira guerra entre as empresas para conseguir contratar os melhores, que são aqueles que poderão lidar com os grandes projetos de TI. Consultores funcionais de ERP, por exemplo, costumam ter propostas de salário bem altas”.
Maria de Fátima Albuquerque, diretora de Recursos Humanos da Totvs, reclama da formação do profissional de TI nas universidades. “Nesse setor, acredito que as escolas estão formando gente cada vez menos especialista. As empresas precisam da educação formal mais sólida e minimamente especializada no que tange a linguagens e conceitos de programação e regras de negócios, por exemplo. O foco nos custos de pessoal é fator crítico do sucesso de empresas. Temos procurado contornar o conflito entre exigências e salários com investimentos em processos melhores de formação interna”, revela.
A diretora de RH da Totvs considera um erro estratégico do profissional com a própria carreira ao exigir uma remuneração fora da realidade do mercado. “Pedir salários mais altos do que os praticados pelas empresas do setor deixa o candidato fora de qualquer processo”, enfatiza Maria de Fátima.
“Os profissionais deveriam pensar de modo estratégico em sua carreira, evitando pular de emprego em emprego por pequenas diferenças salariais. Compatibilizar aprendizado, experiência em projetos e problemas complexos é mais importante do que remuneração. É através da sólida construção de competências e da especialização que o profissional se torna mais atrativo para as empresas e, naturalmente, seu talento é reconhecido e sua remuneração aumenta”, pondera Rafael Sampaio, CEO da empresa de Segurança da Informação, Future Security.
De forma a minimizar o problema da dificuldade em conseguir pessoal de TI, Veronika explica que a CPM Braxis procura investir na contratação e formação de jovens estagiários. “A empresa tem uma estratégia de formação de profissionais na base da pirâmide. Por meio de um forte programa de estágio, buscamos os melhores estudantes nas faculdades e os capacitamos com treinamentos técnicos e comportamentais. Nós os formamos ‘dentro de casa’, com a cultura e valores da empresa e com uma visibilidade de carreira na própria companhia”, esclarece.
Para os profissionais conseguirem se recolocar rapidamente, Veronika sugere que se mantenham constantemente atualizados, participem de congressos, palestras para troca de informações e networking, além de buscar o aperfeiçoamento em idiomas, principalmente o inglês. “Também devem manter os seus currículos atualizados em sites de TI e em redes sociais, como o LinkedIn, que são ferramentas bastante utilizadas pelos profissionais de recrutamento de empresas de TI”, recomenda
“Estar bem atualizado e ter uma especialização podem fazer a diferença, mas também é preciso ter uma visão de longo prazo na relação com a empresa. Um currículo que espelhe uma constante troca de empregos demonstra pouca maturidade”, acrescenta a diretora de RH da Totvs.
GVT investe em plano de carreira
Para a GVT, operadora de banda larga que mais cresceu no país em 2010 e segunda que mais avançou em telefonia fixa, segundo dados da consultoria Teleco, a dificuldade de contratar profissionais de TI no Brasil pode ser minimizada não só com a oferta de melhores salários, mas também com outros atrativos para o crescimento do profissional.
“Oferecemos a nossos colaboradores um plano de carreira sólido por meio de permanente treinamento no país, a possibilidade de vivenciar experiências internacionais via cursos e projetos cooperados, participação em projetos inovadores, ambiente de trabalho agradável e uma maior proximidade com os seus gestores. Com isso, além de conseguirmos manter o nosso quadro por muito mais tempo, atraímos novos talentos”, explica George Bettini, gerente de Recursos Humanos da empresa.
“Uma das áreas onde encontramos mais dificuldade é a de administrador de Banco de Dados (DBA). Tudo é uma questão de custo x benefício. Em vagas de gestão, por exemplo, encontramos pessoas com liderança técnica bem desenvolvida, porém com perfil comportamental de gestão em desenvolvimento. Em casos assim, temos que decidir entre contratar e treiná-los em gestão ou continuar as buscas”, conta.
Sobre os motivos que levam os profissionais a pleitearem salários mais altos, Bettini concorda com a diretora de RH da CPM Braxis. “É uma realidade da área. O mercado está disputando muito os profissionais de TI e, sendo a procura maior que a oferta, os preços sobem. Existe opção de escolha para o candidato, algo que em tempos anteriores não acontecia com freqüência”, avalia o gerente de Recursos Humanos da operadora.
Para ele, sempre haverá uma discordância entre as partes quando o assunto é remuneração e a maneira como lidar com a situação dependerá da necessidade de cada empresa. “Uma mesma posição pode ser estratégica para uma companhia, mas nem tanto para outra. O nível de exigência x expectativa salarial será guiado conforme o nível de criticidade da posição para o negócio da companhia e qual o retorno esperado para essa posição. Na GVT, antes de qualquer contratação, analisamos detalhadamente o nosso quadro salarial para que seja mantido o equilíbrio dos entrantes em relação aos colaboradores existentes”, diz.
Discussões salariais à parte, Bettini acredita não haver qualquer dificuldade para que os bons profissionais de TI consigam boas oportunidades de emprego. Segundo ele, sempre haverá espaço para gente qualificada, mas faz um alerta: “é fundamental estar aberto à mobilidade do setor. Além disso, para crescer em uma empresa é preciso realmente aumentar o conhecimento. As boas empresas reconhecem os bons profissionais”, finaliza.